
Quando José Hamilton Ribeiro começou, tudo isso aqui era mato. Não tudo, claro, é só modo de dizer. A casa já estava ali, mas menor que a de hoje, que foi crescendo com o tempo, ganhando um cômodo aqui, um novo arranjo ali, como acontece com as obras que não têm hora para acabar. Pressa pra quê?
O descanso do sabiá
Desde que deixou o programa Globo Rural, a TV Globo e a vida na metrópole, em 2021, o que o olho alcança é o mundo de José Hamilton Ribeiro, o jornalista premiado, sobrevivente de guerra, autor de livros, cantador, pai de duas meninas, avô de gêmeas e zagueiro ocasional em peladas de amigos em sua Santa Rosa do Viterbo natal.
Fazenda Forquilha é o nome do descanso de quem, mais do que qualquer outro jornalista brasileiro, apresentou o Brasil rural ao Brasil da cidade.
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O Globo Rural, programa que foi o grande responsável por começar a mostrar as coisas do pessoal do campo ao povo da cidade, estreou em 1980. Zé Hamilton, que viria a se tornar um símbolo do programa, juntou-se à equipe três anos depois.
“O Globo Rural foi sendo feito aos poucos, mas pela mão de um mestre, o Humberto Pereira”, conta o veterano, mencionando o primeiro diretor do programa e também da revista Globo Rural. “Ele veio com um olhar moderno, pra frente. O horário das 8 horas da manhã de domingo era, assim, o lixo do lixo, né?”, diz, entre risadas. “E ele transformou o lixo do lixo em campeão de audiência.”
O jornalista completou 90 anos no dia 29 de agosto. A memória falha de quando em quando, mas, entre chegados e desconhecidos, sobra gente para lembrar ao jornalista quanto o povo o quer bem. Humberto Pereira telefona, Nélson Araújo, apresentador do Globo Rural, já esteve na Forquilha algumas vezes, o apresentador Amaury Júnior e os cantores Almir Sater e Sérgio Reis volta e meia dão um alô.
Um dos visitantes habituais da fazenda: Zé Hamilton gosta de ouvir o sabiá, mas foi o chupim que apareceu na hora da foto
Thiago de Jesus
Um dia depois da visita da reportagem da Globo Rural, uma comitiva de sete conterrâneos de Santa Rosa do Viterbo já tinha agenda para ir ao encontro do filho ilustre da terra. Os afagos, abraços e pedidos de fotos povoam também suas idas à área central de Uberaba, o que ele faz três vezes por semana, para cumprir sessões de fisioterapia.
“O povo adora esse homem. Tem gente que até chora quando encontra ele, diz que está com saudade de ver na televisão, de ouvir a voz. Não tem quem não goste dele, né?”, diz Ana Maria Fernandes, que trabalha com Zé Hamilton há 15 anos, em funções, como ela relata, de “cuidadora, enfermeira, ajudante. E até motorista já fui”.
Zé Hamilton deixou o dia a dia das redações, mas continua a se informar sobre o que se passa no lado de lá da cerca da fazenda com a leitura diária dos jornais – impressos – e assistindo a telejornais, sempre à noite. Na TV, também gosta de ver documentários, em particular os sobre assuntos ligados à natureza, na linha dos que tantas vezes ele mesmo produziu.
Zé Hamilton e Patrick Cruz, editor-chefe da Globo Rural: o veterano já não escreve mais, mas continua editando. Nem livro publicado escapa
Thiago de Jesus
O jornalista foi o primeiro editor-chefe da Globo Rural, título que ele ajudou a criar. A TV deu projeção nacional a Zé Hamilton, que já tinha enorme prestígio na imprensa escrita, mas, com a revista, ele pôde voltar a um ambiente que sempre considerou ser de fato a praia dele.
“Eu fui ‘arrastado’ para a TV, que tem um magnetismo muito grande, mas eu sou um homem do impresso. A minha escola foi do impresso”, afirma.
O veterano ainda lê muito, diariamente, só não escreve mais. “Mas edita, e muito”, diverte-se Teté Ribeiro, uma de suas filhas, também jornalista, assim como a irmã, Ana. “Rabisca livro publicado para cortar frase.”
Quando eu e o cinegrafista Thiago de Jesus chegamos à fazenda, Zé Hamilton estava deitado em uma rede, lendo, compenetrado. Melhor não importunar o homem, pensei. Depois, quando ele se levantou e foi para outro cômodo, este visitante foi bisbilhotar a leitura do anfitrião. Era o clássico russo Guerra e Paz. Folgo em informar que Liev Tolstói passou sem canetada naquela tarde.
Ana Maria, funcionários da propriedade e a sobrinha Cristina, que administra a fazenda, são os convivas de Zé Hamilton no dia a dia. Da turma dos bichos, tantas vezes protagonistas em suas reportagens, respondem chamada os cães Baião, Baguela, Babosa, Mila, Malu, Juma, o filhote, Rei Leão, e um vira-lata manco e meio cego que ganhou de Ana Maria o apelido ali na hora, quando ela contava que o cachorro “apareceu aí esses dias”. Virou Aparecido.
Zé Hamilton sempre gostou de terra, mato, bicho, e trabalhava em dois veículos chamados Globo Rural. A compra de uma fazenda parece não carecer de muita explicação, certo? Pois então.
“Ele só me contou outro dia que comprou a fazenda porque ele queria, na verdade, ter um lugar pra ouvir passarinho”, diz Teté.
Tucano, mutum, canário, chupim e grande elenco estão sempre na Forquilha. Chegado em cantoria de moda caipira, Zé Hamilton é fã do sabiá, que ele ouve enquanto descansa na varanda, realizando o sonho de quem comprou um pedaço de terra para ouvir música que vem do céu.





