Fazenda em São Mateus (ES) é referência nacional no cultivo da pimenta que não é apenas um condimento Na década de 1980, o produtor rural Dari Martin e seu filho Paulo César Machado, de São Mateus (ES), receberam de amigos que vieram da Europa um vidrinho com frutos pequenos rosados, avermelhados e perfumados que se pareciam com os frutos de uma árvore dos mangues capixabas que era considerada uma praga.
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No Brasil só se usava a casca e a folha dessa árvore como medicinais. Pai e filho começaram então a extrair os frutos da árvore nativa chamada aroeira (Schinus terebinthifolius) e produziram os primeiros 30 quilos de pimenta-rosa no Espírito Santo, abrindo comércio para um produto que serve como especiaria e condimento, mas também tem outro uso de alto valor agregado.
É nesse uso de maior valor agregado que entra Ana Paula Martin Machado, terceira geração de produtores rurais da família, que se tornou fornecedora exclusiva da pimenta-rosa para a formulação de dois perfumes exclusivos da Natura. A empresa de cosméticos importava a pimenta-rosa de Madagascar, ilha na costa sudeste da África, para onde a aroeira, árvore nativa da América do Sul, foi levada e se tornou referência mundial em qualidade e exportação, com preços até seis vezes maior que o da pimenta nacional no mercado internacional.
Ana Paula Martin Machado se tornou fornecedora exclusiva da pimenta-rosa para a Natura
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“A Fazenda Lagoa Seca, representada pela Ana Paula, é nossa única fornecedora de frutos de pimenta-rosa do Brasil. Iniciamos nossa parceria em 2020, focando em aprimorar o processo produtivo, especialmente nas etapas de secagem e limpeza pós-colheita. Essas melhorias foram cruciais para elevar a qualidade e adequar o ingrediente ao uso olfativo, expandindo sua aplicação para além do uso culinário predominante na cadeia original”, diz Rômulo Zamberlan, diretor de pesquisa avançada na Natura.
Ana Paula enviou o primeiro lote para a Natura em setembro do ano passado. A pimenta-rosa nacional passou a ser incorporada no perfume Essencial Atrai feminino, lançado no último Dia das Mães. A versão do perfume masculino foi disponibilizada para o Dia dos Namorados.
“A partir do momento que uma nova cadeia produtiva é estabelecida garantindo os critérios de qualidade, preço justo e sustentabilidade, o ingrediente passa a ficar disponível na paleta da perfumaria Natura, sendo uma opção para novos desenvolvimentos”, explica Zamberlan. A empresa e Ana Paula não informam os volumes ou valores do contrato.
A Natura, que importava a pimenta-rosa de Madagascar, passou a comprar o fruto no Brasil para formulação de perfumes
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A produtora capixaba conta que deixou a indústria e assumiu a fazenda do pai em 2012. Quatro anos depois, fez seu primeiro plantio de pimenta-rosa com o espaçamento correto, adotou técnicas de poda e proteção da lavoura, adaptou uma máquina de café para a colheita e se tornou referência nacional no cultivo da especiaria, que passou a ter Identificação Geográfica (IG) em 2023.
“Eu divulgava muito a cultura via Instagram e a Natura já fazia pesquisa para comprar a pimenta do Brasil e não mais de Madagascar. Eles fizeram contato comigo em 2021 e no ano seguinte acompanharam toda a colheita na fazenda. De 2022 para 2023, no entanto, houve um excesso de chuva em São Mateus e 60% da minha plantação ficou sob água durante um ano…”
Com a produção recuperada, Ana Paula tem atualmente 2.500 aroeiras que produzem 6 mil kg de pimenta-rosa por ano. A árvore floresce em fevereiro e os frutos são colhidos manualmente no final de maio ou início de junho. O produto maduro é processado em uma agroindústria dentro da própria fazenda antes de ser enviado como essência para a Natura.
Além da parte que vai para a empresa de cosméticos, Ana Paula vende a pimenta-rosa no mercado interno para uma fábrica de cervejas e também exporta. A pimenta é um dos carros-chefe da Lagoa Seca, que produz também pimenta jamaica, macadâmia, mamão e café.
O Espírito Santo é o maior produtor e exportador de pimenta-rosa do Brasil. Segundo o Instituto Capixaba de Pesquisa, Assistência Técnica e Extensão Rural (Incaper), o Estado colhe aproximadamente 4 mil toneladas, das quais 1.200 toneladas são embarcadas após beneficiamento. Desde 2023, São Mateus, polo da produção, é palco de um festival anual de pimenta-rosa, que debate os avanços e desafios da cultura.
O Espírito Santo é o maior produtor e exportador de pimenta-rosa do Brasil
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Assistência técnica
Durante todo o processo de certificação como fornecedora da Natura, Ana Paula teve assistência técnica do Instituto Capixaba de Pesquisa, Assistência Técnica e Extensão Rural (Incaper).
“Essa parceria da Ana Paula com a Natura é um grande marco para a cadeia da pimenta-rosa do Espírito Santo e também para o trabalho técnico que temos desenvolvido ao longo dos anos. É uma conquista que envolve ciência, extensão rural e o protagonismo de uma produtora comprometida com a qualidade”, disse Fabiana Ruas, extensionista do Incaper que coordenou a emissão dos laudos que atestam a excelência da matéria-prima capixaba.
No ano passado, Fabiana e pesquisadores da instituição fizeram uma excursão técnica a Madagascar para conhecer práticas que podem agregar valor e ampliar a competitividade da especiaria capixaba no mercado internacional.