
Por que uma empresa de fertilizantes especiais e biodefensivos de porte médio, com sede em Ribeirão Preto (SP), atraiu como sócio minoritário o BNDESPAR, braço de participações do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que não investia em empresas privadas há cerca de dez anos?
A resposta vem do engenheiro agrônomo João Pedro Cury, 39 anos, CEO da Santa Clara. “O que chamou a atenção do BNDES foi o desenvolvimento de nossa tecnologia de biodefensivos de terceira geração que vem sendo trabalhada desde 2018 com a Embrapa Agroenergia e a Embrapii, e que pode mudar esse mercado no país.”
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Cury diz que, por parte da Santa Clara, o namoro de um ano e meio virou um casamento porque o BNDES participa de muitas empresas, é uma instituição que tem profundo conhecimento de gestão, de governança, mas não interfere na gestão da empresa.
O investimento de R$ 114 milhões garantiu ao banco 19,9% do capital da Santa Clara e a participação no conselho da empresa, que já tem três membros independentes. Pela família, só integra o conselho a irmã de João Pedro, Talita Cury Robusti. O presidente, Roberto Fava Scare, é sócio da consultoria Markestrat e CEO da Harven Agribusiness School.
“O intuito do banco é ser o apoiador de desenvolvimento e crescimento, com aqueles viés de transformação energética, circularidade e descarbonização, o que está muito atrelado com o nosso projeto”.
Em nota, o BNDES disse que seu investimento tem como objetivo fortalecer a estrutura de capital da companhia para apoiar o seu plano de negócios, que contempla investimento em inovação e em expansão produtiva e de mercado.
“O emprego de fertilizantes especiais e de bioinsumos na agricultura contribui para reduzir a pegada de emissões de gases de efeito estufa com o menor uso de fertilizantes químicos, preservando a biodiversidade a partir da diminuição do uso de agrotóxicos”, disse o presidente do BNDES, Aloizio Mercadante.
O aporte do banco será usado principalmente na nova unidade de defensivos biológicos que será construída em Jaboticabal, ao lado da planta de fertilizantes especiais, que já foi ampliada. O plano é ter a unidade operacional em dois ou três anos.
João Pedro Cury é CEO da Santa Clara
Divulgação
O executivo conta que o grupo, formado por quatro empresas, cresceu muito rápido, foi prospectado nos últimos anos por várias companhias, inclusive internacionais, mas não tem interesse em fusões nem em perder a gestão do negócio. Mas, por outro lado, precisava de investimentos para readequar a estrutura.
Com apenas 8,5% de seu faturamento de R$ 255 milhões (relativo à safra 2024/25) vindo dos biológicos, a Santa Clara definiu em 2018 o plano estratégico de investir nesses produtos de terceira e quarta geração com a pretensão de expandir para 30% ou 40% a receita com esses produtos até 2030 e atingir o faturamento de R$ 1 bilhão. Para a nova safra, a estimativa é fechar com R$ 300 milhões.
Novas tecnologias
No total, 26 produtos biológicos estão no pipeline da empresa até 2030, sendo oito da primeira geração, três da segunda, 13 da terceira e dois da quarta (confira abaixo a definição das gerações). A Embrapa vai receber royalties pelos produtos que ajudou a desenvolver.
O primeiro biodefensivo de terceira geração deve ser lançado no próximo ano. Trata-se de bioinseticida fabricado com óleo de casca de laranja, aplicável a diversos tipos de cultura. Mas, o produto mais disruptivo dessa tecnologia, segundo Cury, será um biofungicida para combate da ferrugem, uma das doenças que mais afeta a produtividade da soja, que já está em protocolo de registro.
Os produtos de terceira geração associam basicamente componentes extraídos de plantas, em vez dos organismos vivos dos biológicos de primeira e segunda geração, que já estão no mercado. Também entram como terceira geração os produtos resultantes do metabolismo de microrganismos.
“Esse produto de primeira e segunda geração precisa geralmente de refrigeração no transporte, tem menor shelf life e é misturado nas aplicações nas culturas com fertilizantes e agroquímicos. Vira uma salada e aí você imagina um organismo vivo no meio de muitas moléculas químicas. Tem grande chance de dar problema e não ter a eficiência necessária para a planta.”
Saiba-mais taboola
Segundo o executivo, a limitação desses produtos com organismos vivos é um dos fatores que explicam por que a taxa de adoção do biológicos no Brasil e também no mundo ainda não explodiu. Já os produtos de terceira geração têm as moléculas principais do microrganismo, mas são inertes e têm três anos de prateleira.
Clenilson Martins Rodrigues, químico de produtos naturais e pesquisador da Embrapa Agroenergia, trabalhou no projeto da Santa Clara. Ele diz que a pesquisa no laboratório e na casa de vegetação da unidade em Brasília foi focada em duas vertentes.
A primeira foi o aproveitamento de composto naturais de mostarda e girassol e de resíduos abundantes da cana-de-açúcar, como o bagaço e a vinhaça, para controle de pragas. A segunda focou no uso de microrganismos que têm a finalidade de predar as pragas. Foram testados, aprovados e enviados para os testes de campo da Santa Clara quatro protótipos de terceira geração.
O pesquisador explica que a grande sacada foi pegar um problema ambiental, como os resíduos da cana, e usar como fonte de carbono para produzir os compostos que interessam. Além do caráter ambiental, diz, o uso dos resíduos como matéria-prima reduz o custo.
“Toda pesquisa que desenvolvemos tem a avaliação de viabilidade técnica e econômica. Não adianta desenvolver um produto sustentável, verde, mas que não seja competitivo com o que existe no mercado. O produtor rural quer reduzir custos”.
Segundo o CEO da Santa Clara, a estratégia é fomentar pequenos e médios agricultores a produzir uma determinada planta para a extração de moléculas que têm altíssima eficácia no controle de pragas e doenças. A empresa transforma essa matéria-prima em um produto, que retorna para o campo.
“Imagine substituir moléculas que são altamente tóxicas, moléculas de agroquímicos convencionais por produtos naturais produzidos muitas vezes por pequenos e médios produtores brasileiros. Isso é uma revolução.”
Negócios
A holding Santa Clara é composta pela Santa Clara Agrociência, produtora dos fertilizantes especiais que concentra a maior parte do faturamento, a Inflora, fábrica de biológicos, a Hydromol, que produz fertilizantes especiais para outras empresas (modelo B2B), e a Linax, comprada em 2023 por sua expertise de 21 anos na fabricação de óleos essenciais.
Em pesquisas e desenvolvimento de produtos, a Santa Clara investe 8% de seu faturamento, que tem cerca de 11% vindo da exportação de fertilizantes especiais e adjuvantes para 30 países da América Latina e Ásia.
A empresa abriu recentemente o mercado das Filipinas e aguarda o registro para entrar na Índia, mas o foco é voltar ao mercado da Europa, que interrompeu as compras na pandemia. O grande salto pós-2030, segundo Cury, será a venda dos biológicos no mercado internacional. Os Estados Unidos ntinuam no radar futuro da empresa para exportação dos produtos.
Questionado se o tarifaço imposto pelo presidente americano, Donald Trump, não abalou a negociação com o BNDES, Cury disse que não porque o contrato já estava fechado. Também não deve afetar a estratégia de crescimento da empresa, que tem as culturas da soja (44,8%) e milho (14,54%) como carro-chefe de suas vendas. As que mais exportam para os americanos, como cana e café, representam apenas 11,3% e 4,31% das vendas do grupo.
Conheça as gerações de biológicos:
1ª geração: Biodefensivos de células vivas simples
Produtos a base de células vivas de uma única espécie microbiana, com atividade direta sobre pragas ou doenças. Representam a forma mais tradicional de biodefensivos, utilizando mecanismos como competição, antibiose e parasitismo, sem formulações complexas ou sinergias interespecíficas.
2ª geração: Consórcios microbianos vivos
Formulados com duas ou mais espécies diferentes de microrganismos vivos, explorando sinergias entre eles para ampliar o espectro de ação e a eficácia. Essa geração incorpora a ideia de comunidades funcionais, otimizando desempenho em campo por meio da complementaridade de mecanismos de ação.
3ª geração: Metabólitos e compostos naturais purificados
Baseados em substâncias bioativas produzidas por microrganismos (como metabólitos secundários) ou extratos vegetais purificados (como óleos essenciais), sem presença de células vivas. Essa geração se caracteriza pela estabilidade, padronização e precisão de aplicação, podendo incluir combinações entre metabólitos e extratos com ação inseticida, fungicida, nematicida ou repelente.
4ª geração: Biotecnologia avançada e modulação de microbioma
Envolve o uso de ferramentas genéticas e moleculares, como CRISPR para edição genética de microrganismos ou plantas com foco em resistência ou produção de compostos bioativos e o RNAi (interferência por RNA) para silenciamento gênico em pragas-alvo. Os moduladores de microbioma são voltados à promoção de interações benéficas entre planta, solo e microrganismos, potencializando defesas naturais ou supressão biológica. É a fronteira mais inovadora, focada em regulação gênica e engenharia do ecossistema agrícola.