Há um clima de incerteza sobre os efeitos das suspensões de exportações, afirma executivo O produto interno bruto (PIB) e a balança comercial do Brasil não devem ser tão afetados pelos efeitos colaterais do primeiro caso registrado, até o momento, de gripe aviária em plantel comercial, avalia Nelson Rocha Augusto, diretor-presidente e economista-chefe do Banco Ribeirão Preto (BRP), instituição que tem mais de 60% da carteira ligada a diferentes setores da agricultura e pecuária.
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Na última sexta-feira (16/5), o Ministério da Agricultura e Pecuária confirmou a presença do vírus da influenza aviária de alta patogenicidade , conhecido como gripe aviária, em uma granja de Montenegro, no Rio Grande do Sul, o que tem criado um ambiente de incertezas econômicas dentro e fora do agro.
Primeiramente, o economista destaca que as consequências vão depender do espalhamento do vírus nas granjas do país, o que ainda tem sido aferido pelas autoridades sanitárias. “Como economista, eu tenho que lidar com a possibilidade de um alastramento maior do que o esperado, mesmo com todas as medidas de segurança (…) Ficar circunscrito só onde está me parece pouco provável”, afirma em entrevista ao Valor.
Para o setor, o presidente do BRP aponta que o abatimento de matrizes (aves geradoras) é o que causa maior preocupação, sendo um indicativo do quão difícil e lenta será a recuperação dos produtores afetados.
“O que mais me preocupa são as matrizes (…) Se você não tiver mais galinhas, tiver que matar as matrizes, é muito complicado, porque é uma matriz geneticamente muito trabalhada há muito tempo. Não se repõe isso da noite para o dia, os cruzamentos genéticos que tem que fazer”, alerta.
No entanto, o executivo pondera que os planos de contingência das granjas são robustos e devem funcionar mesmo em uma situação de maior alastramento da doença. O anúncio da doença contagiosa no estabelecimento comercial com mais de 17 mil aves matrizes já causou o isolamento da área, para dar início ao protocolo sanitário, e a declaração de estado de emergência zoossanitária no município gaúcho por 60 dias.
Nesta segunda-feira (19/5), o secretário de Defesa Agropecuária do Ministério da Agricultura, Carlos Goulart, disse que três casos suspeitos de gripe aviária que estavam em análise deram negativo. Foram descartados, até o momento, apenas casos suspeitos em aves de subsistência em Nova Brasilândia (MT), Grancho Cardoso (SE) e Triunfo (RS). Seguem em análise os casos em criação comercial em Ipumirim (SC) e Aguiarnópolis (TO), e de outra criação de subsistência em Salitre (CE).
PIB e balança comercial devem resistir
Para além dos impactos setoriais, há um clima de incerteza sobre os efeitos das suspensões de exportações. Hoje, o Brasil é o maior exportador de frango do mundo, com 35,3% da produção destinada ao mercado externo, o que rendeu quase US$ 10 bilhões em receita anual (desconsiderando ovos e material genético) em 2024, de acordo com dados da Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA).
Segundo um levantamento preliminar do governo, ao todo, 33 países pararam de receber exportações da ave, além de Hong Kong e as nações que compõem a União Europeia. Vale lembrar que alguns bloqueios valem para a produção do setor em todo o país e outros são mais localizados no Estado ou município afetados.
Apesar da grande extensão dos bloqueios, o presidente do BRP avalia que o impacto no PIB e na balança comercial devem ser mínimos. “Ainda não é nada muito catastrófico. Eu digo com clareza, não vai fazer nem cosquinha no PIB. É uma questão setorial e esse segmento [avicultura] vai ter problemas. Agora, o PIB não. Mexe na terceira casa depois da vírgula. Não é relevante para o PIB”, avalia.
A respeito da balança comercial, o executivo aposta na sólida estrutura de vigilância sanitária e contingência do Brasil, e avalia que o resto da cadeia, que não for afetada em outros Estados, deve absorver a demanda que vai deixar de ser atendida com as suspensões. “O Brasil tem uma diplomacia muito boa e interessa a esses países não correr risco, mas também interessa voltar a comprar.”
“Para a balança comercial brasileira como um todo, não é nada muito significativo. Claro que ninguém quer perder nenhum dólar de exportação, mas quando você olha a exportação de petróleo, de minério, e de outras coisas que a gente faz, como café, soja, e até mesmo o boi, que que tem tido um crescimento muito grande, observa-se que não vamos ter um problema na balança comercial”, afirma.
A indústria brasileira não faz previsões sobre quanto o segmento deixará de exportar, mas uma fonte do governo estima que o número pode ser de US$ 250 milhões por mês, conforme noticiou a Globo Rural. Fábio Silveira, economista da MacroSector, acredita que o número alcance US$ 1 bilhão no prazo de até 12 meses.
O governo brasileiro já está em contato com importadores para tentar diminuir o impacto do caso sanitário nas exportações. Na manhã desta segunda, técnicos do Ministério da Agricultura conversaram com autoridades da África do Sul. O objetivo é que as restrições que atingem todo o país sejam limitadas ao Rio Grande do Sul ou ao município afetado.
Preço do frango deve cair e suinocultura pode se beneficiar
Com as exportações suspensas sendo direcionadas para o mercado interno, Nelson Rocha Augusto avalia que o preço do frango pode cair no curto prazo. No entanto, o executivo ressalta que as baixas podem ser mais leves do que o esperado, a partir de um controle mais racional do estoque dos grandes frigoríficos.
“Não acredito que a queda [do preço] vá ser muito grande, porque esses grandes frigoríficos de aves têm estrutura de capital e capacidade de armazenagem bastante significativa, inclusive para abater e congelar (…) Cientes disso, quem está formando preço conhece essa estratégia, vai medir isso significativamente e armazenar. Eles têm estrutura de armazenamento para isso, seja para exportar, seja para o mercado interno.”, explica.
O presidente do BRP ainda releva que, caso a situação perdure por mais tempo e os focos da gripe aviária se multipliquem, o preço pode disparar a partir de uma falta de proteína disponível. “Se depois matarem mais matrizes ou o problema se alastrar mais, aí teremos um problema de oferta, o que desemboca em aumento do preço.”
Por outro lado, o executivo também observa que a suspensão temporária das exportações pode impulsionar outro segmento da pecuária, a suinocultura. Isso porque a atividade também tem um ciclo relativamente rápido e pode substituir parte da proteína que os países deixaram de comprar do Brasil.
“A China, por exemplo, parou de comprar frango e, provavelmente, vai comprar um pouco mais de boi e vai comprar um pouco mais de suíno. Ela não tem proteína suficiente para atender a necessidade dela. Tem uma certa carência de oferta de proteína no mundo desde o início da gripe aviária. Primeiro nos Estados Unidos, em parte da Ásia, e depois com toda a questão da crise suína, que mudou completamente a forma de produzir os suínos na China”, diz.
Nesse sentido, ele avalia que o Brasil ainda é relativamente pequeno na suinocultura, mesmo sendo o quarto maior produtor e exportador mundial (segundo a ABPA), e poderia se beneficiar dessa tendência para ampliar a produção e os mercados ao redor do globo.