
A decisão preventiva do superintendente-geral do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), Alexandre Barreto, de suspender a Moratória da Soja está “errada”. É o que afirma André Nassar, presidente da Associação das Indústrias Brasileiras de Óleos Vegetais (Abiove), em entrevista ao Valor. Segundo ele, “não há troca de informações sensíveis” dentro da execução do acordo ambiental, realizada pelo Grupo de Trabalho da Soja (GTS).
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“O GTS não tem compartilhamento de informação sensível. Não se fala sobre preço, não se fala sobre volume de produção, volume de comercialização, destino do volume. Nenhuma informação desse tipo circula lá”, diz o dirigente. Na avaliação de Nassar, “não há urgência nenhuma para tomar decisão da preventiva”.
As declarações rebatem a acusação feita por Barreto, que disse na terça-feira ao Valor que o GTS troca “informações concorrencialmente sensíveis” e estabelece “as condições das regras de mercado”.
O GTS, porém, não é composto apenas pelas empresas signatárias, mas também por organizações não governamentais e órgãos de governo. As ONGs participantes são Greenpeace, The Nature Conservancy (TNC), Imaflora, Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) e WWF-Brasil. Do lado do governo, há apoio do Ministério do Meio Ambiente, Ibama, Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e Banco do Brasil. Mas desde o primeiro ano do governo Bolsonaro não houve mais participação de membros do governo.
Nassar explica que o GTS compartilha dados públicos, como o Cadastro Ambiental Rural (CAR) das propriedades e os dados de desmatamento do Prodes, do Inpe, além do “mapa da soja”, que é elaborado pela Serasa Experian e identifica as áreas com o plantio do grão. Segundo o dirigente, o GTS só não utiliza os dados do TerraClass, também do Inpe, porque o projeto identifica áreas com agricultura sem discriminar se o plantio é de soja ou não.
Esses dados, portanto, mostram que o Grupo de Trabalho da Soja trabalha apenas com dados de área plantada, e não de volume, sustenta Nassar. “Temos informação de área plantada, que é a informação que o satélite nos dá e qualquer um pode gerar. Não tem monitoramento de produção”, diz.
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Segundo ele, nem o CPF dos produtores rurais são compartilhados. “Temos basicamente a área plantada de soja por Cadastro Ambiental Rural. Quanto o produtor produziu, eu não sei.”
Para a aplicação da Moratória da Soja, as empresas signatárias precisam primeiro contratar individualmente auditorias que verificam se as compras de soja realizadas na safra anterior seguiram as regras, ou seja: o grão não pode ter sido plantado em área desmatada após julho de 2008 ou em áreas embargadas, nem provir de fornecedores com ligação com trabalho análogo à escravidão.
Nassar diz que as informações sobre volume são tratados apenas no âmbito das auditorias, que analisam os contratos de compra da companhia e os correlaciona com dados ambientais. Essas informações não são divulgadas nos relatórios finais das auditorias submetidos ao GTS, nem se tornam públicas, “como toda auditoria”, diz.
Mauricio Voivodic, diretor-executivo do WWF-Brasil, reforça que “o relatório das auditorias enviado ao GTS traz informações agregadas, e não individuais de cada empresa e do que cada uma fez com cada um dos seus fornecedores”. Para ele, Barreto “não deu atenção aos materiais que lhe foram entregues e descrevem detalhadamente o funcionamento da Moratória, que mostra que as análises são feitas com base em informações públicas, e não individuais de cada empresa”.
Sobre a afirmação de Barreto de que os signatários da Moratória da Soja deveriam ter submetido o acordo para apreciação do Cade, Nassar diz que isso não foi feito porque o acordo é de 2006, anterior à Lei Concorrencial brasileira, de 2011. “A Moratória é anterior à lei que determina a submissão de contratos associativos”, afirma.
Nassar critica ainda o fato de que Barreto “ignorou o alinhamento da Moratória com políticas públicas”. “O governo ‘n’ vezes reconheceu a Moratória com parte da estratégia de conservação do Brasil”, ressalta. Para ele, “se abster de analisar a questão ambiental torna a análise do Cade limitada, o que deveria levar o órgão a ampliar sua visão”.
Voivodic também vê problemas na abordagem estritamente concorrencial do superintendente-geral do Cade. “[A Moratória] é uma ação coordenada que visa ser complementar à política pública e que conta com participação do governo federal”, diz.
A decisão do Cade foi suspensa por uma liminar na Justiça, mas o órgão antitruste já anunciou que vai recorrer. Caso a suspensão da Moratória retorne, Nassar alerta para o risco da decisão “respingar” na aprovação do acordo entre União Europeia e Mercosul, na investigação americana da Seção 301 pelo governo de Donald Trump e até na vistoria das cargas que chegarem aos portos europeus no âmbito da lei antidesmatamento da UE (EUDR).






