
Desde fevereiro deste ano, quando começou a guerra tarifária entre Estados Unidos e China, os dois países nunca estiveram tão próximos de sentar à mesa de negociações. Essa reaproximação, caso se efetive, deve criar um quadro adverso para a soja brasileira, com eventual diminuição do ritmo de exportações e também declínio dos preços do grão, que ainda está em fase inicial de plantio.
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Até o momento, é bom que se diga, é a soja americana que tem perdido espaço no mercado chinês, o que tem beneficiado o grão brasileiro. Na segunda-feira (20/10), as autoridades alfandegárias da China informaram que, em setembro, o primeiro mês da safra americana, o país não comprou um só grão da oleaginosa dos EUA. Os chineses não encerravam um mês sem importar soja americana desde novembro de 2018.
A China importou 10,96 milhões de toneladas de soja do Brasil, o que representou um aumento de 30% em comparação com setembro de 2024. O volume correspondeu a 85% do total das importações chinesas de soja no mês passado.
O presidente americano Donald Trump afirmou no início de outubro que terá um encontro com o líder chinês Xi Jinping durante a Cooperação Econômica Ásia-Pacífico (APEC). Trump disse que uma das pautas do encontro será o comércio de soja.
Ainda que as tensões entre EUA e China tenham recrudescido nas últimas semanas, para Ronaldo Fernandes, analista da Royal Rural, as declarações públicas recentes indicam que os dois países trabalham para costurar um acordo comercial.
“Toda vez que as tensões aumentam, os países criam um problema para inventar uma solução. Os Estados Unidos têm interesse nas terras raras chinesas, e a China pode usar isso a seu favor, dizendo aos americanos que vai negociar uma pequena parte dessas terras. Em troca, ela pode oferecer comprar a soja dos americanos. Ela [a China] tem hoje esse poder de barganha, pois já mostrou que pode ficar sem comprar soja deles [dos EUA] por muito tempo”, diz Fernandes.
O fim da guerra comercial, prossegue o analista, poderia causar impactos negativos para a soja do Brasil. O primeiro deles seria a redução das exportações do país. De janeiro a setembro de 2025, a China respondeu por mais de 77% das exportações brasileiras de soja. O volume dos embarques cresceu 4,83% em relação ao mesmo intervalo de 2024.
Os componentes que formam o preço da soja no Brasil também sofreriam impactos de um eventual acordo comercial, avalia Fernandes. “O dólar cairia, o preço [na bolsa de] Chicago deve subir, enquanto o prêmio nos portos teria queda, com risco de ficar negativo nos vencimentos para fevereiro e março do ano que vem. Ou seja, a soja do Brasil ‘apanharia’ de todos os lados”, pontua.
Com dólar, prêmio e câmbio desfavoráveis, inevitavelmente o preço da soja no Brasil cairia em caso de acerto entre EUA e China. Segundo estimativa de Luiz Pacheco, da T&F Consultoria Agroeconômica, a saca no interior do Paraná, atualmente cotada a R$ 131, pode cair para R$ 100. O prêmio, que para outubro está 167 pontos positivos base Paranaguá (PR), sofreria uma queda de 82%, segundo projeção do analista.
“Hoje, o Brasil é o pêndulo entre China e Estados Unidos no comércio de soja. Se a produção brasileira for realmente de 176 milhões de toneladas (na safra 2025/26, como estima a Companhia Nacional de Abastecimento), a China terá cacife para permanecer sem comprar soja americana por mais um ano. Mas se houver problema climático no Brasil, o poder de negociação estará do lado americano”, afirma Pacheco.
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Os analistas destacam ainda que, após o boom de importações no intervalo janeiro-setembro, a demanda pelo grão brasileiro já perdeu força entre os chineses.
“Neste mês, a China comprou só um navio de soja do Brasil para novembro. A demanda permanece fraca, apesar de os chineses precisarem importar 9 milhões de toneladas entre dezembro e janeiro. Os chineses alegaram que a nossa soja ficou cara, mas talvez isso seja um sinal de que eles estão esperando algum desfecho com os Estados Unidos”, diz Luiz Pacheco, da T&F.
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Para Ronaldo Fernandes, da Royal Rural, a China usa o argumento de que a soja brasileira está cara como “desculpa” que permite ao país diversificar seus fornecedores.
“Na primeira guerra comercial entre Estados Unidos e China, o prêmio da soja no Brasil chegou a 300 pontos positivos, e hoje está abaixo de 200. Os chineses usaram isso como estratégia para recorrer às importações do Canadá e principalmente da Argentina”, afirma. No momento, diz Fernandes, a China está com bons estoques de soja, o que permite ao país ficar fora do mercado até fevereiro. “Ou, então, até sair o acordo com os Estados Unidos”, comenta o analista.