
A Secretaria de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC) negou, de forma preliminar, aplicar o direito antidumping provisório sobre as exportações de leite em pó da Argentina e do Uruguai para o Brasil. A investigação sobre possível dano aos pecuaristas brasileiros foi aberta no fim do ano passado a pedido da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) após movimento de aumento nas importações do produto de países do Mercosul.
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A entidade vai recorrer da medida publicada em circular da secretaria nessa terça-feira (12/8). O ministério tem até novembro para emitir uma determinação final, segundo cronograma divulgado no documento. Parlamentares da bancada ruralista querem pressionar o governo por uma “decisão política” sobre o caso e alegam que as importações continuam a desestimular a produção leiteira nacional.
Deputados e técnicos da CNA se reuniram nessa quarta-feira (13/8) com o secretário-executivo do MDIC, Márcio Elias Rosa, e a secretária de Comércio Exterior, Tatiana Prazeres, para tratar do tema. Na visão do ministério, o produto doméstico similar ao produto objeto da investigação é o leite em pó industrializado e não o leite in natura. Portanto, deveriam ser apresentados impactos ou possíveis danos à indústria de leite em pó brasileira e não aos pecuaristas.
Bruno Lucchi, diretor técnico da CNA, explicou que o MDIC alterou a forma de avaliar os impactos econômicos para a tomada de decisão sobre aplicação ou não de medidas contra práticas desleais de comércio. Segundo ele, até então, os pecuaristas podiam representar o setor afetado, já que há efeitos concorrenciais sobre o produto primário do campo. Agora, a indicação da Pasta é de que a indústria produtora de leite em pó é que precisa demonstrar possíveis danos.
“Sempre foi esse o entendimento, em que o produtor rural poderia representar a indústria nacional questionando práticas desleais de comércio. A comparação começou a ser feita não com o produtor rural e o leite em pó, mas com a indústria de leite em pó com o produto importado. E, nesse caso, há um interesse grande, porque quem importa o produto em boa parte é a indústria de leite em pó”, explicou em conversa com jornalistas após a reunião.
Segundo Lucchi, o setor quer entender se há exceções para a nova regra, pois a indústria brasileira de leite não vai ter interesse em discutir a prática, pois se beneficia disso. “Se tiram essa prerrogativa de uma entidade como a CNA defender o produtor de leite, perderemos não só agora, mas futuramente também, em qualquer tipo de prática desleal”, argumentou.
A CNA vai apresentar uma defesa nos próximos dias para que o entendimento anterior seja mantido. A entidade não foi alertada da mudança nas audiências públicas realizadas no processo de investigação até agora.
Lucchi explicou que houve apoio político dos ministérios da área agrícola do governo para a apresentação do pedido de investigação pela CNA no ano passado, mas que a entidade entende que a decisão é técnica.
“Houve um apoio político no auge da discussão, de que valeria a pena apresentar o processo. Agora, nós temos o total ciência de que o MDIC é um órgão técnico, para fazer uma avaliação técnica dos fatos que nós temos apresentado. Então, vamos apresentar. Vamos trabalhar para contra-argumentar, para ver se conseguimos a mudança de entendimento”, completou.
“Nós fomos surpreendidos por uma circular de Secex anunciando que, preliminarmente, a disposição é não acatar o nosso pedido. Então juntamos força política, para pedir que o governo seja sensível. Há milhões de pessoas que no Brasil vivem da produção leiteira, que está presente em 99% dos municípios brasileiros. Para que acate o nosso pedido, que o processo antidumping seja aceito, e que a gente possa ter uma relação bilateral, que pode acontecer e deve acontecer, mas que seja justa”, afirmou o deputado Pezenti (MDB-SC). “Há uma predisposição a reavaliar a decisão que foi tomada”, completou.
“Nós queremos que o governo tenha uma decisão política em cima da cadeia produtiva do leite e não só uma decisão técnica. Esse gatilho antidumping existe para proteger o mercado nacional e o que nós queremos é que esse gatilho possa ser utilizado para proteger a subsistência da agricultura familiar na cadeia produtiva do leite”, pontuou o deputado Lúcio Mosquini (MDB-RO). “Viemos aqui com toda a parte técnica, demos subsídio total, mas tem muita decisão que não é só técnica”, disse Marcelo Bertoni, presidente da Federação da Agricultura e Pecuária de Mato Grosso do Sul (Famasul).
Identificação de produtores
Na circular, a secretaria diz que a controvérsia a ser dirimida reside na exata identificação dos produtores que se enquadram no conceito de “indústria doméstica” que teria sofrido dano causado pelas importações a preços de dumping. O MDIC argumentou que regulamento da Organização Mundial do Comércio (OMC) impõe às autoridades investigadoras a incumbência de proceder à análise dos dados dos “produtores domésticos” e que esse termo deve ser interpretado como “a totalidade dos produtores do produto similar doméstico”.
“Restou patente a existência de produtores brasileiros de leite em pó, produto similar doméstico ao leite em pó originário da Argentina e do Uruguai objeto da presente investigação. Dessa forma, sem os dados de tais produtores, resta prejudicada a análise da representatividade mínima legal prevista no art. 37 do Regulamento Antidumping, bem como as análises de dano e nexo causal previstas no Capítulo III do Decreto nº 8.058, de 2013”, diz a circular.
Como a Pasta entende que o produto similar doméstico é o leite em pó industrializado e não o leite in natura produzido pelos pecuaristas, a circular expôs que não existem elementos nos autos processuais que permitam a avaliação do impacto das importações a preços de dumping sobre os preços do produto similar no mercado doméstico e do consequente impacto dessas importações nos produtores domésticos de tais produtos.
“Concluiu-se não ser possível afirmar que as importações de leite em pó originárias da Argentina e do Uruguai causaram dano aos produtores domésticos de leite em pó, uma vez que exame dos efeitos das importações alegadamente objeto de dumping sobre os preços do produto similar no mercado brasileiro e o exame do consequente impacto de tais importações sobre a indústria doméstica restaram prejudicados pela falta de dados acerca de fatores e índices econômicos pertinentes, relacionados com a situação da indústria nacional de leite em pó”, acrescenta o MDIC, na circular.