Produtores de milho no Brasil sabem que encontrar o cereal mofado nas lavouras é sinônimo de prejuízo. Em outras partes do mundo, no entanto, a situação é bem diferente. No México e outros países da América Central, o mesmo fungo que frustra agricultores brasileiros é considerado uma iguaria muito valorizada, que pode ser encontrada desde barracas ao ar livre até restaurantes de alta gastronomia.
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O alimento mexicano nada mais é do que uma espiga coberta pelo fungo Ustiligo maydis. Ele forma uma massa negra na estrutura e limita a produtividade do milho. No Brasil, essa doença fúngica é conhecida como carvão-comum-do-milho, conforme a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa).
Enquanto para os produtores brasileiros essa doença é motivo de preocupação e perdas, no México o fungo recebe o nome de huitlacoche (ou ainda caviar dos astecas ou trufa de milho). Seu uso na alta gastronomia faz com que o quilo da iguaria seja comercializado a R$ 400.
Conheça o huitlacoche
Apesar da associação com cogumelos, o alimento lembra mais uma trufa ao ficar com a espiga deformada pelo crescimento do fungo na estrutura. A principal característica é o grão inchado – em média, dez vezes maior do que o normal – escuro e com sinal de podridão.
Se em muitos países o huitlacoche é sinônimo de prejuízo, incluindo o Brasil, os mexicanos utilizam o alimento em diversas preparações, explica Edu Bacon, cozinheiro de Raizagem Catarinense.
“Ele combina muito com várias gastronomias do mundo. Na francesa, o uso é muito comum com a manteiga para trazer o sabor lácteo ao prato. Na italiana, tem as trufas propriamente ditas. Ainda podemos destacar a asiática com a pegada mais agridoce e até a brasileira, porque é um ingrediente que encontramos aqui. Eu gosto do refogado com manteiga e tomilho. Tudo o que combina com milho combina com ele também”, explica.
Mexicanos utilizam o huitlacoche em diversas preparações
Canva/Creative Commons
No Sul dos Estados Unidos, região próxima à fronteira com o México e onde o consumo também é comum entre a população, a forma “confitada” – cozida lentamente em gordura – ganha espaço, sabores e aromas.
“É conservado em uma lata como se fosse milho ou feijão e consumido junto com salada. Seria um ‘confit’, onde se pega o huitlacoche e coloca em uma travessa com óleo e temperos, como alecrim, tomilho, louro e pimenta seca. Depois, é só assar no forno a 70ºC por umas 8h”, diz o especialista à Globo Rural.
O sabor do huitlacoche, como não poderia deixar de ser, lembra o milho comum, mas vai além, com referência herbal (derivação de ervas e plantas) e nota umami mais terrosa.
“É como se estivéssemos comendo um milho envelhecido, não podre, mas um milho maturado, uma coisa bem diferente”.
A aparência deformada e o preço elevado não são os únicos diferenciais do huitlacoche. O milho também apresenta benefícios nutricionais ao organismo quando consumido.
O estudo desenvolvido pelo Instituto de Pesquisa Agrícola Bati Akdeniz, da Turquia, apontou que o alimento “possui inúmeras características benéficas para a dieta humana, podendo ser avaliado como uma valiosa fonte alimentar na culinária internacional”. Confira abaixo os resultados da pesquisa:
É rico em proteína e pode ser sugerido como alternativa para dietas vegetarianas;
Contém quase todos os aminoácidos essenciais, sendo a lisina um dos mais abundantes;
Entre os carboidratos, 27 foram detectados;
Pode ser benéfico ao sistema digestivo pela presença considerável de celulose;
O baixo teor de gordura indica poucas calorias.
O milho com fungo no Brasil
A doença, considerada de importância secundária por não causar danos significativos ou surtos generalizados, já foi identificada em todas as regiões, mas os casos tiveram maior aumento na região Sul nos últimos anos, afirma a Embrapa. Além disso, o carvão-comum-do-milho faz que os grãos não se desenvolvam nas espigas infectadas e, como consequência, a produção é descartada.
Entre as principais causas para a infecção estão: variação de temperatura, baixa umidade, estresse hídrico, lesões nas plantas e redução da polinização.
Junto com a perda da espiga, a presença do fungo Ustiligo maydis acarreta outro problema aos agricultores: o comprometimento da safra seguinte.
A explicação está no crescimento do grão de milho. Quando amadurece, ele estoura e faz o pó preto – e contaminado – que estava na parte interna se proliferar no solo que vai receber a próxima plantação.