
Algumas das empresas que estão entre as maiores tradings de comercialização de soja do mundo se preparam para romper o acordo firmado para conter o desmatamento da Amazônia, conhecido como Moratória da Soja, informou a agência de notícias Reuters.
A informação foi repassada à agência por duas fontes sob a condição de anonimato. De acordo com essas fontes, as tradings que estariam deixando o pacto buscam se proteger de uma nova lei estadual de Mato Grosso, já que a partir de janeiro o Estado do Centro-Oeste irá retirar os incentivos fiscais das participantes do programa de conservação.
Não foi informado, porém, quais empresas romperiam imediatamente com a moratória. ADM, Bunge e Cargill, com sede nos Estados Unidos, além da chinesa Cofco e da brasileira Amaggi, são signatárias do pacto com instalações em Mato Grosso que se beneficiaram dos incentivos fiscais estaduais, segundo a Reuters.
Procuradas, tanto as empresas quanto as entidades que representam o setor (Anec e Abiove) não se manifestaram.
Mato Grosso produziu cerca de 51 milhões de toneladas na última safra. Um relatório preliminar de auditores estaduais divulgado em abril constatou que tradings de grãos se beneficiaram de incentivos fiscais de aproximadamente R$ 4,7 bilhões entre 2019 e 2024.
ADM e Bunge foram as maiores beneficiárias dos incentivos fiscais, recebendo cerca de R$ 1,5 bilhão cada uma, afirmou Sergio Ricardo, presidente do Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso, segundo a Reuters.
“A maioria das empresas vai optar por não perder os incentivos fiscais e se retirar do acordo”, disse uma das fontes, segundo a Reuters.
A moratória é considerada um dos mecanismos mais importantes para frear as taxas de desmatamento na Amazônia brasileira nas últimas duas décadas, ao proibir as empresas signatárias de comprar soja de produtores que plantem em áreas desmatadas após julho de 2008.
Pesquisadores estimam que, sem a moratória e esforços de conservação relacionados, uma área de floresta do tamanho da Irlanda teria sido convertida em lavouras de soja no Brasil, em comparação com o ritmo de expansão observado em países vizinhos, como a Bolívia.
A lei de Mato Grosso, aprovada pelos deputados estaduais em 2023, é o exemplo mais recente de um recuo global em pactos e políticas voltadas a conter as mudanças climáticas, mesmo com temperaturas batendo recordes, impulsionadas pelo aumento do uso de combustíveis fósseis e pelo desmatamento.
Críticos da Moratória da Soja afirmam que o pacto restringe o mercado e prejudica os produtores. Entidades de agricultores em Mato Grosso dizem que o protocolo reduz a renda e o desenvolvimento econômico do Estado.
“As empresas poderiam optar por manter seus compromissos de desmatamento zero”, disse Cristiane Mazzetti, responsável pela moratória no Greenpeace. “É um precedente perigoso, e não é o que precisamos em um momento de emergência climática”, acrescentou.
O governo federal brasileiro tem argumentado na Justiça contra a nova lei de Mato Grosso.
“Se o governo de Mato Grosso realmente retirar esses incentivos, ouvimos que algumas, ou muitas, empresas de fato abandonarão a moratória por razões econômicas”, disse Andre Lima, secretário extraordinário do Ministério do Meio Ambiente responsável pelo combate ao desmatamento. Ele acrescentou que as empresas não informaram oficialmente ao ministério sobre seus planos.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva prometeu uma “transformação ecológica” da economia brasileira, coroada pela realização da cúpula climática das Nações Unidas na Amazônia no mês passado. Mas, na política doméstica, seu governo de esquerda frequentemente trava uma batalha defensiva para proteger a maior floresta tropical do mundo diante de um lobby ruralista que tem vantagem no Congresso.
O enfraquecimento da Moratória da Soja na Amazônia tende a encorajar esses grupos rurais e seus aliados. Neste ano, o lobby do agronegócio conseguiu esvaziar leis de licenciamento ambiental e retirar algumas proteções de terras indígenas.
Essa tendência chamou a atenção de entidades de produtores na Europa, que defendem barrar um acordo de livre comércio entre a União Europeia e o Mercosul, citando o impacto do agronegócio brasileiro sobre ecossistemas vitais.
Ambientalistas alertam que o fim da Moratória da Soja pode abrir caminho para o desmonte de outras proteções ambientais no maior produtor mundial da oleaginosa, incluindo dispositivos do Código Florestal que obrigam produtores a preservar 80% de suas propriedades na Amazônia.
Nos últimos anos, sojicultores pressionaram parlamentares estaduais em Mato Grosso, Rondônia e Maranhão a retirar benefícios fiscais de empresas que participam de pactos ambientais mais rigorosos do que a legislação brasileira.
Ainda não está claro quais compromissos ambientais, além da moratória da soja, serão atingidos por essas novas leis estaduais, que podem ameaçar uma série de outros setores, como produtores de celulose e frigoríficos.





