O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, aventou nesta semana o plano de recorrer à carne bovina da Argentina para tentar reduzir os preços do produto no mercado americano — e, ironicamente, a ideia pode ter como principal beneficiário um frigorífico do Brasil. A Minerva é a maior exportadora do produto na América do Sul e também lidera os embarques no mercado argentino.
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A Minerva tem capacidade de abate de 5.978 cabeças por dia na Argentina, conforme dados balanço financeiro mais recente da companhia. “Ainda não é oficial, mas [se os EUA seguirem com o plano] favorece bastante a Minerva, que é a maior exportadora de carne bovina da Argentina entre todas as indústrias do país”, disse uma fonte com conhecimento sobre o assunto. Fontes e analistas disseram ao Valor que, caso Trump leva a ideia adiante, ela também teria um efeito positivo indireto sobre as operações de outra empresa brasileira na Argentina, a MBRF.
Trump argumenta que a importação de carne argentina poderia ser uma saída para reduzir os preços do produto nos EUA, mas, na prática, esse efeito seria, na verdade, bastante limitado. Em setembro, os argentinos exportaram 71,3 mil toneladas de carne bovina, das quais 3,9 mil toneladas foram para o mercado americano, informou nesta semana o Consórcio de Exportadores de Carnes Argentinas (ABC).
Para efeito de comparação, mesmo com a sobretaxa de 50%, que entrou em vigor em agosto, o Brasil ainda vem exportando aos EUA quase 10 mil toneladas do produto ao mês, segundo a Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (Abiec). Em julho, último mês antes da sobretaxa, o volume foi de 18,2 mil toneladas.
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“A Argentina não é grande o suficiente para causar um impacto significativo sobre os preços da carne bovina (nos EUA)”, disse Caleb Hurst, analista de proteínas da S&P Global Commodity Insights, em relatório. Segundo Hurst, para fazer a diferença nos preços no mercado interno americano, a quantidade de carne bovina importada teria que ser de pelo menos 200 mil toneladas. A Argentina vende aos EUA menos de 2% disso.
Como os Estados Unidos são dependentes de importações e o Brasil tem grande relevância no fornecimento ao país, uma fonte disse ao Valor que a indústria brasileira segue confiante nas negociações entre os governos para uma possível redução nas tarifas americanas. Procurada, a Abiec não comentou sobre o impacto da relação EUA-Argentina para o Brasil.
O rebanho bovino americano, de cerca de 80 milhões de cabeças, é hoje o menor dos últimos 75 anos, e a oferta enxuta levou os preços no país a patamares recorde. A sobretaxa de 50% sobre produtos do Brasil inviabilizou a exportação de carne aos EUA em grandes volumes, o que acentuou o quadro de aperto de oferta — e de aumento de preços.
Uma fonte, que falou na condição de anonimato, disse que um aumento na demanda americana teria potencial até para reduzir o impacto negativo de 5% sobre a receita que a Minerva esperava ter quando Trump anunciou o tarifaço. A empresa embarca carne aos EUA via Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai.
Leonardo Alencar, head de agro, alimentos e bebidas da XP, ressaltou que a indústria argentina tem alguns aspectos muito diferentes da brasileira. Um deles é o nível de pulverização; vários frigoríficos de porte menor são exportadores. Com isso, afirma ele, a Minerva, de fato, é a maior do país “e deve ser, sim, a maior beneficiária de um eventual aumento de demanda americana por carne argentina”.
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O especialista observa que esse aumento da demanda, por si só, não causaria uma transformação nos embarques argentinos porque o país já é habilitado para vender aos EUA e não tem o mesmo volume disponível que o Brasil teria para exportar. Entretanto, a postura de Trump é mais um fator positivo para os frigoríficos que operam no país vizinho. Recentemente, o presidente argentino, Javier Milei, zerou as tarifas de exportação de diversos produtos agropecuários, incluindo carnes.
No caso da MBRF, o foco da empresa na Argentina é processamento — ela fabrica hambúrgueres e lidera o mercado local com a marca Paty. A companhia tem habilitação para embarcar aos EUA, mas o principal consumidor é o argentino.
“A MBRF é beneficiada indiretamente porque, com um mercado interno mais enxuto (na hipótese de aumento das exportações argentinas), ela pode precificar melhor os processados, que é o foco deles”, comentou Alencar.
Procuradas pelo Valor, Minerva e MBRF não comentaram.