Em um segmento de muitas tradições, novos produtores têm conquistado espaço com criações singulares Em um segmento de muitas tradições, produtores novatos têm conquistado espaço com receitas singulares. Em Toledo (PR), por exemplo, Kennidy Bortoli, pesquisador do parque tecnológico Biopark, criou em laboratório o Passionata, eleito o melhor queijo da América Latina e o nono melhor do mundo no concurso World Cheese Awards (WCA) de 2024.
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“Eu queria que ele fosse uma confusão na cabeça de quem estivesse comendo. No começo você sente um gosto de queijo equilibrado, de textura cremosa. O gosto do maracujá vem na hora de engolir o queijo. O sabor explode na sua boca”, afirma Bortoli, pesquisador do Laboratório de Queijos Finos do Biopark e responsável pelo desenvolvimento da iguaria.
A receita do Passionata leva infusão de maracujá, que é encapsulada com uma tecnologia que libera o sabor quando o queijo se aquece ao passar pela garganta. A produção é com leite pasteurizado, de vacas “felizes”, criadas a pasto e ao som de música clássica. O queijo é maturado por 45 dias.
A produção do Passionata fica a cargo da Queijaria Flor da Terra, do Biopark. A produção é de dois lotes por semana, de 30 peças cada. “Nosso limitante é a maturação, que exige tempo e espaço”, conta Ana Luiza Donaduzzi, gerente comercial e de marketing do Biopark. A Flor da Terra produz nove tipos de queijos.
Em Queluz, na Serra da Mantiqueira, em São Paulo, a Queijaria Santa Vitória nasceu em 2022 para abastecer o hotel-fazenda de mesmo nome e depois ganhou vida própria com criações como queijos maturados na cerveja ou envoltos em flores. Um desses queijos é o Alecrim, que em 2023 recebeu a medalha de ouro no Mondial du Fromage.
“O Alecrim nasceu da vontade de capturarmos o frescor das ervas da fazenda em um queijo. A ideia veio a partir de caminhadas pelo campo”, diz Carlos José de Melo Cunha, sócio da Santa Vitória.
O produto final surgiu após meses de testes com infusões, lavagens e maturações. O Alecrim é um queijo de casca com ervas, de massa firma e fragrância herbal, feito com leite, coalho, fermento e sal. “A família optou por agregar valor ao leite e expressar, com o queijo, a riqueza do território”, afirma Cunha.
Também autora de uma receita singular, a médica veterinária Carolina Vilhena Bittencourt diz ter encontrado sua inspiração em uma viagem pela Itália. “Vi um italiano filando [ato de sovar a massa para deixar o queijo com textura alongada] uma muçarela e decidi que era o que eu queria fazer”, conta ela, dona da Queijaria Belafazenda, de Bofete (SP). Sem queijeiros na família, Carolina fez cursos nos Estados Unidos, no Canadá, na França e Inglaterra e abriu sua queijaria em 2018.
Com inspiração no queijo inglês Stilton, a produtora criou o Azul Britannia, de massa untuosa com mofo azul, o mesmo que dá sabor ao roquefort e ao gorgonzola. O queijo é maturado por 15 dias, até formar casca e mofar. Após essa etapa, as peças são envolvidas em bandagem de algodão e impermeabilizadas com banha suína, o que preserva a umidade por mais uma semana. Por fim, os queijos maturam por até 60 dias em uma sala resfriada a 4 ºC. A produção é de 50 quilos por dia. O Azul Britannia recebeu medalha de ouro no World Cheese Awards de 2023 e super ouro no Mundial do Queijo do Brasil em 2024. Outro de seus queijos a ser premiado foi o Soberano, que recebeu o super ouro no WCA de 2024. De massa semicozida e maturado por seis meses, ele tem inspiração nos queijos de montanha, como o gruyere.
Um ano antes, o super ouro da premiação internacional saiu para o Morro Azul, da marca Queijos Vermont, que pertence à Pomerode Alimentos. A queijaria, de Pomerode (SC), nasceu em 2013 por iniciativa dos irmãos Juliano e Bruno Mendes, também fundadores da cervejaria Eisenbahn, de Blumenau (SC). O grupo paulista Schin comprou a empresa em 2008, e hoje a Eisenbahn faz parte da holandesa Heineken.
Os irmãos ingressaram no ramo com a produção de queijos de tipo europeu, como brie e camembert. “A gente percebeu que o consumidor começou a se interessar mais por queijos brasileiros feitos com receitas únicas, regionais”, relata Juliano.
O primeiro queijo autoral foi o Morro Azul, de mofo branco, com cremosidade muito alta, que é envolvido em uma cinta de carvalho para que a estrutura da peça se mantenha. Ele é maturado por 20 dias, tem sabor amanteigado e um aroma que lembra cogumelos. A queijaria produz 8 toneladas de produtos por mês. Há outros queijos no portfólio, como o Vale do Testo e o Brebis de Pomerode, ambos medalha de prata no WCA.
Premiações internacionais
Anderson Aguiar, sommelier e especialista em queijos do Grupo Pão de Açúcar, diz que as premiações internacionais mudaram o status do queijo artesanal brasileiro. “Nos últimos dez anos, a gente vem passando por constantes transformações e melhoramento de toda a cadeia. Temos um terroir totalmente diferente, mesmo que muitas vezes as fazendas estejam uma do lado da outra”, afirma ele.
Para harmonização, Aguiar cita como principal dica a “Santíssima Trindade Gastronômica”: queijo, pão e vinho. “Hoje, é muito mais simples harmonizar. Fazer uma harmonização por semelhança, por contraste. Um contraste de cremosidade contra acidez, um equilíbrio. Espumante, a gente usa como coringa para parmesão, queijos duros, queijos mais untuosos, porque ele limpa o paladar, dá uma sensação mais leve. O brasileiro ama vinho tinto, cabernet, um vinho mais redondo. Harmonizações existem de monte. E eu sempre dou uma dica: testa, vai degustando”, diz o especialista.