
Na Salton, ação de plantas como o azevém substitui produtos químicos em videiras em plena produção Com foco na viticultura sustentável, a vinícola Salton fez a eliminação total do uso de herbicidas nos vinhedos próprios que se encontram em fase de plena produção, na unidade de Santana do Livramento, na Campanha Gaúcha. A iniciativa, divulgada no Relatório de Sustentabilidade 2024, consiste na substituição de produtos químicos pelo uso de plantas de cobertura para desempenhar o mesmo papel.
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“O uso de zero herbicida foi testado e validado e hoje a técnica é adotada em aproximadamente 170 hectares de vinhedos”, explica Gregório Salton, enólogo e diretor técnico da vinícola.
Na unidade denominada Azienda Domenico, a área total é de 635 hectares, dos quais são perto de 170 hectares de vinhedos plantados e 109,93 hectares de áreas remanescentes de vegetação nativa, preservação permanente e reserva legal, além da área de pomares em desenvolvimento.
O manejo verde, livre de herbicida, vem sendo testado na unidade há mais de sete anos e foi adotado em 100% dos vinhedos em plena produção a partir de 2023. O azevém foi a planta que apresentou melhor resultado, mas outras gramíneas podem ser utilizadas. Segundo Junior Marques, coordenador de Viticultura da Salton, elas controlam as plantas daninhas e oferecem benefícios como redução da erosão, menor evaporação da água no solo e sequestro de carbono.
Os herbicidas ainda são utilizados nas áreas de desenvolvimento de pomares, com duas aplicações por ano. “A partir do momento em que eles se estruturam, as videiras são formadas e entram em produção. Nessa fase, inserimos o manejo com o azevém e, a partir daí, o herbicida é zerado”, relata o diretor técnico.
Em torno de 25% a 30% dols mais de 300 produtores de uva associados à vinícola aderiram ao manejo verde e sustentáve
Divulgação
Viticultor adota a prática
Em torno de 25% a 30% dos mais de 300 produtores de uva associados à vinícola aderiram ao manejo verde e sustentável. A meta, de acordo com Junior, é expandir o manejo com o uso do azevém para o maior número possível de associados nos próximos anos.
O viticultor e enólogo Leonel Caliari, que possui uma área com vinhedos em Santana do Livramento, é um dos pioneiros. Ele conta que utiliza a técnica há mais de dez anos, antes mesmo da vinícola dar início ao sistema nos vinhedos próprios. “Eu percebi que valia a pena plantar o azevém, fica bonita a paisagem e dá um ótimo retorno”, afirma Caliari.
No vinhedo com sete hectares, ele cultiva uvas para a produção de vinhos e espumantes como a Chardonnay, Cabernet Sauvignon, Alicante Bouschet e Marselan. A média anual de produção fica em torno de 10 mil kg por hectare, mas a depender das condições climáticas pode haver redução. “Nos últimos anos, o clima tem sido uma gangorra. Em 2023, a produtividade não chegou a 3 mil kg por hectare”, comenta o produtor.
Nesse contexto, o manejo verde entra como estratégia para uma produção de qualidade, mas também para economia nos custos de produção. Caliari acredita que foi possível reduzir em torno de R$ 2 mil a R$ 3 mil por safra sem a compra de herbicidas e a contratação de mão de obra para aplicação. “Sem falar nos benefícios para o meio ambiente”, pontua.
Vinhedo produtor Leonel Caliari, de Santana do Livramento
Arquivo pessoal
Azevém
O azevém possui um ciclo vegetativo de inverno e desenvolve-se sem competir com a videira, atuando como uma barreira protetora, suprimindo o desenvolvimento de plantas daninhas. Junior reforça que a planta de cobertura ainda oferece benefícios ao solo, como redução da erosão, controle da temperatura em períodos de calor intenso, diminuição da taxa de evaporação e sequestro de carbono, resultando em remoções de gases do efeito estufa.
O coordenador também aponta características do azevém como a alelopatia, efeito que faz com que a cultura se torne dominante na área, e a resistência, que possibilita que o banco de sementes criado no solo germine naturalmente todo ano. Esses foram alguns dos critérios técnicos que levaram à escolha da cultura diante de outras opções como a ervilhaca.
“O azevém tem uma cobertura espetacular e vai formando uma barreira física natural contra as plantas daninhas, até virar uma cama de palha, o que é muito benéfico para o solo”, avalia. Para a limpeza do local e controle da vegetação são realizadas roçadas.
A inserção de matéria orgânica no solo, com a decomposição do azevém, tem mudado a paisagem dos vinhedos da Salton que são situados na região da Campanha Gaúcha. “Estamos em uma região extremamente pobre em matéria orgânica, devido ao solo franco-arenoso. Mas já percebemos a melhora na parte microbiológica, com a presença de organismos vivos como minhocas, cogumelos e joaninhas”, diz.
Na Azienda Domenico é feito ainda um manejo fitossanitário, com produtos biológicos destinados ao controle natural de fungos e bactérias, bem como, na inserção de microrganismos em solo para condicionar e garantir o melhor aproveitamento de nutrientes.
Esses manejos, utilizados nos pomares em desenvolvimento, atuam concomitantemente com químicos para garantir qualidade e produtividade em escala. “Hoje, os biológicos correspondem a 20% da aplicação e, além dos benefícios ambientais, agronomicamente são muito eficientes”, considera Junior.
Outra frente de atuação destacada pelo diretor técnico está relacionada ao emprego da tecnologia, inovação e ciência nos processos. Por meio da coleta de dados relevantes para a viticultura, como informações climáticas, é possível identificar, com maior precisão, as necessidades das videiras. “Isso nos permite reduzir de forma significativa o uso de produtos químicos em nossos vinhedos, promovendo práticas mais sustentáveis”, afirma Gregório.
Um exemplo disso é a redução do uso de inseticida, que é um produto químico utilizado para inibir o aparecimento de insetos. Em 2024, foi realizada apenas uma aplicação de inseticida no ano, na unidade de Bento Gonçalves (RS), em 2,4 hectares de um total de 4,75 hectares de vinhedos plantados.