
Análise do consultor Carlos Cogo contratada pela Kepler Weber indica que preço da soja subiu 16% na última entressafra Para muitos especialistas, o déficit de armazenagem deixa o produtor refém dos preços de mercado. Segundo a lógica desses observadores, sem uma estrutura para guardar sua produção, o agricultor obriga-se a vender seus grãos no momento em que colhe. Nas discussões sobre o tema, a abordagem costuma ser a de que se trata, essencialmente, de um problema de rentabilidade para o campo, mas um levantamento da Cogo Consultoria mostra que a comercialização em períodos de colheita provoca também um aumento de preços para o consumidor final.
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A pedido da Kepler Weber, que oferece silos e sistemas pós colheita, o consultor Carlos Cogo relacionou o fluxo de vendas da soja e do arroz à inflação em 2024. No pico da comercialização de soja, em abril, por exemplo, quando 15,9% da safra foi negociada, os valores pagos aos produtores recuaram 5,9%. Já na entressafra passada, em outubro, quando apenas 4,4% da produção tinha sido negociada, os preços subiram 16%.
“Essa variação de preços causa a inflação. É melhor que um produto seja vendido a R$ 4 por vários meses do que R$ 3,50 em um mês e saltar para R$ 5 no outro. Nesse exemplo, só nessa diferença, os preços subiram mais de 42%”, afirma o consultor.
No levantamento, ele usou a soja, por ser o produto mais importante do agronegócio nacional e por influenciar o preço das carnes, e também o arroz, cereal consumido diretamente pelos brasileiros. Em nove anos, ele comprovou que um indicador hipotético base 100 caiu abaixo desse patamar sempre entre março e junho, quando ocorre a colheita, e subiu para ambas as culturas de julho a fevereiro.
“A estabilidade é a garantia de abastecimento para a população. É claro que não estou dizendo que a armazenagem seja o único fator de inflação, mas tem um peso considerável”, completa Cogo.
Em 2024, a inflação foi de 4,83%. Já os preços dos alimentos subiram 7,69%, com destaque para café (39,60%) e carnes (20,84%).
Para o economista André Braz, coordenador de Índices de Preços na Fundação Getulio Vargas (FGV) e um dos principais especialistas em inflação do país, a escassez de alimentos é responsável por uma inflação que não pode ser combatida pelas ferramentas tradicionais da política monetária, como alta dos juros.
Entretanto, o economista diz ter dúvida sobre se incentivar a armazenagem seria uma ferramenta ideal para manter os preços. “Individualmente para o produtor, ter um silo pode ser uma ferramenta de ganho e controle de fluxo financeiro. Para o setor como um todo, pode ser um desincentivo ao plantio, se os estoques se mantiverem altos”, avalia.
No passado, uma política governamental de controle de estoques desestruturou alguns mercados. Enquanto os produtores faziam seus cálculos de custos de produção e a correlação com vendas futuras, ações governamentais colocavam produtos no mercado e reduziam os preços imediatamente. “Não estou dizendo que é ruim, apenas que isso desequilibra o mercado. Por exemplo, em uma cultura perene e longa como o café, cujos preços estão altos, é natural que agora o produtor invista e aumente sua produção. Se o mercado fosse inundado por estoques públicos agora, o cafeicultor iria investir? Quais culturas merecem então um estoque estratégico? É difícil dizer”, afirma Bráz.
Para o produtor, um silo na fazenda é garantia de controle de preços. Nos EUA, 66% dos agricultores têm sistema de armazenagem, e, no Brasil, a fatia não ultrapassa 17%. Para o agro como um todo, o déficit de armazenagem é avaliado entre 118 milhões e 125 milhões de toneladas, a depender da fonte. A Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq) calcula que esteja em 124 milhões de toneladas.
“A safra cresceu 4,8% ao ano nos últimos dez anos, enquanto a capacidade estática de guardar alimentos, 2,6% ao ano”, lembra o consultor Carlos Cogo. A falta de armazenagem adequada também cria picos de demanda no frete rodoviário, o que pressiona mais uma vez os preços para o consumidor final, concordam Cogo e Bráz.
Bernardo Nogueira, CEO da Kepler Weber, afirma que o déficit causa problema em toda a cadeia, por exemplo, criando dificuldades para as indústrias de etanol conseguirem fazer previsões para os preços do milho. Porém, o gargalo principal é nas fazendas. “Ao longo dos anos, o produtor brasileiro investiu em terras e maquinário operacional. Agora, vemos que a armazenagem está recebendo atenção, como ocorreu nos EUA”, avalia o executivo.