
Um projeto de lei em tramitação na Câmara dos Deputados veda o uso da palavra “mel” nas embalagens, rótulos e publicidade de alimentos que não contenham o produto entre seus ingredientes. O objetivo é impedir que produtos à base do “preparado de mel” utilizem o nome e representações do ingrediente de origem animal.
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O texto encontra-se há dois anos na Comissão de Defesa do Consumidor (CDC) do Legislativo. O preparado de mel contém açúcares, água, amido, aroma de mel, conservantes e outros químicos. Até o momento, a legislação brasileira não restringe o uso do nome ou imagem do mel em rotulagens com o preparado.
De autoria do deputado federal Pedro Uczai (PT-SC), o projeto propõe garantir transparência e autenticidade na composição de produtos à base de mel. Em setembro, o relator do projeto na comissão, o deputado Roberto Monteiro Pai (PL-RJ), apresentou parecer favorável à aprovação do PL 4.139/23 e do PL 4.192/24 (projeto anexo com mesmo teor).
Fabricia Soriani, farmacêutica especialista em rotulagem e legislação de produtos de abelha, alerta sobre produtos que não possuem mel, mas sim o preparado de mel. “Muitos alimentos, como alguns iogurtes, bolachas e barrinhas de cereais, aproveitam-se do uso da imagem do mel em suas rotulagens para aumentar a aceitabilidade do consumidor”, explica.
De acordo com ela, consumidores tendem a buscar uma alimentação mais saudável e, quando se deparam com a palavra mel ou representações gráficas, acreditam que se trata de um produto natural e que possui os benefícios do mel.
“Na prática, a maioria dos alimentos comercializados com a representação não utiliza mel em sua composição”, diz à Globo Rural.
Sérgio Farias, presidente da Confederação Brasileira de Apicultura e Meliponicultura (CBA), afirma que a concorrência é prejudicial ao produtor, o que impede o desenvolvimento do mercado nacional e amplia a dependência de exportações.
“Buscamos a utilização do mel como ingrediente nas indústrias, o que pode ajudar até mesmo no alívio a exportações em meio a tensões tarifárias”, diz.
A expectativa de crescimento do consumo interno é aliada à utilização do mel natural pela indústria. “Gostaríamos de, ao menos, triplicar a quantidade de consumo interno. Estima-se um aumento de pelo menos 30 a 40 mil toneladas de consumo interno, caso a regulamentação seja efetivada”, afirma.
Caso aprovado na Comissão de Defesa do Consumidor, o projeto ainda deve ser pautado pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) antes de ser votado pelo plenário da Câmara. No entanto, a CBA solicitou, em ofício enviado ao governo federal, apoio em requerimento de urgência para a tramitação. A medida pode acelerar o projeto ao pular etapas de análise e pareceres pelas comissões temáticas.
Alternativa em meio às tarifas
Segundo Renato Azevedo, presidente da Associação Brasileira dos Exportadores de Mel (Abemel), as exportadoras poderiam se beneficiar da alta do consumo interno do mel como ingrediente.
“Promover o consumo do mel dentro do Brasil também é importante para o exportador que tem interesse em explorar o mercado interno. Dentro do Brasil, o consumo de mel gira em torno de 130 a 150 g per capita, enquanto nos Estados Unidos e na Europa esse número supera os 400 g”, afirmou à Globo Rural.
Azevedo acredita que há potencial para o crescimento do consumo interno, o que ainda depende de iniciativas que informem o consumidor. “Nada contra esse tipo de produto que consumimos e não faz mal. O problema, na verdade, é definir como mel um produto que não possui mel em sua composição. Então, se isso se regularizar, automaticamente há uma demanda para mais mel orgânico aqui no Brasil”, avalia.
Outros exemplos
A situação é similar às demandas da indústria da carne bovina e do leite, que buscam a restrição de símbolos para os fabricados de origem animal. Os projetos e respectivos anexos tramitam na Comissão de Defesa do Consumidor da Câmara dos Deputados, onde permanecem há anos sob deliberações.
A indústria da carne bovina rechaça a utilização da palavra “carne” em produtos reconhecidos como “carne vegetal”, processados compostos por ingredientes como soja, ervilha e grão de bico. O PL 5.499/20 dispõe sobre a proibição da utilização da palavra “carne” e termos similares em produtos que não sejam de origem animal.
Outro caso semelhante é a restrição ao uso da palavra “leite” em produtos de origem vegetal. O PL 10.556/18, que pode proibir termos como “leite de soja”, “queijo vegetal” e “iogurte de coco”, é inspirado pelo regulamento 1.308 de 2013 da União Europeia que restringe as denominações “leite”, “soro de leite”, “manteiga”, “nata”, “queijo”, “leitelho” e “iogurte” exclusivamente ao produto lácteo.
Os setores argumentam que há desvantagem concorrencial para pecuaristas e indústria com base em ingredientes de origem animal, que perdem mercado com a apropriação de termos e símbolos em produtos fabricados sem composição de origem animal.
* Sob orientação de Danton Boatini Júnior






