O anúncio da imposição de tarifas de 50% sobre produtos brasileiros exportados aos Estados Unidos a partir de 1º de agosto é um balde de água fria sobre o setor de pescados e frustra especialmente a produção de tilápia, que cresceu 14,3% em 2024 na comparação com 2023.
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A análise é do professor do Instituto de Oceanografia da Universidade Federal do Rio Grande (FURG) e membro da rede de pesquisadores do Instituto Nacional de Pesquisas Oceânicas (INPO) Ronaldo Cavalli, que defende como alternativa o fortalecimento do mercado interno.
“Mas essa é uma alternativa. A solução mesmo é não ter a taxa, é negociar”, disse ao Valor.
Segundo Cavalli, o redirecionamento para o mercado interno pode ser uma estratégia para os produtores de tilápia. Em 2024, a produção do pescado no Brasil alcançou 662.230 toneladas. Desse total, cerca de 14 mil toneladas foram exportadas, afirma o professor da FURG.
“É uma exportação bem pequena e não é difícil direcionar essa parcela para o mercado interno”, afirmou.
O professor chama atenção para a experiência com o camarão, que até o início dos anos 2000 era vendido para o exterior e hoje é consumido essencialmente pelo mercado brasileiro. A mudança teve como contexto a cobrança de uma tarifa antidumping pelos Estados Unidos, a partir de 2005, após pescadores de camarão americanos acusarem produtores de seis países, entre eles o Brasil, de vender os produtos no exterior com um preço abaixo do custo interno.
Ele ressalta, porém, que a exportação de tilápia tem crescido nos últimos anos e que as tarifas anunciadas por Trump podem representar uma ‘marcha ré’ na produção brasileira.
O professor acrescenta que o setor está estremecido não só pelo tarifaço do presidente americano, mas também pela recente abertura do mercado brasileiro às exportações de tilápia do Vietnã após um acordo entre os dois países.
“Vamos ter que aguardar um tempo para ver como o mercado reage. A tendência é negociar. Se não houver nenhum tipo de negócio, o Brasil vai ter que fazer a abertura para outros mercados ou vender no mercado interno a um preço mais baixo”, observa.
O pesquisador aponta que o grande problema não é a perda momentânea das exportações, mas a reversão de uma perspectiva de continuidade de crescimento.
“Não é nem puxar freio de mão, é engatar uma marcha ré no negócio. A tilápia é hoje a menina dos olhos da aquicultura do Brasil e o grande problema é perder esse mercado crescente de exportação, que é muito mais interessante porque paga melhor”, afirma.
O mercado americano representa 80% das exportações brasileiras de pescados, com uma receita de US$ 244 milhões, segundo a Associação Brasileira das Indústrias de Pescados (Abipesca). No caso de lagosta, pargo e atum, praticamente 100% da produção é destinada à exportação e os Estados Unidos são o maior destino.
“Para a lagosta e o pargo, ambos produzidos para exportação, não teria condição de fazer a mesma coisa [fortalecer o mercado interno]. São produtos diferentes e para nichos de mercados diferentes”, salienta o professor.
Nesse sentido, a assinatura de um acordo entre Mercosul e União Europeia pode abrir ‘uma gama’ de perspectivas, segundo Cavalli. As exportações de pescado do Brasil para a União Europeia e o Reino Unido estão suspensas desde 2018 devido a alegações de problemas no controle sanitário brasileiro.