
Para incentivar cultivo, Embrapa lança manual para implantação de pomares de araucária enxertada, desenvolvida depois de anos de pesquisa O produtor rural Ernesto Zembruski, de Bituruna, no sul do Paraná, está confiante no futuro. Na propriedade dele, onde o cultivo da erva-mate predomina, o plantio de araucárias enxertadas para produção de pinhão tem recebido atenção especial. “O pinhão é a semente que vai nos manter no campo”, afirma.
Atualmente, ele tem mais de 600 plantas em apenas um hectare de terra. A meta é chegar a mil araucárias em breve. Ele deu início ao pomar em 2016, utilizando a técnica de enxertia para a produção precoce de pinhões. “A rentabilidade obtida com a venda de pinhão, praticamente sem necessidade de investimento, possibilita a realização do sonho de manter a área para meus netos”, observa.
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Nos cálculos do agricultor, com a produção estimada entre 500 kg a 600 kg de pinhão nesta safra, ao preço médio de R$ 10 o quilo, a rentabilidade ficará entre R$ 5 mil e R$ 6 mil: “é dinheiro no bolso sem custo de produção, em comparação a outras culturas”.
Ele conta que procurou a Embrapa para aprender a técnica da enxertia, iniciou a plantação das araucárias com cinco mudas, das quais duas se desenvolveram. Dali em diante, ele mesmo foi executando a técnica e ampliando a plantação. A produção precoce começou a partir do quarto ano de algumas plantas.
“E ainda estamos contribuindo com o reflorestamento e ajudando a evitar a extinção da araucária”, ressalta, planejando, em alguns anos, tornar a cultura o carro-chefe da propriedade e multiplicar por dez a produção.
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Katia Pichelli
Manual produtivo
A clonagem via enxertia é fruto de anos de pesquisa, parceria da Embrapa Florestas e Universidade Federal do Paraná (UFPR). As instituições acabam de publicar um manual com melhorias e novas orientações para quem deseja adotar o sistema. A técnica permite que as araucárias iniciem a produção de pinhões, em média, entre seis e dez anos após o plantio. No cultivo tradicional, começa entre 12 e 20 anos.
“A consolidação desse sistema representa um marco para produtores rurais, especialmente das regiões Sul e Sudeste do país, onde o pinhão tem forte apelo cultural e econômico, mas cuja produção ainda depende quase que exclusivamente do extrativismo em florestas nativas”, salienta o pesquisador da Embrapa Florestas Ivar Wendling.
Com a produção precoce, indica o especialista, o retorno do investimento é mais rápido, incentivando o plantio, a geração de renda e, consequentemente, a conservação da espécie pelo uso sustentável.
Segundo Wendling, que é um dos autores do manual, o conteúdo aborda as vantagens do uso da técnica e responde às principais dúvidas sobre a produção de pinhão em pomares. Pontos importantes como a qualidade de mudas, escolha da área do pomar, implantação, manejo e principais desafios no campo são contemplados na publicação que está disponível no site da Embrapa Florestas.
A técnica de clonagem via enxertia permite que as araucárias iniciem a produção de pinhões, em média, entre seis a dez anos após o plantio
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Valor nutricional
O pinhão é um alimento considerado bastante nutritivo. A adoção da enxertia visa a elevar a oferta do produto, além de gerar renda aos agricultores. Um estudo conduzido pela Embrapa Florestas comparou a produção com o uso da técnica e a convencional.
Avaliando pinhões in natura e cozidos, o estudo mostrou que o sabor e o valor nutricional são iguais ao que resulta do cultivo convencional. Os precoces – frutos de araucárias enxertadas – mantiveram o baixo teor de gordura e são boas fontes de proteínas e carboidratos, com alto conteúdo de fibras alimentares e alto valor calórico.
Ivar prevê que entre 400 a 500 produtores no Paraná já estejam adotando a tecnologia: “é difícil estimar, mas daqui para a frente a tendência é que o número de propriedades com o pomar de plantas enxertadas aumente”.
Em Bituruna, o programa municipal “A Força das Araucárias” incentiva o plantio das árvores enxertadas. Cerca de cem agricultores já participam da iniciativa, e a meta é tornar o cultivo uma fonte de renda. O município desenvolve um projeto para a instalação de uma agroindústria de farinha de pinhão. O produtor Ernesto Zembruski é um dos integrantes. Ele troca experiências com pesquisadores e produtores da região.
Araucária de proveta
O pesquisador Flávio Zanette, professor aposentado da Universidade Federal do Paraná (UFPR) ainda na ativa – que assina a autoria do manual lançado pela Embrapa, em parceria com Ivar -, foi o pioneiro do estudo que possibilitou o desenvolvimento da técnica da enxertia de araucária.
Na edição de março de 1988 da revista Globo Rural, ele foi um dos entrevistados da reportagem “A árvore que saiu do tubo”, que abordou a criação da primeira araucária de proveta. Criada em um tubo de ensaio, por meio de uma pesquisa desenvolvida em laboratório na UFPR, em conjunto com a pesquisadora Cecília Eritani – já falecida -, a experiência, segundo Zanette, foi o teste inicial para observar a viabilidade da enxertia.
Leia a reportagem como foi publicada na época
“A criação in vitro indicou que a clonagem por enxertia era possível. A experiência foi viável, mas de alto custo”, explica Zanette. Com isso, o pesquisador seguiu para uma próxima etapa, iniciando os testes da técnica de enxertia em estufa e, mais recentemente, a tecnologia de enxertia da araucária para produção precoce de pinhão, em parceria com o pesquisador Ivar, da Embrapa Florestas.
Os resultados do estudo foram publicados em 2015. Até então, foram várias tentativas, pesquisas e alunos envolvidos no trabalho, até chegar a uma seleção genética de plantas com as características desejadas.
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“Eu não buscava resultado científico. O objetivo era que a técnica da enxertia permitisse selecionar plantas de interesse econômico para formação de pomares. O meu foco sempre foi a produção de pinhão”, salienta.
A enxertia possibilita a produção de pinhões com as características desejadas pelo mercado consumidor, pois é possível identificar e selecionar árvores matrizes de acordo com o que se busca: época de produção, composição nutricional, produtividade, tamanho e formato do pinhão, entre outras. A técnica pode ser executada por meio da formação de enxertos de galho e de tronco.
Registro
Já existem cultivares de araucária enxertada registradas no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento e viveiros que comercializam as mudas. O Viveiro Porto Amazonas (VPA) foi pioneiro na produção comercial, a princípio com árvores-matrizes selecionadas pela UFPR e, a partir de 2020, também a partir de cultivares registradas pela Embrapa.
A técnica pode ser executada por meio da formação de enxertos de galho e de tronco
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“Nossa ideia sempre foi a valorização de uma espécie nativa ameaçada e estudar mais o seu comportamento com a enxertia. A técnica é nova, mas a precocidade empolga e incentiva os produtores interessados”, diz Leonel Anderman, biólogo e gerente do viveiro.
Atualmente, o VPA produz e comercializa cerca de 3 mil mudas por ano, cada uma leva cerca de dois anos para ficar pronta. “Hoje, nosso desafio é fazer com que os clientes entendam que existe um manejo a ser feito com essas árvores, que não basta somente plantá-las”, explica.
Wendling alerta que os produtores devem buscar viveiros credenciados no Registro Nacional de Sementes e Mudas do Ministério da Agricultura (Renasem) e, preferencialmente, produzir plantas enxertadas com cultivares registradas para a produção de pinhão.
Santa Catarina
A tecnologia também vem sendo aplicada em Santa Catarina, por meio de um projeto desenvolvido em parceria entre a Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural (Epagri) e a Embrapa Florestas. As ações começaram em 2023 com a avaliação de matrizes de araucárias para a produção de pinhão pelas características de solo e clima nas regiões Oeste e Planalto Norte.
Gilcimar Adriano Vogt, engenheiro agrônomo e gerente da Estação Experimental da Epagri em Canoinhas (SC), detalha que o plano contempla ações de implantação, enxertia, manutenção e avaliação em dois pomares com, inicialmente, 21 matrizes.
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“Os materiais genéticos das araucárias com boa produção de pinhão serão avaliados com possibilidade de indicação de materiais genéticos mais apropriados em um futuro breve. O projeto ainda prevê identificar materiais com produção precoce, diferentes épocas de frutificação e mais produtivos, além de estudar a qualidade nutricional”.
A Epagri espera um aumento no interesse pelo plantio de araucária aumente, possibilitando a implantação de pomares comerciais com qualidade, precocidade e plantas de porte reduzido.