
Entre medidas estão redução de volume processado e mudanças na gestão de estoques A alta de quase 70% nos preços do café no mercado internacional só nos últimos 12 meses obrigou torrefadoras de pequeno e médio porte a reorganizarem suas operações para atenuar perdas. Algumas mudaram a gestão de estoque, outras demitiram e há aquelas que ajustaram as estratégias de compra do grão. Ao mesmo tempo em que tomaram tais medidas, tiveram de fazer repasses aos clientes para continuar ativas, uma vez que a pressão de alta deve arrefecer apenas no segundo semestre.
Em Campinas (SP), as máquinas de torrefação e beneficiamento do Café Canecão, uma das marcas mais populares do interior paulista, deixaram de funcionar por uma semana no início de abril. O motivo? Não havia café para beneficiar por causa do preço alto cobrado por produtores, o que atrapalhou o planejamento da indústria.
Leia também:
Consumo de café cai 16% no Brasil em abril com alta de preços, diz indústria
Preço do café sobe 80,2% em 12 meses até abril, maior alta desde o Plano Real
Café da manhã mais caro? Entenda alta nos preços do ovo e do café
Segundo Natal Martins, diretor de marketing da empresa, hoje o principal desafio da marca de sua família é assegurar café para a fábrica torrar a um preço “travado” no campo. “Na hora de entregar o café, o produtor quer vender por mais, pois o valor subiu na bolsa. Se a gente não tem capital de giro para pagar a diferença, fica sem a matéria-prima”, afirma ao Valor Martins, que também é vice-presidente de Qualidade e Programa de Certificação da Associação Brasileira da Indústria do Café (Abic).
Diante disso, a empresa implementou um modelo de análise de risco e gestão financeira mais detalhadas. Assim, o volume a ser comprado e o inventário do estoque são monitorados à risca. Mas nem sempre foi assim. Há cerca de vinte anos, o preço do grão era mais previsível e oscilava só na entressafra, afirma. “Os picos e declínios nos preços de café eram mais previsíveis”, diz. Segundo Martins, atualmente é preciso ter um capital de giro quatro vezes maior do que o que se tinha antes de 2021 para poder negociar o café.
Anna Carolina Viana, presidente do Café Moinho Fino, de Aparecida de Goiânia (GO), afirma que, diante da alta das cotações, o corte de custos foi inevitável. “Estamos cortando custos em todos os setores para conseguir permanecer no mercado. E como a nossa marca é muito forte, aumentamos o preço e dissemos o seguinte: trabalhar no prejuízo, nós não podemos. Só que, com isso, as nossas vendas caíram”, admite.
Saiba-mais taboola
De janeiro a fevereiro deste ano, as vendas da empresa recuaram 30%, reflexo da elevação dos preços da marca, que praticamente dobraram no último ano.
O quadro afeta também multinacionais, como a illycaffè, que decidiu comprimir a margem e teve de reduzir os custos operacionais para enfrentar a alta de preços, segundo o presidente da empresa, Andrea Illy. A expectativa é voltar a crescer em 2026, quando o Brasil, seu principal fornecedor de matéria-prima, deverá ter uma melhor safra, espera o executivo.
Mesmo com as projeções de recuperação da produção de café para 2026, o presidente da Associação Brasileira da Indústria do Café (Abic), Pavel Cardoso, observa que os estoques mundiais de café estão no seu pior nível. Assim, talvez não haja café suficiente para fazer os preços retornarem ao patamar que estavam antes da pandemia.
Para ele, pode haver uma oferta restrita no primeiro semestre de 2026, o que tende a causar mais volatilidade. “Aquela indústria que compra 100 sacas de café, pode até continuar comprando a mesma quantia, mas decide torrar metade num mês e guarda o resto para outro momento, tentando equalizar estoques e preços”, diz, sobre a estratégia das indústrias de menor porte.
Saiba-mais taboola
Além desses ajustes, outras empresas recorreram a férias coletivas, redução de escala de trabalho e corte em lançamento de novos produtos. Em Cruzeiro do Sul (AC), a Cafés Nauás, que abriu a fábrica em 2017, interrompeu o plano de expansão da marca em dezembro, quando a diretora da indústria, Patrícia Parente, refez as contas e viu que precisava enxugar os gastos.
O cenário derrubou em 17% as vendas da marca da família de Parente, o que levou a empresa a cortar à metade o volume de café torrado. Entre outras medidas aplicadas pela torrefadora estão férias coletivas, entre dezembro e janeiro, e reduções nas escalas de torra de café para economizar energia.
Com menos produto acabado, ela projeta à frente um recuo nas vendas e nos planos de atrair clientes novos. “Foram ajustes para nos readequarmos à nova realidade do café”, afirma. “Hoje, estamos restringindo ao máximo eventos de degustação, deixando apenas uma vez no início ou no fim do mês, momento que o consumidor recebe e tende a comprar o café”, diz.
O cenário também prejudica o mercado de cafés especiais. A Café Santa Mônica, de Machado, sul de Minas Gerais, teve de enfrentar alta de 150% nos preços do grão verde nos últimos doze meses, o que tornou o repasse ao varejo inevitável.
“Todas as empresas do setor, por mais planejadas que estivessem em nível de estoques, não suportaram as elevações contínuas”, ressalta o presidente-executivo da marca, Marcelo Moscofian.