
Na Terra Indígena Sete de Setembro, onde vive o povo Paiter Suruí, as castanheiras carregadas de ouriços são a promessa de dias melhores após a quebra da safra 2024/25, quando a comunidade não colheu praticamente castanha alguma. Essa esperança, contudo, não é plena. Com chuvas ainda irregulares, parte dos frutos estão abortando.
“Nós estamos esperando que neste ano a situação da castanha seja um pouquinho melhor porque voltou a chover, mas com muita irregularidade. A questão climática está abalando muito a produção da floresta”, diz Neidinha Suruí, líder da Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé, entidade com sede em Porto Velho que atua com povos indígenas da região.
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A Terra Indígena Sete de Setembro, em Cacoal, no sul do Estado, é uma das que a associação atende. Com três cooperativas e produção anual de 300 toneladas, a comunidade precisou adiar os planos de colocar em operação uma fábrica própria — inaugurada em junho, a fábrica tem capacidade de beneficiar 80 toneladas por ano.
“A gente precisava dar o curso de boas práticas com a castanha e não encontrava quem tivesse uma saca de castanha para vender. Conseguimos quatro sacas de castanha no Acre, mas no meio do caminho até aqui teve um acidente, o carro tombou e perdemos boa parte”, relata Neidinha.
A construção da fábrica foi possível graças ao apoio da WWF Alemanha, que financiou o projeto. “A gente preparou todos os processos e agora estamos contando com a natureza”, resigna-se a líder indígena.
Sávio Gomes, vice-presidente do Pacto das Águas, explica que a coleta de castanhas é uma atividade estratégica para os povos da floresta. Além de ser a que mais gera renda, ela também está associada à proteção do território. Quando caminham em busca dos ouriços de castanha que caem das árvores, indígenas e extrativistas também vigiam o perímetro e monitoram a presença de potenciais invasores.
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“A castanha é uma atividade que envolve toda a família. O dinheiro chega ao bolso de todos: jovem, mãe, tio, pai. Não é só uma atividade econômica, é uma atividade territorial”, afirma Gomes. Além da seca, ele também atribui a queda na produção de castanha às queimadas no bioma nos últimos anos e ao avanço da agropecuária no entorno das áreas protegidas.
“A presença dos polinizadores diminuiu muito porque muitas dessas terras indígenas e dessas áreas extrativistas estão ficando rodeadas por agronegócio. Com ele vêm os venenos, que estão matando os polinizadores e inclusive as plantas”, diz. Segundo ele, a irregularidade das chuvas confunde os extrativistas, além de comprometer a qualidade das castanhas.
Na Terra Indígena Igarapé Lourdes, em Ji Paraná, onde a produção de castanha caiu de 180 toneladas para 40 toneladas no último ano, a perspectiva para 2026 é de que a coleta siga abaixo das 100 toneladas, afirma o cacique Heliton Gavião. Ele atribui a instabilidade na produção à mudanças climáticas e ao desmatamento da floresta.
“Essa mensagem tem que ser espalhada para o mundo inteiro. Tem que divulgar a consequência da obra do ser humano ao destruir a floresta”, diz o líder indígena.
*O jornalista viajou a convite da WWF