Das roças tecnificadas da família Monteiro, em Presidente Prudente, no oeste paulista, saem semanalmente para a Holanda cerca de 4.500 caixas de 10 kg de batata-doce, alimento que mudou seu padrão de consumo no Brasil e no mundo depois de ganhar status de super saudável há cerca de uma década.
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Luiz Rocha e Elio Francelino Portella também são grandes produtores da região que investiram em tecnologia para aumentar a produtividade, “surfam” na onda fitness da batata-doce e exportam, mas o foco deles é o mercado interno.
A região é a maior produtora de São Paulo, com mais de 50%. No ano passado, colheu 92.588 toneladas das 184.970 toneladas do Estado, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Presidente Prudente só perdeu em volume para a região da Serra da Ibiapaba, no Ceará, que fechou com a produção de 171.476 das 182.133 toneladas colhidas no Estado.
O ano de 2024 marcou a virada paulista sobre os cearenses, que vinham dominando o ranking nacional. O Rio Grande do Sul, que já foi o maior produtor, vem em terceiro lugar, com 140.390 toneladas.
A área plantada no país cresceu 62,5% desde 2014, atingindo 65.646 hectares no ano passado, mas a produção nacional quase dobrou no período, fechando em 2024 com 907.050 toneladas.
Os irmãos Nelson e Celso Monteiro, curiosamente casados com duas irmãs – Ivanete e Madalena – , são pioneiros em Presidente Prudente, região historicamente ligada à criação de gado. Eles cultivam cerca de 400 hectares de batata-doce junto com as mulheres, filhos e sobrinhos.
Nelson conta que seus pais eram produtores de algodão, amendoim e café. Ele começou na batata em 1982, aos 18 anos, quando se instalou no município uma unidade do Ceagesp. Na época, a região era muito pobre e totalmente voltada para a criação de gado.
“Era uma cultura muito trabalhosa, faltavam mudas de qualidade e todo o trabalho era manual. A batata-doce levava vantagem sobre outras hortaliças por ser mais rústica, resistente, mas só pegou força na região mesmo a partir de 2010.”
Com investimento em plantio mecanizado, colheita semimecanizada, irrigação em metade das áreas, rotação de culturas, uso de cultivares mais produtivas e de mudas processadas em laboratório, atualmente, os Monteiro alcançam uma produtividade média na roça de 1.000 caixas (ou 25 toneladas) por hectare e estão entre os maiores produtores do país da hortaliça.
“Eu e meu irmão não estudamos muito, mas os nossos filhos cursaram faculdade graças à batata-doce e hoje todos ajudam no negócio”, diz Nelson, que é o presidente da Associação dos Produtores de Batata-Doce de Presidente Prudente e Região, que tem cerca de 200 agricultores cadastrados e deve se tornar nos próximos meses a primeira região com IG (Identificação Geográfica) do país em batata-doce.
Quase toda a batata-doce de mesa produzida nas várias áreas arrendadas pela família em um raio de 80 quilômetros de Presidente Prudente é exportada para a Holanda desde 2015, graças à certificação internacional da Global GAP. Os tubérculos são classificados em quatro tamanhos, de 100 gramas a 800 gramas, e alcançam até o dobro do preço do produto vendido no Brasil.
Só ficam no mercado interno as batatas que não têm qualidade para exportação, ou seja, têm defeitos na casca, tamanho ou forma muito irregular.
Toda a produção é lavada, classificada e acondicionada em caixas de 10 quilos no packing house da família, onde trabalham 15 funcionários. No plantio e na colheita, atuam mais 45 empregados.
As mudas, feitas com os ponteiros das ramas, são preparadas em laboratório para voltarem ao campo sem os vírus que se acumulam na planta. Anualmente, os Monteiro compram 2 hectares de mudas sem vírus para multiplicar no campo e fazer a distribuição em todas as áreas. O plantio e a colheita, feita após 120 dias ou 180 dias, dependendo do clima, ocorrem todas as semanas e cada área recebe a batata-doce por no máximo dois anos seguidos.
“Somos formadores de capim para os pecuaristas da região. Plantamos batata para eles a troco da grama”, brinca Nelson, se referindo às áreas arrendadas dos pecuaristas, que recebem o pasto recuperado depois de dois anos de plantio de batata. A família também cria gado de corte e investe na piscicultura.
Elio Portella plantava algodão, feijão e mandioca, antes de ser “seduzido” pela batata-doce
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Viveiro
Elio Portella conta que plantava algodão, feijão e mandioca, antes de ser “seduzido” pela batata-doce em 1988.
“A batata-doce é uma cultura rústica. Eu produzo de 1.000 a 1.200 caixas por hectare, mas se faltar chuva pode cair para 500 caixas por hectare. Ou seja, produz menos quando o clima não ajuda, mas não é como outras culturas que você pode perder todo investimento.”
Com 200 hectares de plantio próprio em Tarabai e mais 200 hectares de parceiros da região, o tubérculo é hoje o carro-chefe da produção rural de Elio, que cultiva também soja e milho com parceiros.
Neste ano, ele diversificou os negócios: investiu R$ 300 mil na implantação de um viveiro em Anhumas que terá capacidade de produzir 100 mil mudas de batata-doce por mês de variedades comerciais e particulares para atender produtores de toda a região. “São mudas saudáveis, livres de vírus e doenças e prontas para o plantio.”
Metade da produção de Elio é irrigada com pivô e autopropelido. Ele está comprando mais dois pivôs para aumentar a irrigação que, diz, dobra a produtividade da lavoura.
Por meio de uma trading, o produtor exporta uma parte da sua batata-doce para vários países, mas o maior volume é entregue em caminhões próprios no Mato Grosso, Rondônia, Minas, Goiás, São Paulo e na Região Nordeste.
Segundo ele, a oscilação de preços no ano é muito grande. Há duas semanas, a caixa de 25 kg na roça chegou a custar R$ 80, um preço recorde, porque a oferta caiu devido a uma estiagem de quatro meses na região.
“A média de preços da caixa é de R$ 50 e não tem sobra, mas quando o preço cai para R$ 20 ou até R$ 15 sobra batata na roça porque não compensa colher. O ‘filé’ para o mercado é a batata de 300 a 600 gramas, com casca bonita e boa qualidade. Se tiver mais de 600 gramas, vai para a indústria.”
Com três packing houses para beneficiamento da batata-doce, máquinas para plantio em áreas planas e para colheita semimecanizada, Elio emprega 120 funcionários, entre pessoal do armazém, lavoura e motoristas para os 20 caminhões da sua frota.
Luiz Rocha cultiva batata-doce em em Pirapozinho (SP)
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Várias cores
Luiz Rocha, que cultiva de 150 a 180 hectares em Pirapozinho, iniciou na batata-doce em 1986, depois de dividir a terra herdada dos pais com os irmãos. Antes, ele tinha o tomate como carro-chefe, mas a partir de 1992 focou apenas na batata-doce e hoje atende no atacado clientes de norte a sul do Brasil.
“A cultura tem seus altos e baixos, mas minha renda equilibra porque eu planto o ano todo”, diz o produtor que cultiva na maior parte da área a batata-doce mais comum, a de casca roxa com polpa clara, mas investe também no plantio em 5% da área de quatro variedades de outras cores de casca e polpa para atender nichos de mercado.
Uma pequena parte da produção geralmente é exportada no segundo semestre, via trading, para a Holanda, mas neste ano Luiz ainda não embarcou nenhum contêiner. Ele também não usou a irrigação por conta do preço do diesel que abastece as motobombas. O plantio em suas áreas é todo manual, mas a colheita é semimecanizada.
O produtor diz que compra as mudas de laboratórios e viveiros credenciados e multiplica para usar em até cinco “tombos” (plantios) sem perder produtividade. Ele reclama que faltam defensivos registrados para a batata, mas conta que há dois anos passou a usar também produtos biológicos e adubação organomineral. Com o manejo diferenciado, consegue plantar até três anos seguidos na mesma terra antes de devolver a área como pasto para a criação de gado.
No ano passado, Luiz diz que o preço da batata-doce ficou dez meses abaixo do custo de produção, estimado em R$ 19 por caixa, mas o valor melhorou neste ano, especialmente em meses com menos oferta por conta da estiagem.
A região quente de Presidente Prudente (SP) se tornou um importante polo de batata-doce
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Vantagens
Segundo Larissa Pereira de Castro Vendrame, pesquisadora da Embrapa Hortaliças, a região quente de Presidente Prudente se tornou um importante polo de batata-doce devido ao seu solo arenoso e clima favorável, com até 14 horas de sol e sem geadas fortes, já que a cultura não suporta o frio.
Ela diz que a produtividade, que era de 13 de toneladas por hectare no país há dez anos, vem aumentando, mas tem quedas causadas pelo clima como no ano passado, quando fechou com 14,9 toneladas por hectare por influência de veranico mais intenso. Em 2023, a produtividade foi de 15,3 toneladas por hectare. A irrigação, que aumenta a produtividade, não alcança 10% das lavouras.
A maior parte da produção fica no país, mas a exportação tem avançado. No ano passado, foram embarcadas 16.909 toneladas e neste ano, até outubro, 11.297 toneladas. Os destinos principais são a Argentina (que compra na sua entressafra), Holanda, Reino Unido, Canadá, Paraguai e Uruguai.
A variedade mais plantada no país era a canadense, uma batata desenvolvida na África do Sul e trazida pela Embrapa que é mais resistente e precoce, mas não é muito saborosa. Foi substituída pela mineirinha.
Larissa, que levou o 5º Simpósio Brasileiro de Batata-Doce neste ano para a Serra da Ibiapaba, no Ceará, diz que o programa de melhoramento da cultura é muito novo no país, mas a Embrapa já lançou uma série de variedades coloridas para atender o mercado de chips, com resistência maior a nematóides, uma das pragas da cultura, e está preparando o lançamento de mais duas cultivares.
Quem também tem investido no melhoramento da batata-doce é a Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios (Apta), Regional de Presidente Prudente, ligada ao Instituto Agronômico (IAC), órgão do governo paulista.
Amarilis Beraldo Ros, pesquisadora da Apta Regional, destaca o lançamento no ano passado da IAC Clara, desenvolvida há quatro anos, que é mais rica em magnésio e fósforo e tem um potencial produtivo maior que a canadense e a mineirinha, com 40 toneladas de batata por hectare de valor comercial.
O instituto, diz Amarilis, está testando outros 40 materiais com cores de casca e polpa diferentes, buscando variedades mais resistentes ao calor, mais produtivas e com padrão de tamanho e forma.