Apreciar o açaí, cupuaçu, guaraná, camu-camu e outros sabores amazônicos não é mais uma particularidade do paladar brasileiro. Aos poucos, esses produtos ganham compradores pelo mundo, e o próximo passo que o setor busca é a conquista do Oriente Médio. Uma onda de incentivo a alimentos saudáveis e de valor agregado nos Emirados Árabes Unidos é vista como oportunidade para acessar esse mercado, apesar dos desafios e diferenças culturais.
Leia também:
Café amazônico cruza o oceano e conquista espaço no berço do espresso
Ex-executivo de varejo se torna produtor e exportador de limão
A Involve Foods, companhia árabe que presta assessoria comercial para marcas no Brasil, firmou uma parceria com a Jornada Amazônia, iniciativa da Fundação Certi, para conectar fornecedores de produtos amazônicos a compradores árabes.
Vinícius Livinalli, representante da Involve, conta que a empresa já facilitava o acesso de café, açúcar e grãos brasileiros ao mercado árabe. No entanto, surgiu a percepção de que também havia espaço para crescer no Oriente Médio com alimentos saudáveis, produtos com rastreabilidade clara e impacto socioambiental – conceitos que o levaram aos ativos amazônicos.
“Existe muito forte aqui nesse momento a propensão ao consumo de alimentos saudáveis. Havia muitas pessoas obesas, e o governo investiu muito em conscientização de esportes e melhora na alimentação”, disse o executivo, que mora nos Emirados Árabes.
A Involve, então, fez a apresentação da empresa à Jornada Amazônia, que ofereceu um portfólio de startups com esse potencial para exportação. “Em seguida, mergulhamos nas empresas e passamos a entender quais produtos teriam competitividade e viabilidade aqui no mercado árabe”, acrescentou.
A Jornada Amazônia é uma iniciativa voltada ao desenvolvimento de empresas sustentáveis. Atualmente, reúne uma base de cerca de 3 mil integrantes na chamada Comunidade de Talentos.
“Nosso compromisso é com uma floresta viva, competitiva e valorizada. E isso passa, necessariamente, por fazer com que os produtos da floresta ganhem o mundo”, disse a coordenadora executiva da Jornada, Janice Maciel.
O processo junto à Involve Foods teve início em 2024 com uma seleção de 13 possíveis fornecedoras. Até o momento, ao menos cinco empresas fecharam parceria com a Involve e, após superar burocracias de embarque e questões sanitárias, as primeiras amostras de produtos acabam de chegar aos Emirados.
Daí em diante, Livinalli e a equipe da Involve podem avançar com a divulgação dos produtos e busca por distribuidores locais.
Leonardo Giuntini, que também representa a Involve, acrescentou que a companhia não faz a negociação comercial com o cliente final. “Nosso trabalho é encontrar os distribuidores aqui no Oriente Médio e conectar aos fornecedores. A Involve fica apenas com uma participação no valor das vendas efetivamente fechadas, por isso acreditamos em parcerias de longo prazo”, explicou.
Ingredientes vindos da agricultura familiar
A fabricante de suplementos e alimentos funcionais Terramazonia vende itens como açaí em pó no Brasil, pelo varejo e e-commerce, e já embarcou produtos para países como Indonésia, China, Singapura, Chile e Europa, embora nenhum deles mantivesse um fluxo contínuo de importações. A empresa está entre as selecionadas para a empreitada no mundo árabe.
“Foi com a ideia de que precisávamos de um comprador com fluxo contínuo de pedidos que aceitamos firmar a parceria com a Involve Foods e a Jornada Amazônia, para buscar espaço no mercado árabe”, conta Marcelo Clini, CEO da Terramazônia.
A startup utiliza mais de 30 ingredientes amazônicos vindos da agricultura familiar e ribeirinhos no preparo de seu portfólio de produtos fabricados em Manaus (AM).
“Nosso diferencial está em combinar ciência, biodiversidade e impacto social. Trabalhamos com ingredientes únicos, em formulações 100% plant-based, sem aditivos ou conservantes. Além disso, atuamos em parceria com comunidades locais, garantindo impacto positivo e receita recorrente para quem preserva a floresta”, enfatizou Clini. Com este conceito, o faturamento da Terramazonia deve dobrar neste ano, em relação a 2024, para R$ 2,5 milhões.
Chocolates premium de sistemas agroflorestais
Outra parceira da Involve é a Warabu Chocolates, especializada na produção de chocolates premium a partir de cacau cultivado em Sistemas Agroflorestais (SAF). Jorge Neves, fundador da Warabu, ressalta que todo o cacau é colhido de forma sustentável por comunidades ribeirinhas e indígenas.
“A Jornada Amazônia foi fundamental para nos prepararmos, nos ajudou a organizar processos internos, validar modelo de negócio e desenhar estratégias de internacionalização, reduzindo riscos e ampliando nossa confiança na expansão”, afirmou Neves.
A empresa também pretende faturar cerca de R$ 2 milhões em 2025, o dobro do ano passado, exporta para os Estados Unidos e também já embarcou o chocolate para outros países.
“A gente tem a certificação orgânica do Brasil, EUA e Europa. Optamos por entrar nessa possibilidade de Oriente Médio por ter o contato com um parceiro que conhece o setor, a Involve”, acrescentou Linda Gabay, sócia da Warabu.
Para entender o consumidor árabe
Conhecer o comprador árabe é crucial para conseguir expansão naquele mercado. Essa é a visão de Rafael Solimeo, chefe do escritório da Câmara de Comércio Árabe-Brasileira em Dubai, e morador do Oriente Médio desde 1984, que assistiu ao crescimento do Brasil enquanto “marca” na região.
“O Brasil é famoso e reconhecido pelas commodities, mas falta muito para ser famoso por seus produtos de valor agregado. Quando os fornecedores juntam esforços para entender o consumidor árabe, os produtos têm mercado aqui”, disse o executivo.
Segundo Solimeo, um ponto a favor do Brasil é o fato de que diversas personalidades conhecidas mundialmente são ligadas aos esportes. Na visão de muitos árabes, isso remete a um país que tem pessoas saudáveis, imagem que acaba refletindo positivamente sobre os produtos.
*A jornalista viajou a convite do Cubo Itaú