
Setores exportadores se dizem pegos de surpresa e acreditam em impacto nas vendas para o mercado americano Decisão que foge da lógica, ultrapassa todos os limites, pior do que os mais pessimistas poderiam imaginar e atípica na diplomacia. Essas foram algumas das expressões usadas por especialistas para descrever o anúncio de uma sobretaxa de 50% dos Estados Unidos para importações do Brasil.
Estudiosos ouvidos pelo Valor se mostraram surpresos com a magnitude da tarifa adicional imposta e foram unânimes ao apontar a motivação é política, sem justificativas econômicas. O Brasil é deficitário no comércio com os Estados Unidos, ou seja, compra mais do que vende para o país comandado por Trump.
“O Brasil é um tiro fácil para ser um exemplo para o mundo do que os EUA podem fazer”, afirmou Lívio Ribeiro, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre). O país é ao mesmo tempo “irrelevante na pauta comercial americana, mas relevante do ponto de vista geopolítico.” Na sua visão, o Brasil “é um ótimo bode expiatório” e “um instrumento” para apontar até onde os EUA vão para defender seus interesses.
“Parece uma reação política. Foge da lógica”, disse Sandra Rios, diretora do Centro de Estudos de Integração e Desenvolvimento (Cindes) e senior fellow do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri). Para ela, a carta enviada por Trump ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) é “bem confusa” ao misturar questões de ordem política, como o tratamento dado ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e decisões do STF contra empresas de mídia com a elevação de tarifas e medidas não tarifárias para o Brasil.
A especialista apontou erros na redação do texto, como a parte em que Trump diz que as tarifas são necessárias para corrigir os “muitos anos” de tarifas e barreiras tarifárias e não tarifárias do Brasil. Segundo Trump, as tarifas causaram “déficits comerciais insustentáveis” aos Estados Unidos. Os EUA têm superávit comercial como Brasil, Em 2024 foi de US$ 284 milhões. No primeiro semestre deste ano cresceu e chegou a US$ 1,67 bilhão.
Diante de uma motivação política, os riscos são ainda maiores para o Brasil porque não se sabe o que pode ser preciso para o recuo da medida. “A margem de negociação é muito mais delicada porque não tem muito como jogar com temas e questões econômicas”, afirmou Lia Valls, chefe do departamento de análise econômica da UERJ e pesquisadora associada do FGV Ibre.
Lívio Ribeiro lembrou a crise diplomática entre Colômbia e Estados Unidos, após Bogotá se recusar a receber aviões militares dos EUA com refugiados colombianos. O governo americano ameaçou com tarifas e só voltou atrás depois de a Colômbia receber os refugiados. Qual será a condição para a revogação das tarifas para o Brasil? Não se sabe o que esperar”, afirmou Ribeiro.
O presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro, afirmou que a sobretaxa é pior do que os mais pessimistas esperavam: “A tarifa ultrapassou todos os limites.”
Qual será a condição para a revogação das tarifas para o Brasil? Não se sabe o que esperar”
Com décadas de experiência em comércio exterior, Castro se mostra preocupado com o efeito da decisão do presidente Donald Trump na imagem do Brasil no mercado internacional. Uma tarifa nessa dimensão e adotada dessa forma brusca, segundo ele, pode sinalizar para outros países que o “Brasil cometeu erro grave”. “É uma decisão tão drástica que afeta a imagem do Brasil no mundo. Países que não acompanham o contexto podem avaliar que um aumento tão grande de tarifa teria ocorrido porque o Brasil cometeu um erro grave”, disse.
Preocupação profunda
Em nota, a Câmara de Comércio Brasil-Estados Unidos (Amcham Brasil) manifestou “profunda preocupação” com a decisão. “Trata-se de uma medida com potencial para causar impactos severos sobre empregos, produção, investimentos e cadeias produtivas integradas entre os dois países”, diz o texto.
A Amcham afirma que a relação bilateral entre Brasil e EUA sempre se pautou pelo respeito, pela confiança mútua e pelo compromisso com o crescimento conjunto e que o comércio de bens e serviços entre as duas nações é fortemente complementar e tem gerado benefícios concretos para ambos os lados, sendo superavitário para os EUA.
O tarifaço traz implicações econômicas e políticas, segundo o ex-secretário de Comércio Exterior do Brasil e sócio da consultoria BMJ, Welber Barral. No aspecto político, o maior dano será para a imagem do ex-presidente Jair Bolsonaro, que será vinculado às eventuais consequências à economia brasileira, acredita Barral. Além disso, o especialista prevê que a interferência de Donald Trump em assuntos internos do Brasil via comércio pode causar um endurecimento no tratamento do Judiciário brasileiro contra o grupo político de Bolsonaro e as grandes empresas de tecnologia americanos. Barral, contudo, pontua que o Judiciário brasileiro é independente e não tomará ações a pedido do governo, mas sim por convicções próprias.
Setores prejudicados
Na área econômica, Barral aponta que haverá danos diretos para setores específicos, como produtores de aço e metal do Brasil, e indústrias americanas com cadeias integradas ao Brasil, como a automotiva, de tratores e equipamentos, também devem sofrer impacto imediato a partir da aplicação das tarifas.
No contexto geopolítico, Barral prevê um “reforço ao discurso Sul-Sul, com crescentes críticas à imprevisibilidade dos EUA, buscando uma mudança eleitoral, a exemplo do Canadá”.
Para o ex-secretário de Comércio Exterior do Brasil, a resposta mais provável do governo brasileiro deve ser insistir na negociação diplomática, mas ele vê grandes chances de essa iniciativa ser irrelevante no objetivo de reverter as tarifas. Uma reação pragmática e provável, para Barral, é buscar mercados alternativos sem fazer alardes, o que seria mais eficiente no longo prazo.
Caso decida responder com a estratégia de também causar danos aos EUA, a reação possível seria aplicar lei de reciprocidade contra propriedade intelectual e serviços dos EUA. “É improvável, mas seria única medida que incomodaria os EUA”, diz Barral.
Uma reação pragmática e provável é buscar mercados alternativos sem fazer alardes”
Para o professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo Jorge Amâncio Oliveira, a “declaração deixa nítido um elemento de assuntos políticos domésticos vinculados à retaliação comercial, e isso é algo muito atípico na diplomacia.”
As razões mais políticas do que técnicas por trás da decisão demandam “mais do que nunca os diplomatas entrem em ação”, defende Castro: “O abacaxi está na mão do Itamaraty.” Sua análise é de que ainda haverá muita negociação até a medida entrar em vigor, em 1º de agosto, e a sobretaxa pode ficar menor.
Surpresa geral
A nova tarifa pegou de surpresa setores importantes da indústria nacional. Mesmo quem avalia não sofrer impactos diretos sobre suas atividades, teme os efeitos secundários sobre o conjunto da economia e as consequências das possíveis retaliações que o governo Lula possa adotar.
Para o presidente executivo do Instituto Aço Brasil, Marco Polo de Mello Lopes, a decisão de Trump tem caráter político e pode prejudicar o andamento das tratativas entre os dois países em torno da reciprocidade tarifária. “Esse acirramento foi uma decisão política. Acaba por prejudicar o que estava sendo encaminhado na discussão da renovação do acordo iniciado em 2018, quando Trump também aplicou uma taxa de 25% sobre o aço”, afirmou.
Segundo Lopes, existem atualmente duas vertentes de negociação entre Brasil e Estados Unidos: uma relacionada a produtos de aço e alumínio, e outra voltada à reciprocidade tarifária de forma mais ampla. “No nosso entendimento, essa nova medida diz respeito à reciprocidade tarifária. Para o aço, especificamente, a tarifa de 50% já estava em vigor, então, na prática, não muda. Não acreditamos que seja uma tarifação cumulativa”, disse.
O presidente do conselho da Associação Brasileira da Indústria do Plástico (Abiplast), José Ricardo Roriz Coelho, defende que o Brasil avance em uma estratégia comercial pragmática e neutra em meio ao protecionismo global. Roriz alerta que esse tipo de embate prejudica a competitividade internacional. Ele destaca que o plástico está relacionado a uma parcela expressiva do PIB brasileiro. Quando se exportam produtos, exportam-se também conteúdos e valor agregado, o que representa impactos significativos.
Já para os fabricantes de calçados, o impacto tende a ser bem maior. Os Estados Unidos são o principal mercado consumidor dos calçados brasileiros e contribuíram para a alta de 24,5% das exportações brasileiras em junho. A nova tarifa é um “balde de água fria”, na avaliação da Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados). O presidente-executivo da Abicalçados, Haroldo Ferreira, destacou que os Estados Unidos mantêm um superávit na balança comercial com o Brasil, o que não justifica a medida. Entre janeiro e junho, as exportações para os Estados Unidos somaram US$ 111,8 milhões, alta de 7,2%. O volume foi de 5,8 milhões de pares negociados, o que representa alta de 13,5% no comparativo anual.
A indústria farmacêutica não é impactada diretamente pela nova tarifa, de acordo com o Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos (Sindusfarma). Mas pode haver repercussões negativas, dependendo da reação do governo brasileiro à medida. O presidente executivo da entidade, Nelson Mussolini, afirma que o Brasil não é exportador de medicamentos para os Estados Unidos. Há risco, porém, de encarecimento de medicamentos de alta complexidade se o governo brasileiro impuser tarifas recíprocas.
O setor de equipamentos deve sofrer impactos das tarifas impostas pelos EUA, país que mais importa produtos da indústria elétrica e eletrônica brasileira. Entre janeiro e março, o Brasil exportou US$ 521 milhões em produtos para os EUA, segundo dados Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee). As vendas para o mercado americano cresceram 20,4% no primeiro trimestre de 2025 em relação a igual período de 2024.Os ministros dos Transportes, Renan Filho, e de Portos e Aeroportos, Silvio Costa Filho, defenderam nesta quarta-feira (9), em evento promovido pelo Valor, um compromisso de longo prazo do governo federal para fortalecer a infraestrutura do país. Os titulares das duas pastas enfatizaram a importância de se estabelecer uma agenda de logística como forma de promover o desenvolvimento econômico nacional.
Renan Filho informou que o governo tem a expectativa de realizar 35 novos leilões de rodovias até o fim de 2026. Costa Filho anunciou, por sua vez, que pretende apresentar, em agosto, uma agenda logística e de planejamento estratégico para os próximos cinco anos no Brasil. Segundo ele, independentemente de quem seja o presidente ou o ministro responsável pela pasta, é preciso sinalizar uma agenda logística para o país.
As declarações foram dadas no evento “Logística no Brasil”, realizado nesta quarta-feira, em Brasília, promovido pelo Valor, com oferecimento da Infra S. A. e do Ministério dos Transportes, em Brasília. Foi primeiro de uma série de encontros em diversas capitais do Brasil para discutir, de forma regionalizada, os principais temas relacionados ao cenário de logística e infraestrutura do país.
ministro dos Transportes afirmou que há quatros principais desafios na infraestrutura brasileira. Citou a construção de um plano nacional para o desenvolvimento logístico que dialogue com a realidade do país. Mencionou também a importância de se estabelecer um diálogo com a sociedade e entidades representativas do setor e a necessidade de estimular bons projetos. Por fim, disse que todos esses fatores dependem da atração de investimentos como forma de melhorar a infraestrutura.
“Quando você [o país] investe recursos em projeto ruim, significa que o caminho está errado. Mas se você [o Brasil] escolhe bom projeto e amplia volume de recursos, melhora mais rapidamente a infraestrutura”, disse Renan Filho. Historicamente, especialistas consideram que um primeiro passo é ter bons projetos de engenharia.
De acordo com Renan Filho, o Plano Nacional de Logística (PNL) é um instrumento importante nessa direção. O PNL é uma ferramenta para planejar, a longo prazo, a infraestrutura brasileira. Segundo o ministro, antes os projetos de infraestrutura não levavam em conta a realidade nacional. Renan Filho diz que o governo se vale, por exemplo, de conhecimento fiscal para ter mais informações sobre a quantidade de carga no país. O PNL não é, porém, uma ideia nova. A iniciativa existia em governos anteriores e vem sendo aprimorada.
Em busca de novos recursos e investimentos, em um cenário de dificuldades fiscais pelas quais passa o país, os ministros também reconheceram a importância do equilíbrio das contas públicas e saíram em defesa do titular do Ministério da Fazenda, Fernando Haddad. O chefe de Portos e Aeroportos reafirmou apoio da gestão a Haddad e disse que o ministro da Fazenda é um homem com “espírito público e responsabilidade fiscal”.
Costa Filho afirmou estar confiante no Brasil e na condução do governo. “Quem estiver apostando que o Brasil vai dar errado, vai errar”, disse. Na visão dele, o Brasil está cometendo “injustiças” contra o titular da Fazenda. “O debate da agenda fiscal é fundamental, é prioridade”, afirmou o ministro.
Governo usa conhecimento fiscal para ter mais informações sobre a carga movimentada no país
Renan Filho, por sua vez, elogiou os investimentos feitos pelo governo Lula 3 no setor de infraestrutura e renovou comparações com a gestão anterior, de Jair Bolsonaro. De acordo com o ministro, dizer que a atual gestão federal investe mais em infraestrutura do que as gestões anteriores não é parte do discurso “nós contra eles”, mas, sim, uma comparação de projetos. O mote citado pelo ministro foi adotado pelo governo, após a crise com o Congresso nas discussões do aumento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), em uma tentativa de reverter a queda de popularidade do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Apesar de defender o equilíbrio fiscal e a pauta econômica do governo, Renan Filho afirmou que vai se posicionar a favor da isenção para alguns segmentos do setor privado que investirem em infraestrutura via debêntures incentivadas. Esses títulos sofreram aumento de tributação na Medida Provisória que buscou compensar perdas com o IOF.
As debêntures de infraestrutura são títulos de crédito emitidos por empresas e que podem ser subscritas por investidores pessoas físicas e jurídicas. A taxação desse título pela MP criou preocupação de empresas do setor que ganharam concessões recentemente. Isso porque a medida prevê o aumento do Imposto de Renda sobre esses papéis.
Renan Filho afirmou que ainda vai conversar com ministros da Esplanada sobre o tema. De acordo com ele, há espaço para debater o assunto também com o Ministério da Fazenda.Decisão que foge da lógica, ultrapassa todos os limites, pior do que os mais pessimistas poderiam imaginar e atípica na diplomacia. Essas foram algumas das expressões usadas por especialistas para descrever o anúncio de uma sobretaxa de 50% dos Estados Unidos para importações do Brasil.
Estudiosos ouvidos pelo Valor se mostraram surpresos com a magnitude da tarifa adicional imposta e foram unânimes ao apontar a motivação é política, sem justificativas econômicas. O Brasil é deficitário no comércio com os Estados Unidos, ou seja, compra mais do que vende para o país comandado por Trump.
“O Brasil é um tiro fácil para ser um exemplo para o mundo do que os EUA podem fazer”, afirmou Lívio Ribeiro, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre). O país é ao mesmo tempo “irrelevante na pauta comercial americana, mas relevante do ponto de vista geopolítico.” Na sua visão, o Brasil “é um ótimo bode expiatório” e “um instrumento” para apontar até onde os EUA vão para defender seus interesses.
“Parece uma reação política. Foge da lógica”, disse Sandra Rios, diretora do Centro de Estudos de Integração e Desenvolvimento (Cindes) e senior fellow do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri). Para ela, a carta enviada por Trump ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) é “bem confusa” ao misturar questões de ordem política, como o tratamento dado ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e decisões do STF contra empresas de mídia com a elevação de tarifas e medidas não tarifárias para o Brasil.
A especialista apontou erros na redação do texto, como a parte em que Trump diz que as tarifas são necessárias para corrigir os “muitos anos” de tarifas e barreiras tarifárias e não tarifárias do Brasil. Segundo Trump, as tarifas causaram “déficits comerciais insustentáveis” aos Estados Unidos. Os EUA têm superávit comercial como Brasil, Em 2024 foi de US$ 284 milhões. No primeiro semestre deste ano cresceu e chegou a US$ 1,67 bilhão.
Diante de uma motivação política, os riscos são ainda maiores para o Brasil porque não se sabe o que pode ser preciso para o recuo da medida. “A margem de negociação é muito mais delicada porque não tem muito como jogar com temas e questões econômicas”, afirmou Lia Valls, chefe do departamento de análise econômica da UERJ e pesquisadora associada do FGV Ibre.
Lívio Ribeiro lembrou a crise diplomática entre Colômbia e Estados Unidos, após Bogotá se recusar a receber aviões militares dos EUA com refugiados colombianos. O governo americano ameaçou com tarifas e só voltou atrás depois de a Colômbia receber os refugiados. Qual será a condição para a revogação das tarifas para o Brasil? Não se sabe o que esperar”, afirmou Ribeiro.
O presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro, afirmou que a sobretaxa é pior do que os mais pessimistas esperavam: “A tarifa ultrapassou todos os limites.”
Qual será a condição para a revogação das tarifas para o Brasil? Não se sabe o que esperar”
Livio Ribeiro
Com décadas de experiência em comércio exterior, Castro se mostra preocupado com o efeito da decisão do presidente Donald Trump na imagem do Brasil no mercado internacional. Uma tarifa nessa dimensão e adotada dessa forma brusca, segundo ele, pode sinalizar para outros países que o “Brasil cometeu erro grave”. “É uma decisão tão drástica que afeta a imagem do Brasil no mundo. Países que não acompanham o contexto podem avaliar que um aumento tão grande de tarifa teria ocorrido porque o Brasil cometeu um erro grave”, disse.
Em nota, a Câmara de Comércio Brasil-Estados Unidos (Amcham Brasil) manifestou “profunda preocupação” com a decisão. “Trata-se de uma medida com potencial para causar impactos severos sobre empregos, produção, investimentos e cadeias produtivas integradas entre os dois países”, diz o texto.
A Amcham afirma que a relação bilateral entre Brasil e EUA sempre se pautou pelo respeito, pela confiança mútua e pelo compromisso com o crescimento conjunto e que o comércio de bens e serviços entre as duas nações é fortemente complementar e tem gerado benefícios concretos para ambos os lados, sendo superavitário para os EUA.
O tarifaço traz implicações econômicas e políticas, segundo o ex-secretário de Comércio Exterior do Brasil e sócio da consultoria BMJ, Welber Barral. No aspecto político, o maior dano será para a imagem do ex-presidente Jair Bolsonaro, que será vinculado às eventuais consequências à economia brasileira, acredita Barral. Além disso, o especialista prevê que a interferência de Donald Trump em assuntos internos do Brasil via comércio pode causar um endurecimento no tratamento do Judiciário brasileiro contra o grupo político de Bolsonaro e as grandes empresas de tecnologia americanos. Barral, contudo, pontua que o Judiciário brasileiro é independente e não tomará ações a pedido do governo, mas sim por convicções próprias.
Na área econômica, Barral aponta que haverá danos diretos para setores específicos, como produtores de aço e metal do Brasil, e indústrias americanas com cadeias integradas ao Brasil, como a automotiva, de tratores e equipamentos, também devem sofrer impacto imediato a partir da aplicação das tarifas.
No contexto geopolítico, Barral prevê um “reforço ao discurso Sul-Sul, com crescentes críticas à imprevisibilidade dos EUA, buscando uma mudança eleitoral, a exemplo do Canadá”.
Para o ex-secretário de Comércio Exterior do Brasil, a resposta mais provável do governo brasileiro deve ser insistir na negociação diplomática, mas ele vê grandes chances de essa iniciativa ser irrelevante no objetivo de reverter as tarifas. Uma reação pragmática e provável, para Barral, é buscar mercados alternativos sem fazer alardes, o que seria mais eficiente no longo prazo.
Caso decida responder com a estratégia de também causar danos aos EUA, a reação possível seria aplicar lei de reciprocidade contra propriedade intelectual e serviços dos EUA. “É improvável, mas seria única medida que incomodaria os EUA”, diz Barral.
Uma reação pragmática e provável é buscar mercados alternativos sem fazer alardes”
Welber Barral
Para o professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo Jorge Amâncio Oliveira, a “declaração deixa nítido um elemento de assuntos políticos domésticos vinculados à retaliação comercial, e isso é algo muito atípico na diplomacia.”
As razões mais políticas do que técnicas por trás da decisão demandam “mais do que nunca os diplomatas entrem em ação”, defende Castro: “O abacaxi está na mão do Itamaraty.” Sua análise é de que ainda haverá muita negociação até a medida entrar em vigor, em 1º de agosto, e a sobretaxa pode ficar menor.
A nova tarifa pegou de surpresa setores importantes da indústria nacional. Mesmo quem avalia não sofrer impactos diretos sobre suas atividades, teme os efeitos secundários sobre o conjunto da economia e as consequências das possíveis retaliações que o governo Lula possa adotar.
Para o presidente executivo do Instituto Aço Brasil, Marco Polo de Mello Lopes, a decisão de Trump tem caráter político e pode prejudicar o andamento das tratativas entre os dois países em torno da reciprocidade tarifária. “Esse acirramento foi uma decisão política. Acaba por prejudicar o que estava sendo encaminhado na discussão da renovação do acordo iniciado em 2018, quando Trump também aplicou uma taxa de 25% sobre o aço”, afirmou.
Segundo Lopes, existem atualmente duas vertentes de negociação entre Brasil e Estados Unidos: uma relacionada a produtos de aço e alumínio, e outra voltada à reciprocidade tarifária de forma mais ampla. “No nosso entendimento, essa nova medida diz respeito à reciprocidade tarifária. Para o aço, especificamente, a tarifa de 50% já estava em vigor, então, na prática, não muda. Não acreditamos que seja uma tarifação cumulativa”, disse.
O presidente do conselho da Associação Brasileira da Indústria do Plástico (Abiplast), José Ricardo Roriz Coelho, defende que o Brasil avance em uma estratégia comercial pragmática e neutra em meio ao protecionismo global. Roriz alerta que esse tipo de embate prejudica a competitividade internacional. Ele destaca que o plástico está relacionado a uma parcela expressiva do PIB brasileiro. Quando se exportam produtos, exportam-se também conteúdos e valor agregado, o que representa impactos significativos.
Já para os fabricantes de calçados, o impacto tende a ser bem maior. Os Estados Unidos são o principal mercado consumidor dos calçados brasileiros e contribuíram para a alta de 24,5% das exportações brasileiras em junho. A nova tarifa é um “balde de água fria”, na avaliação da Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados). O presidente-executivo da Abicalçados, Haroldo Ferreira, destacou que os Estados Unidos mantêm um superávit na balança comercial com o Brasil, o que não justifica a medida. Entre janeiro e junho, as exportações para os Estados Unidos somaram US$ 111,8 milhões, alta de 7,2%. O volume foi de 5,8 milhões de pares negociados, o que representa alta de 13,5% no comparativo anual.
A indústria farmacêutica não é impactada diretamente pela nova tarifa, de acordo com o Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos (Sindusfarma). Mas pode haver repercussões negativas, dependendo da reação do governo brasileiro à medida. O presidente executivo da entidade, Nelson Mussolini, afirma que o Brasil não é exportador de medicamentos para os Estados Unidos. Há risco, porém, de encarecimento de medicamentos de alta complexidade se o governo brasileiro impuser tarifas recíprocas.
O setor de equipamentos deve sofrer impactos das tarifas impostas pelos EUA, país que mais importa produtos da indústria elétrica e eletrônica brasileira. Entre janeiro e março, o Brasil exportou US$ 521 milhões em produtos para os EUA, segundo dados Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee). As vendas para o mercado americano cresceram 20,4% no primeiro trimestre de 2025 em relação a igual período de 2024.






