As geadas registradas no Sul do Brasil nos meses de junho e julho afetaram a oferta de forragens para a produção pecuária. Em meio a esse cenário, o trigo forrageiro tem demonstrado maior tolerância ao frio em comparação a outras culturas comuns na região, aponta pesquisa da Embrapa.
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A base forrageira de inverno no Sul é composta principalmente por aveia, trigo e azevém. Segundo o pesquisador Renato Serena Fontaneli, da Embrapa Trigo, a aveia preta é a cultura mais sensível à geada, seguida da cevada e da aveia branca. “A geada costuma afetar a aveia causando o crestamento das plantas. Quando a geada é seguida de dias ensolarados, a planta pode se recuperar entre quatro a sete dias, mas o crescimento é mais lento, devido às baixas temperaturas e dias curtos, até a plena oferta de forragem de aveia”, explica.
O azevém, geralmente semeado junto com a aveia em março e abril, costuma iniciar a produção de forragem apenas no final do inverno. Já o trigo forrageiro, semeado no mesmo período, permite ciclos de pastejo mais precoces, estendendo a oferta de pasto por vários meses.
A Embrapa desenvolve cultivares de trigo forrageiro desde os anos 1980, cruzando trigos de primavera e de inverno. Esse melhoramento gerou cultivares com ciclo vegetativo mais longo e maior necessidade de exposição ao frio, o que permite o plantio antecipado.
O desenvolvimento da planta pode durar até 112 dias entre a emergência e a elongação, quase o dobro do período dos trigos destinados exclusivamente à produção de grãos. A cada pastejo, a planta rebrota com mais vigor, especialmente quando recebe adubação nitrogenada. Esse comportamento também se repete em situações de geada.
Segundo o pesquisador Ricardo Lima de Castro, da Embrapa Trigo, “a sensibilidade do trigo à geada começa a aumentar depois do início do emborrachamento. Os danos dependem da intensidade da geada e da sensibilidade da cultivar, já que existe diferença genética bem acentuada entre as cultivares”.
Ele observa que cultivares desenvolvidas para uso forrageiro apresentam maior aclimatação ao frio, o que reduz os danos causados pelas geadas. Essa tolerância é resultado de mecanismos físicos e bioquímicos, como o acúmulo de açúcares solúveis nas paredes celulares, que limitam a formação de cristais de gelo.
Fontaneli destaca a importância de diversificar as espécies para lidar com variações climáticas. Ele recomenda o uso de forrageiras anuais e perenes de inverno, incluindo gramíneas como festuca e leguminosas como ervilhacas, trevos e cornichão. A rotação entre cereais de inverno, como trigo, aveia branca, centeio, triticale e cevada, também é apontada como estratégia para garantir alimento ao longo do inverno, tanto para pastejo quanto para produção de silagem, pré-secados e feno.
Apesar da menor tolerância ao frio, a aveia preta ainda é amplamente utilizada por ser uma opção de menor custo. O preço da semente de trigo é quase o dobro do valor da aveia preta. Segundo o engenheiro-agrônomo Marcelo Klein, da Embrapa Trigo, “a aveia preta tem o desenvolvimento inicial rápido, mas atinge o pico de produção de pasto em dois a três meses, quando entra em declínio, exigindo uma segunda semeadura para garantir forragem durante todo o inverno. O trigo, por outro lado, mantém a oferta constante de forragem, com rebrote vigoroso a cada pastejo”.
Um experimento comparando o desempenho das duas culturas, realizado na Embrapa Trigo, registrou nove cortes entre março e novembro. O trigo produziu, em média, 900 quilos de matéria seca por corte, enquanto a aveia preta produziu 533 quilos. Embora trigo e aveia tenham exigido cuidados semelhantes em relação ao controle de pragas e doenças, o trigo demandou maior reposição de adubo, com uma aplicação de ureia após cada pastejo, devido ao seu maior tempo de produção de biomassa.
Comparação entre as pastagens de aveia e trigo após geada
Divulgação Embrapa Trigo
Com teores de proteína bruta que podem ultrapassar 20% e digestibilidade próxima a 70%, a pastagem de trigo também apresenta ganhos nutricionais aos animais, aponta a pesquisa. “É uma forragem de excelente valor nutritivo, com possibilidade de converter mais de 1 kg de ganho de peso vivo diário em novilhos, de produzir 15 a 20 litros de leite só baseado nessa forragem”, afirma Fontaneli.
“A vantagem do trigo de duplo propósito, é plantar cedo, cobrir o solo, alimentar os animais durante o fim de outono, inverno, que são os piores períodos do ano para ter pasto.”
Produtores aprovam
Na prática, produtores têm observado essas diferenças no campo. No município de Princesa (SC), o produtor Ademilson Ramon semeou trigo no início de abril em piquetes de 2.200 m², com lotação de 35 animais. “O trigo foi plantado ao lado da aveia e do azevém. Com as últimas geadas, as folhas da aveia secaram, mas o trigo resistiu e já estamos no terceiro pastejo no piquete”, relata.
Segundo ele, o trigo permitiu pastejo 30 dias após a semeadura, enquanto o azevém ainda não havia sido aproveitado. A alta oferta de forragem também reduziu o uso de farelo de soja e o produtor espera aumentar a lotação animal.
Em Flor da Serra (PR), a produtora Romilda Silva também registrou perdas nas lavouras de aveia e azevém devido às geadas. Já o trigo, semeado no fim de março, possibilitou três ciclos de pastejo até o início de julho. “Quanto mais as vacas comem a pastagem, mais o trigo perfilha”, destaca.