
A entrada em vigor das tarifas de 50% dos Estados Unidos sobre produtos brasileiros aumentou a pressão do setor privado sobre o governo federal por soluções para contornar a crise. Empresários e dirigentes de entidades de diferentes segmentos do agronegócio afetados pela taxação americana já reclamam nos bastidores da atuação do Executivo nas tratativas com a Casa Branca e da falta de resultados concretos tanto para tentar reverter o tarifaço quanto para apresentar medidas de socorro aos exportadores.
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Um executivo do setor exportador com trânsito em Brasília disse que a atuação do governo não está gerando resultados. Apesar de sinalizações de importadores americanos sobre a possibilidade de inclusão de mais produtos na lista de exceção ao tarifaço ou alíquotas reduzidas, há erros de condução da parte brasileira, disse.
“O governo tem que pedir. Tem que ser setor por setor. O pedido tem sido muito amplo”, afirmou sob anonimato. “É preciso pegar os setores que os EUA mais precisam agora, como café, carnes, frutas e pescados, e tratar com eles. A atuação não está dando resultados”, concluiu.
Os empresários brasileiros têm mantido contato estreito com os importadores americanos, que veem espaço para alívios nos setores de café e carne bovina. O ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, tem mencionado, em conversas reservadas, que pescados e frutas também podem ser isentos. Ele aposta no efeito inflacionário nos EUA que o tarifaço deve causar para reverter a situação desses segmentos.
Nessa quarta-feira (6/8), o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC) apresentou o chamado “plano de contingência” ao presidente Lula. Mesmo assim, a Fazenda segue calculando o custo da ajuda, que deve mirar empresas específicas afetadas pelo tarifaço, e não setores.
Medidas de apoio
Nos ministérios da área agrícola, a elaboração de medidas de apoio aos exportadores ainda está na fase de conversas. Não há clareza, por exemplo, sobre como serão e quanto custarão as compras governamentais de produtos que deixarão de ser enviados aos EUA. A iniciativa é dada como certa pelo Executivo, mas técnicos do governo e empresas não sabem como vai funcionar.
Fontes afirmam que produtos perecíveis impactados serão incluídos nas compras governamentais, como frutas, mel, pescados e castanhas. Mas há duas preocupações principais.
A primeira é sobre os recursos necessários para fazer a aquisição e distribuição dos produtos. O orçamento de 2025 prevê R$ 1,2 bilhão via Ministério do Desenvolvimento Social, grande parte operacionalizada pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) no Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), e R$ 5,4 bilhões via Ministério da Educação para o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), com ações já planejadas ao longo do ano.
A outra preocupação é com a logística, já que são produtos perecíveis. Fora das compras governamentais atualmente, o setor de pescados encaminhou ofício na terça-feira (5/8) ao Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) para pedir a inclusão dos produtos nos programas de alimentação nacional com aquisição direta do governo federal para garantir o escoamento da produção. O documento não cita o volume de peixes que poderia ser comprado.
“O setor aquícola enfrenta um cenário de iminente colapso, com efeitos diretos sobre mais de um milhão de empregos e em vários municípios brasileiros”, diz a Associação Brasileira das Indústrias de Pescados (Abipesca), no ofício. O documento ainda não foi respondido. O MDA vai encaminhar a demanda à Conab nesta quinta-feira. A produção adquirida pela estatal por meio do PAA é destinada a creches, hospitais, universidades públicas e entidades filantrópicas. “O recurso atual é bem limitado”, alertou uma pessoa a par do assunto.
“A operacionalização da medida ora apresentada é essencial para restabelecer o fluxo de caixa das indústrias exportadoras, evitando a paralisação das atividades, proteger a cadeia produtiva da pesca e da aquicultura, prevenir a judicialização em massa por parte de empresas impossibilitadas de cumprir obrigações financeiras e preservar empregos, renda e a dignidade de comunidades diretamente afetadas”, completa o texto da Abipesca.
Descontentamento
Na segunda-feira (4/8), o presidente-executivo da entidade, Eduardo Lobo, já havia demonstrado o descontentamento com a demora do governo para apresentar medidas práticas para enfrentamento ao tarifaço. “O tempo da gente não é de médio prazo, é de curto prazo. Não adianta o governo ter urgência e a gente não ser socorrido. Tem que ser pra ontem”, afirmou a jornalistas após participar da reunião do Comitê Interministerial de Negociação e Contramedidas Econômicas e Comerciais.
“A reunião foi o mais do mesmo. Para o setor produtivo não veio nenhuma medida eficaz (…) É muito frustrante momentaneamente”, disse.
Produtores e exportadores de mel também não sabem como a demanda por compras governamentais será atendida. “Ainda não ficou claro para nós como vai funcionar. Do ponto de vista de evolução das discussões, não tivemos nada de prático ainda”, disse Renato Azevedo, presidente da Associação Brasileira dos Exportadores de Mel (Abemel). Enquanto isso, a entidade intensifica contato com os importares americanos para tentar reverter o tarifaço.
“Estamos entrando em contato com nossos parceiros comerciais nos EUA para tentar, por meio do Congresso americano, uma redução na tarifação do mel brasileiro, visto que ele é primordialmente orgânico e a produção de mel orgânico nos EUA não atende à demanda deles”, explicou Azevedo.
Setor de café
O setor cafeeiro aposta na atuação junto aos pares dos EUA, trades, importadoras e redes de cafeteria para tentar incluir o café brasileiro em uma lista de isenção da taxação, já que se trata de um produto que os americanos não cultivam em escala para atender o mercado interno. O país é o maior consumidor mundial do grão, com demanda estimada de 24 milhões de sacas ao ano.
“Na eventualidade disso não ocorrer, seguiremos trabalhando para que o café entre na lista de isenções do Brasil, sendo excluído da taxação adicional de 40% e passando a ser tributado com os 10% do primeiro anúncio, em abril, o que colocaria o país em condições de igualdade ou até mesmo em vantagem na comparação com os principais concorrentes fornecedores aos EUA. Temos expectativa positiva e mantemos a esperança para que um dos cenários supracitados aconteça”, disse o diretor-geral do Conselho Nacional dos Exportadores de Café (Cecafé), Marcos Matos, em nota.
A Associação Brasileira da Indústria de Café Solúvel (ABICS alerta que o tarifaço “representa um desafio significativo e sem precedentes para a competitividade” produto nacional no mercado americano. A entidade disse, em nota, que “intensificou os esforços de diálogo e negociação” com os EUA.
“Nosso objetivo primordial é buscar a reversão desta medida ou, no mínimo, garantir a isenção de tarifas para todos os cafés do Brasil, tanto em suas formas in natura quanto industrializadas”, apontou Aguinaldo Lima, diretor-executivo.
Frutas em bebidas
Em outra frente, o Ministério da Agricultura analisa a possibilidade de aumentar teores mínimos de adição de suco de frutas em bebidas, como sucos envasados, refrigerantes e refrescos. Internamente, técnicos apontam dificuldades de implementar a iniciativa no curto prazo, para absorver produtos que deixarão de ser exportados, já que as indústrias têm suas formulações e programação de compra de matéria-prima e produção.
A Associação Brasileira das Indústrias de Refrigerantes e de Bebidas não Alcoólicas (Abir) afirmou, em nota à reportagem, que entende a complexidade do momento e a importância de avaliação de alternativas, mas ressalta que, até o momento, não houve consulta formal do Executivo sobre ajustes em percentuais mínimos de fruta em determinadas categorias de bebidas.