O Brasil pode antecipar em dez anos sua meta de neutralidade climática e zerar as emissões líquidas de gases de efeito estufa (GEE) até 2040 — desde que o desmatamento seja completamente eliminado até 2030. É a conclusão do estudo “Brazil Net-Zero by 2040”, coordenado pelo Instituto Amazônia 4.0 e liderado pelos cientistas Carlos Nobre, da Universidade de São Paulo (USP), Mercedes Bustamante, da Universidade de Brasília (UnB), e Roberto Schaeffer, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
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O estudo indica que o Brasil pode atingir neutralidade de dióxido de carbono (CO2) já em 2035, e remoções líquidas (sequestro superior à emissão) de mais de 1,3 GtCO2/ano em 2040. Entre as medidas para chegar a essa situação, estão
desmatamento zero;
ampliação da cobertura vegetal;
e integração entre políticas de clima, energia e uso da terra.
Na visão dos pesquisadores, antecipar a neutralidade climática é tecnicamente viável. Depende de restaurar ecossistemas, acelerar a transição energética e garantir políticas públicas consistentes de longo prazo.
O trabalho foi lançado em 5 de novembro, na Academia Brasileira de Ciências, no Rio de Janeiro, e fornece base científica para a intenção do governo federal de antecipar o compromisso de descarbonização anunciado no G20, em 2024. Segundo os pesquisadores, não existe caminho possível sem zerar o desmatamento. A derrubada de florestas segue como a principal fonte de emissão de carbono no país, especialmente por liberar grandes volumes de gás carbônico e comprometer a capacidade de absorção dos gases de efeito estufa.
“É importante zerar o desmatamento não apenas pelas mudanças climáticas, mas também pela perda de biodiversidade e pelo surgimento de novas epidemias amazônicas”, afirmou Carlos Nobre, citando estudo da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) que identificou 48 zoonoses com potencial epidêmico e até pandêmico relacionadas à pressão sobre a floresta.
O estudo propõe dois caminhos complementares para alcançar o net-zero em 2040.
O Cenário de Soluções Baseadas na Natureza, centrado na agricultura sustentável, reflorestamento e restauração de áreas degradadas.
O Cenário de Transição Energética Acelerada, que aposta em fontes renováveis e tecnologias de captura de carbono.
Nos dois, o desmatamento zero é considerado indispensável.
Soluções Baseadas na Natureza

No Cenário de Soluções Baseadas na Natureza, o foco é transformar o uso da terra em instrumento de mitigação climática. O plano prevê o fim da derrubada de vegetação nativa em todos os biomas até 2030, a restauração de 30 milhões de hectares e a adoção em larga escala da agricultura regenerativa e de sistemas integrados de produção.
A meta é tornar as propriedades rurais sumidouros líquidos de carbono, combinando manejo de solo, recuperação florestal e aumento da produtividade sem abertura de novas áreas.

Mercedes Bustamante, especialista no bioma Cerrado, reforçou que não há necessidade de desmatar para ampliar a produção agrícola. “Quando consideramos apenas as áreas de pastagem degradada, ainda temos terra suficiente para dobrar a produção. É possível aumentar a produtividade sem abrir novas áreas”, afirmou.
Transição Energética Acelerada
O Cenário de Transição Energética Acelerada, propõe a eliminação gradual dos combustíveis fósseis até 2040 e a substituição por energias renováveis e biocombustíveis, com captura e armazenamento de carbono. O relatório descreve que “o petróleo é completamente eliminado até 2040, impulsionado pela neutralidade total do setor energético”, o que implicaria o fechamento das refinarias que não adotarem coprocessamento com biomassa.
Mesmo nesse modelo, as florestas continuam tendo papel decisivo. O reflorestamento e o controle rigoroso do desmatamento são apontados como base para compensar emissões residuais e garantir a absorção líquida de carbono.
O engenheiro Roberto Schaeffer destacou, durante o lançamento do estudo, que, no caso brasileiro, atingir o net-zero significa se tornar negativo em carbono, já que um terço das emissões do país vem de metano e óxido nitroso, gases difíceis de eliminar. “O Brasil precisa absorver mais carbono do que emite, e isso só será possível com o fim do desmatamento e uma matriz energética renovável”.
Saiba-mais taboola
De acordo com o pesquisador da Embrapa Eduardo Assad, reduzir o metano é uma meta factível, sobretudo com o avanço de tecnologias pecuárias, como o abate precoce e melhorias na alimentação animal. Ele lembrou que o metano permanece apenas nove anos na atmosfera, o que permite resultados mais rápidos.
O estudo conclui que a neutralidade climática em 2040 é tecnicamente possível, apoiada em bioenergia, tecnologias de captura de carbono e governança territorial integrada. Mas o alcance dessa meta depende de investimentos inéditos, coordenação entre setores e políticas públicas firmes de combate ao desmatamento.

“O sucesso dessa transição depende de eliminar o desmatamento em todos os biomas e restaurar as áreas degradadas. Sem isso, o Brasil não será capaz de cumprir sua meta climática”, resume o relatório.

Com base nas soluções naturais e na inovação tecnológica, os autores defendem que o país pode se tornar referência internacional em sustentabilidade, conciliando produção agropecuária, geração de energia limpa e conservação florestal.
“Zerar o desmatamento é o primeiro e mais urgente passo para que o Brasil alcance o net-zero e garanta o futuro do próprio agronegócio”, disse Carlos Nobre.