Para o relator de processo aberto por ADI do PCdoB, governo não é obrigado a conceder benefício fiscal a quem exige mais do que a lei O ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), reformulou sua decisão liminar que havia suspendido a aplicação da lei do Estado de Mato Grosso contra a Moratória da Soja e determinou que parte da norma seja aplicada, mas só a partir de janeiro de 2026.
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Pelo novo entendimento, o Estado pode condicionar benefícios fiscais a práticas alinhadas com normas ambientais federais, respeitando acordos privados e a iniciativa privada, mas sem a obrigação de incentivar práticas que vão além da lei. O ministro determinou mais prazo para a entrada em vigor para dar “tempo para que as partes privadas e os agentes públicos possam dialogar”. A liminar foi submetida ao plenário da Corte.
A Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 7774) contra a legislação mato-grossense foi protocolada pelo Partido Comunista do Brasil (PCdoB). A lei restringia incentivos fiscais a empresas que participam de acordos, como a Moratória da Soja. O governo estadual e a Assembleia Legislativa mato-grossense defendem a constitucionalidade da lei, argumentando que ela protege a economia local e se alinha à legislação ambiental federal.
Já organizações como Greenpeace e WWF Brasil se manifestaram sobre a importância da Moratória da Soja para a preservação ambiental. A Associação dos Produtores de Soja e Milho de Mato Grosso (Aprosoja-MT) e a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) também defendem a constitucionalidade da lei estadual.
“Ocorre que a Moratória da Soja, apesar de sua indiscutível relevância para a preservação ambiental, não tem força vinculante sobre a atuação do poder público, que pode fundamentar sua política de incentivos fiscais, em critérios distintos em relação a um acordo privado, desde que conforme a legislação nacional”, destaca o ministro na decisão. Dino, no entanto, manteve a suspensão de parte da lei.
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Segundo o ministro, o Estado não é obrigado a conceder incentivos fiscais ou terrenos públicos a empresas que atuem em desconformidade com o ajustamento aos marcos legais que entraram em vigor após a Moratória da Soja. “O poder público, no caso, deve respeitar a iniciativa privada; mas, por outro lado, o poder público não é obrigado a conceder novos benefícios a empresas que resolvam exigir o que a lei não exige.”
A Moratória da Soja é um acordo privado firmado entre tradings que impede a comercialização da oleaginosa de áreas desmatadas na Amazônia Legal após 2008, mesmo que em dentro da lei.
Na semana passada, em audiência pública no Senado, produtores rurais e tradings agrícolas divergiram sobre o futuro da Moratória. As tradings são favoráveis a um caminho que não seja o fim do acordo nem a continuidade da forma como está. Já os agricultores defenderam a extinção das restrições do acordo.
Em vídeo, o governador de Mato Grosso, Mauro Mendes, disse após a liminar de Dino que “nós iremos penalizar as empresas que não estejam respeitando o Código Florestal brasileiro, fazendo exigências absurdas, muito além daquelas que estão previstas em lei”.
“Não vamos nos cansar de lutar enquanto não acabarmos com a Moratória, porque ela tem promovido desigualdades sociais e regionais e interferido na livre iniciativa dos produtores”, disse Lucas Costa Beber, presidente da Associação dos Produtores de Soja e Milho de Mato Grosso (Aprosoja-MT).
A Federação da Agricultura e Pecuária de Mato Grosso (Famato) afirmou que a decisão garante ao Estado a prerrogativa de “condicionar a concessão de incentivos fiscais e terrenos públicos àquelas empresas que respeitarem a legislação ambiental brasileira”.
Thiago Rocha, advogado especialista em agronegócio, disse que a decisão preserva a separação dos Poderes e a autonomia dos Estados para que possam estruturar sua política fiscal “ao reconhecer que a renúncia tributária é instrumento legítimo de promoção do desenvolvimento econômico e da redução das desigualdades regionais”.
Punição
Após decisão anunciada por Flávio Dino, o governador de Mato Grosso, Mauro Mendes, afirmou nesta segunda-feira (28/4) que o Estado vai penalizar as empresas que fazem exigências acima da lei ambiental para a comercialização de grãos, como a Moratória da Soja, com a retirada de benefícios fiscais.
Em vídeo enviado à reportagem, o governador disse que a decisão é importante para Mato Grosso. “O ministro Flávio Dino decidiu que o Estado de Mato Grosso pode sim cortar incentivos fiscais de empresas que para comercializarem soja com nossos produtores façam exigências acima daquilo que está previsto na lei ambiental brasileira”, disse. “Portanto, nós iremos penalizar as empresas que não estejam respeitando o Código Florestal brasileiro, fazendo exigências absurdas, muito além daquelas que estão previstas em lei”, completou.
Na decisão, Dino diz que a “Moratória da Soja fortaleceu a credibilidade do Brasil no cumprimento de compromissos internacionais de proteção ambiental, reforçando o papel do país como fornecedor de produtos agropecuários sustentáveis no mercado global”. De acordo com o ministro, em um cenário no qual consumidores e investidores “priorizam cadeias produtivas que adotam práticas responsáveis, a moratória se tornou um diferencial competitivo para manter a inserção de produtos brasileiros nos principais mercados internacionais”.
A posição se alinha com o que as tradings agrícolas, que assinaram o acordo em 2006, têm dito. Segundo uma fonte que acompanha o desenrolar do assunto, a preocupação atual das empresas exportadoras é que as exigências aplicadas em quase duas décadas de vigência da moratória não possam ser contestadas judicialmente caso o acordo seja inviabilizado. O receio, diz, seria com pedidos de indenização por parte de produtores que se sentiram prejudicados nesse período.
A Associação Nacional dos Exportadores de Cereais (Anec) e a Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove) ainda não comentaram a decisão.
O governo de Mato Grosso ainda defendeu que a lei pretende resguardar a soberania nacional ao impedir que o Estado conceda incentivos a empresas cujas “práticas comerciais limitem a expansão agropecuária em áreas desprovidas de proteção ambiental específica, evitando a interferência de interesses privados na política pública estadual”.
Mendes apontou ainda que o Estado não impõe óbices à adesão voluntária a acordos privados, como a Moratória da Soja, mas que “não pode ser compelido a formular sua política fiscal de modo a favorecer tais compromissos, sob pena de contrariar normas do ordenamento jurídico nacional”.