A empresa americana Netuno suspendeu todas as negociações para importar pescado brasileiro até ser resolvido impasse relacionado à tarifa de 50% dos Estados Unidos contra o Brasil. A afirmação é do gerente de sustentabilidade e compliance da companhia, André Brugger. A medida, anunciada pelo presidente Donald Trump, entra em vigor no dia 1º de agosto.
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Fundada por brasileiros e com sede em Fort Lauderdale, no Estado da Flórida, a Netuno importa por ano cerca de 10 mil toneladas de pescados. De janeiro a junho deste ano, foram entre 2 mil e 2,5 mil toneladas de produtos com origem no Brasil. A empresa é a maior compradora de pargo brasileiro.
Brugger explica que, até o anúncio do tarifaço, o plano da empresa era importar mais do Brasil do que de fornecedores da Ásia, sobre quem, até então, vigorava uma taxa mais elevada. Agora, a situação se inverteu. A tendência é comprar menos de brasileiros e mais dos asiáticos.
A informação do executivo da importadora confirma o relato de exportadores brasileiros. A incerteza que o tarifaço causou no comércio internacional está levando à suspensão de negócios em andamento e tirando a expectativa de novas parcerias.
A Fider Pescados está com dois contêineres de 40 toneladas de filé congelado de tilápia do Brasil, a caminho dos Estados Unidos. E não sabe se o produto será desembarcado sob a cobrança da tarifa de 50%. Clientes americanos suspenderam novos pedidos, explica Juliano Kubitza, diretor da empresa.
Fider Pescados, de Juliano Kubitza, é um dos maiores exportadores de tilápia do país e prevê dificuldades com taxação dos Estados Unidos
Ricardo Benichio/Valor
“O comprador suspendeu novas encomendas, mas essas cargas já estavam no mar. Continuamos a embarcar por avião a tilápia fresca, mas o importador já reduziu de 30% a 40% os pedidos. Com certeza, eles devem estar buscando fornecedores em outros países”, diz.
O executivo chegou exatamente para expandir a atuação da empresa no mercado externo. O anúncio da tarifa não apenas interrompeu parcerias comerciais em andamento. Também impediu a conclusão de novos negócios. Uma rede americana, diz ele, tinha interesse em cortes especiais de tilápia.
“Estávamos esperando uma visita em breve dos novos parceiros americanos às nossas instalações para fechar o negócio, mas agora parou tudo. O pior é não saber se haverá mesmo a cobrança da taxa de 50%, se o prazo será adiado ou o que vai acontecer. Estamos num mato sem cachorro”, lamenta.
A Fider Pescados pertence ao grupo M. Cassab, e foi a primeira a exportar tilápia para os americanos. Atualmente, vende para o exterior metade da sua produção anual de 9.600 toneladas, sendo 80% para os Estados Unidos. Os outros 20% são filé para o Canadá, e subprodutos do peixe, como farinha e pele, para o mercado asiático.
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Kubitza diz acreditar que é muito difícil redirecionar as exportações que tinha como destino os Estados Unidos. O consumo no Canadá ainda é pequeno, e o mercado europeu, mais atraente e viável logisticamente, está fechado para o pescado brasileiro desde 2018.
Realocar para o mercado interno também não ajuda, porque o cairia rapidamente, comprometendo a rentabilidade do negócio. Segundo ele, o Brasil exporta mais de 100 toneladas de tilápia por semana e parar de embarcar mexe com toda a cadeia.
“O preço já está ruim no mercado interno, porque no inverno as pessoas comem menos peixe. Precisamos abrir imediatamente outras frentes de exportação para o peixe que já está sendo produzido. O ciclo de produção da tilápia é longo, de seis meses. Neste ano, já não dá para reduzir o volume”, diz.
Diante da incerteza, a Fider também suspendeu investimentos, conta o diretor. O plano era instalar tanques na represa de Estreito, em Pedregulho (SP), para dobrar a produção e aproveitar uma estrutura de produção e de frigoríficos que ainda tem capacidade ociosa, no município de Rifaina (SP).

“Sem saber o que fazer”

Quem trabalha com exportação de espécies pescadas vive a mesma incerteza de quem cultiva. A Norte Pesca, de Natal, capital do Rio Grande do Norte, continua enviando atum fresco de avião. Os congelados, como pargo e lagosta, parou de embarcar por questão de segurança.
A empresa é a maior indústria processadora potiguar de atum. Recebe cerca de mil toneladas por mês, de diversos armadores da pesca empresarial, e exporta pelo menos 60% do volume, sendo 95% para os Estados Unidos.
“Quem trabalha com pescado congelado está numa sinuca. Muita gente pega dinheiro para capital de giro com o importador e muitos clientes só pagam quando você embarca no navio. A indústria exportadora está sem saber o que fazer. Estamos buscando outras alternativas, mas o mercado europeu continua fechado”, explica Rodrigo Fauze Hazin, diretor da Norte Pesca.
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O executivo pontua que a tarifa dos Estados Unidos contra o Brasil tem “muita política dos dois lados” o que aumenta a incerteza. E defende “serenidade” para as negociações levarem em consideração apenas o aspecto econômico.
“O cenário é bem negativo no curto prazo, mas aposto que tem muita gente do lado de cá e do lado lá que depende desses produtos. É de se esperar que o lado econômico fale mais alto”, afirma.
A situação pressiona a rentabilidade e a renda dos pescadores. No Rio Grande do Norte, quem depende da pesca artesanal afirma que os preços das principais espécies estão caindo. E que tem profissionais deixando de colocar as embarcações no mar porque as contas já não fecham.
“Eu continuo pescando três vezes por semana porque não tenho outra profissão. Já faz parte da rotina a sazonalidade e problemas com clima, mas a gente não esperava levar essa bola nas costas do tarifaço”, diz Tobias Soares da Silva, pescador de lagostas.