A multinacional Sumitomo Chemical lançou três fungicidas entre 2020e 2024 no mercado mundial. Até 2030, planeja lançar ao menos mais dois. O trabalho que origina esses produtos começa na mente de profissionais como Yuichi Matsuzaki, pesquisador sênior do Laboratório de Pesquisa Agro & Life Solutions da empresa no Japão.
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Doutor pela Universidade de Tóquio, ele estuda produtos com novos mecanismos de ação e maneiras de combate à resistência nas lavouras. Nos últimos cinco anos, publicou 16 artigos científicos sobre esses assuntos
Matsuzaki esteve no Brasil para participar de um encontro promovido pela Sumitomo com técnicos e pesquisadores. Em entrevista exclusiva à Globo Rural, falou sobre a situação atual e o futuro do desenvolvimento de novas tecnologias de controle de doenças causadas por fungos. “Podemos mitigar os danos causados por doenças fúngicas, mas não acho que possamos erradicá-las ou eliminá-las completamente.”
Globo Rural: Qual a sua impressão sobre a agricultura brasileira?
Yuichi Matsuzaki: É bastante dinâmica e vasta. Muito diferente da agricultura japonesa, europeia e americana. O tamanho da área é grande e, ao mesmo tempo, com muita variedade, diferente de região para região. Os agricultores são avançados e abertos a aceitar novas tecnologias. E as pessoas são simpáticas. Eu gosto deste país.
GR: Por que você decidiu estudar fungos e fungicidas? O que chamou sua atenção?
Matsuzaki: Quando eu era estudante, meu maior interesse era o melhoramento genético. E um dos tópicos do melhoramento genético é a resistência a doenças em plantas. E o maior problema eram os fungos.
Então, eu me interessei cientificamente pela resistência a fungicidas e comecei a trabalhar nisso. Minha esperança era utilizar meu conhecimento com tecnologias aplicadas, não apenas para publicar pesquisas. Então, a descoberta de fungicidas é um trabalho ideal para mim.
GR: Como você classificaria os fungos como vetores de doenças na agricultura? São mais ameaçadores que vírus e bactérias?
Matsuzaki: Para as plantas, sim. Na área de patologia vegetal, costumase dizer que 80% das doenças são causadas por fungos, 10% por vírus e 10% por bactérias. Os fungos são os mais importantes da nossa lista. Bactérias preferem temperaturas mais altas, 30°C, por volta disso.
Mas os fungos preferem temperaturas de 20°C. E se espalham mais facilmente com o vento. São um risco grande para a produção agrícola.
GR: Quais são as principais doenças fúngicas que afetam a agricultura e as culturas mais vulneráveis?
Matsuzaki: Há algumas muito perigosas. Uma delas é a ferrugem, incluindo a ferrugem da soja. A ferrugem é bastante prejudicial e silenciosa. E fácil de se espalhar
GR: Você acredita que a ciência tem potencial para encontrar uma maneira de erradicar essas doenças?
Matsuzaki: Podemos mitigar os danos, mas não acho que possamos erradicá-las ou eliminá-las. A luta contra microrganismos é bastante dura. E nós, cientistas, estamos sempre pensando em como vencê-los.
Há uma coisa importante: inovar, criar novas moléculas para combater as mutações emergentes. É inevitável porque são organismos e podem evoluir sua natureza. Então, nossa luta continuará
GR: As mutações são um processo natural, mas parece que foram aceleradas. Foi só pelo uso da tecnologia ou há outro fator, como as mudanças climáticas?
Matsuzaki: Não tenho uma resposta muito clara para a mudança climática, mas, por exemplo, em nosso país, o inverno está ficando mais quente. Isso aumenta a população (de patógenos), aumentando o risco de uma mutação. Dessa perspectiva, um inverno mais quente pode causar maior risco de resistência.
Da mesma forma, reduzir a população de patógenos é importante. Não devemos confiar apenas em fungicidas, mas em outras medidas, como a rotação de culturas. Todas as medidas devem ser combinadas para reduzir a resistência dos patógenos.
GR: Você disse que inovação é fundamental. Onde ela está: nas grandes empresas, nas startups de tecnologia ou na combinação das duas?
Matsuzaki: Para produtos químicos, as grandes empresas têm vantagem, devido ao conhecimento acumulado para o design de compostos. Nos biológicos, a história é um pouco diferente. Existem muitas startups com produtos interessantes. Também estamos trabalhando na descoberta de biológicos, mas as startups ainda vão bem.
GR: Como deve ser a integração entre produtos químicos e biológicos nas plantações?
Matsuzaki: Estamos sempre tentando combinar diferentes tecnologias. Se olharmos para a história dos produtos químicos, muitos derivam de substâncias naturais e pesquisas sobre isso. Então, não é uma história nova. Mas, ainda assim, algum novo tipo de colaboração ou combinação de diferentes áreas científicas é, sim, interessante.
GR: Você acredita que, em algum momento, biológicos substituirão os químicos?
Matsuzaki: Talvez eles coexistam. Portanto, os biológicos não substituirão os químicos. Talvez eles estejam chegando e possam aumentar sua participação, mas os químicos continuarão.
GR: E como essa combinação entre químicos e biológicos faz parte do seu trabalho atualmente?
Matsuzaki: Trabalho principalmente com produtos químicos, mas um dos tópicos mais importantes é a compatibilidade com biológicos. Alguns químicos são tóxicos para alguns biológicos, mas outros não. Então, é importante identificar tal propriedade do nosso produto.
O número de produtos biológicos está aumentando, e estamos de olho. Precisamos considerar essas coisas. Alguns possuem espectro muito amplo e não são compatíveis com algum produto biológico, mas alguns podem ser.
GR: Como a indústria química está lidando com as crescentes demandas dos mercados por sustentabilidade e eficiência na produção?
Matsuzaki: Meu papel é gerar novas moléculas úteis para os agricultores. Talvez seja uma pergunta um pouco grande demais para mim. Mas, pelo menos, começamos a atender a diversas solicitações dos produtores.
Começamos a trabalhar com biológicos e diferentes tipos de produtos químicos. Então, de qualquer forma, tento atender às necessidades dos produtores e também da sociedade. É baseado na nossa filosofia, que não mudará: beneficiar a nós mesmos e a sociedade.
GR: Qual é o futuro dos fungicidas? Quanto você acredita que ainda há a ser explorado nessa área?
Matsuzaki: A resistência a fungicidas se tornará cada vez mais importante. Os fungos estão se tornando mais resistentes aos produtos químicos existentes.
Portanto, renovar produtos é muito importante, e nossa descoberta de fungicidas é necessária, eu acredito. E a chave será a eficácia contra patógenos resistentes que já foram desenvolvidos.
GR: Você disse que desenvolver uma nova molécula leva cerca de dez anos e demanda investimentos de US$ 300 milhões. Novas tecnologias, como robótica e inteligência artificial, podem reduzir esse tempo e ser mais econômicas?
Matsuzaki: Depende da tecnologia. Estamos testando se são eficazes ou não. Para a IA, até agora, isso não tem sido tão eficaz, mas pode melhorar. O mesmo vale para outras tecnologias.
Em termos de anos necessários para o desenvolvimento, isso não mudará facilmente, porque se deve principalmente ao processo regulatório da pesquisa sobre segurança, que talvez não mude. Mas, em termos de custo, pode ter uma influência, assim como na eficácia do produto final.
GR: Além de robótica e inteligência artificial, quais tecnologias serão integradas na pesquisa e desenvolvimento de fungicidas agora e no futuro?
Matsuzaki: Cada vez mais pessoas estão falando sobre IA, semelhante a outras áreas da ciência.E talvez se torne mais importante até mesmo para a descoberta de fungicidas. É uma possibilidade.
E, também, na minha opinião, a colaboração entre diferentes equipes, até mesmo entre diferentes empresas, pode se tornar importante, porque tais tentativas foram iniciadas na área farmacêutica, e eles trocam tecnologias e ideias. Tal situação pode acontecer em um futuro próximo. Desculpe por não falar sobre um tipo específico de tecnologia, mas essa estrutura pode mudar.
GR: E como as mudanças climáticas interferem no desenvolvimento de fungicidas?
Matsuzaki: As mudanças climáticas resultarão em mudanças nos diferentes tipos de patógenos. Temos dez anos de desenvolvimento em nossa pesquisa. Então, a situação pode mudar rapidamente, o que representa um risco.
O importante é aprimorar as informações em cada região, em cada país, o mais rápido possível, e fornecer feedback para nossa pesquisa. Mas é verdade que mudanças podem causar algumas dificuldades para nossos negócios e pesquisas.
GR: Qual é a importância da educação sobre o uso de um produto? Educação para o agrônomo para dar a receita correta, para o agricultor aplicá-lo corretamente e manter sua eficiência?
Matsuzaki: Tais mensagens sobre as tecnologias são muito importantes. Tivemos uma reunião com pesquisadores locais, nossos colaboradores, e envolver essas pessoas é muito importante para nós. E estamos nos esforçando para essa colaboração, para que possamos levar nossas vozes a cada agricultor, a cada grupo de produtores.
GR: Como pesquisador, qual é a mensagem que você envia para os agricultores em geral, e os brasileiros, especificamente,sobre produção e uso sustentável e eficiente de tecnologias na agricultura?
Matsuzaki: Para ser honesto, nunca pensei sobre um tópico tão amplo. Mas não acho que os pesquisadores sejam tão importantes. Quando pensamos na história, não apenas na agricultura, percebemos que as inovações também são feitas por pessoas comuns. Neste caso, os produtores rurais. E, especialmente no Brasil, eles estão sempre aceitando novas tecnologias. Diferentemente do Japão, onde os agricultores não aceitam facilmente.
Os pesquisadores estão sempre observando o que os agricultores e os formuladores de políticas estão fazendo. Estamos conectados.Não acho que os pesquisadores sejam tão importantes, mas é claro que em certas áreas, como desenvolvimento de novas tecnologias, eles estão acompanhando.Sob alguns aspectos, estamos trabalhando uns com os outros.