Há 20 anos, o Brasil aderiu à Convenção-Quadro para o Controle do Uso do Tabaco, política de controle do tabagismo implementada pela Organização Mundial da Saúde (OMS), seguida atualmente por outros 182 países. No final do ano, o Brasil deve voltar a se posicionar sobre o tema na 11ª Conferência das Partes (COP 11), em Genebra, na Suíça.
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No ano passado, a produção de tabaco, concentrada na região sul do país, rendeu R$ 14,3 bilhões às 138 mil famílias produtoras, segundo dados da Associação dos Fumicultores do Brasil (Afubra), que tem 92 mil famílias associadas. A área plantada no Rio Grande do Sul, que responde por 43%, Santa Catarina (30%) e Paraná (27%) é de cerca de 284 mil hectares, mas há cultivos também na Bahia para a produção de charutos.
Três fatores principais garantem a permanência dos agricultores no tabaco, segundo diversas fontes ouvidas pela reportagem. A renda é bem maior que a de outras culturas porque 90% da produção é exportada, e o Brasil é o maior exportador do mundo. A maioria dos produtores tem contrato antecipado de compra com as indústrias e recebe os insumos e assistência técnica.
As áreas de cultivo geralmente são pequenas, pertencem a agricultores cujas famílias têm tradição centenária no fumo e possuem aclive acentuado, o que as inviabiliza para a produção mecanizada de grãos.
Tradição e contrato
Clécio Leindecker, de 52 anos, planta 3,5 hectares de tabaco em Vale Verde, cidade gaúcha da região de Venâncio Aires onde 80% dos agricultores têm essa cultura como carro-chefe. Ele diz que se criou no fumo, ajudando a família desde que tinha dez anos.
Por ano, de outubro a dezembro, ele e a esposa, Analete, colhem cerca de 620 arrobas para secar e entregar à Philips Morris, em Santa Cruz do Sul, a 40 km. O plantio ocorre geralmente entre maio e agosto, e a comercialização com as indústrias vai até abril do ano seguinte.
“Para quem tem pouca terra como a gente, o fumo é a opção. As indústrias cedem as mudas, o adubo e os venenos, e depois descontam no valor da produção. Em outras culturas eu não conseguiria ter o lucro que tenho com o tabaco.”
Leindecker diz que a falta de mão de obra para o trabalho na lavoura atrapalha, mas houve muitos avanços desde que ele era criança, como a troca dos arados a boi pelo trator e o uso de estufa elétrica para secagem das folhas.
O casal adquiriu uma estufa elétrica de R$ 170 mil financiada pela indústria em dez anos sem juros com o compromisso de vender seu produto apenas para a empresa. Antes, com a estufa comum, eles precisavam de três ou quatro empregados para a secagem e pagavam cerca de R$ 20 mil pelo trabalho.
Secagem de tabaco em estufa elétrica
Divulgação
A colheita, no entanto, permanece manual e tem seus riscos se o agricultor não usar os EPIs (Equipamentos de Proteção Individual), especialmente durante a chuva, o que expõe o agricultor à doença das folhas provocada pelo contato com a nicotina das folhas molhadas.
“A indústria me apertou para usar os equipamentos e fiscaliza o uso, especialmente na aplicação de veneno. Ando com botas, luvas, vestimentas e nunca colho fumo na chuva”, diz o agricultor, acrescentando que o trabalho com tabaco nunca lhe fez mal e que seus médicos até se assustam com o ótimo resultado de seus exames.
Outra mudança que ajudou, diz, é a lei gaúcha que entrou em vigor há duas safras que obriga as indústrias a fazer a classificação do fumo no galpão das propriedades agrícolas. Assim, se não concordar com a classificação, o agricultor pode esperar uma oferta melhor.
Além do tabaco, Leindecker planta batata doce, verduras, mandioca e feijão e cria porcos para a alimentação da família. A filha de 18 anos já sinalizou que não quer continuar a tradição do tabaco. A segunda filha de cinco anos também não vai para a roça.
“Minha geração será a última da família no fumo. Não há financiamento do governo para o tabaco, nem incentivos para continuar.”
Diversificação
Delesia Amara Schwengber, mais conhecida como Mara, é produtora de tabaco em Passo do Sobrado (RS) desde 1996, quando ela e o marido, João Valdeci Kroth, decidiram voltar para a roça e para a cultura onde foram criados, visando dar um futuro melhor para o filho recém-nascido.
Dez anos depois, no entanto, ela decidiu diversificar e investir também na produção de flores, ao se apaixonar por bromélias que viu na novela Rei do Gado, da TV Globo. Instalou uma estufa, ganhou uma coleção de plantas de um antigo colecionador e, em 2009, agregou suculentas à produção.
Ela conta que teve apoio da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Rio Grande do Sul (Emater-RS) e até da indústria de tabaco. Atualmente, as flores representam 40% da renda da família, que cultiva 40 mil pés de tabaco e tem contrato com a Japan Tobacco International (JTI), de Santa Cruz do Sul.
Com a ajuda do filho, que também tem sua própria lavoura de tabaco, o casal colhe uma vez por semana, nunca na chuva, usa EPIs e estufa convencional, mas já avalia proposta da indústria para financiar uma estufa elétrica. Mara diz que eles usam muito pouco defensivo na cultura e também plantam mandioca e verduras e criam galinhas e vacas de leite para alimentar a família.
Acompanhamento
Marinês Bock, extensionista da Emater-RS, diz que, desde a assinatura da Convenção Quadro em 2005, um dos focos do trabalho com os produtores de tabaco é a diversificação das propriedades para a produção de alimentos.
“Grande parte dos agricultores de fumo que recebem assistência da Emater tem alguma diversificação. Incentivamos a produção para o consumo e também para venda nas feiras e mercadinhos locais. Em Santa Cruz, por exemplo, há dez feiras para venda direta de alimentos aos consumidores.”
Filha de fumicultor que migrou para o arroz e soja, ela diz que houve uma queda grande no número de famílias que plantam tabaco na região Sul desde a safra 2005/2006, quando havia 192 mil e uma área plantada de 417.420 hectares.
Com experiência de 27 anos na assistência aos produtores, Marinês ressalta que eles não ficam na atividade porque gostam e sim porque é uma alternativa muito boa de renda para o pequeno espaço que têm para cultivar. Em trabalho realizado em 2023 pelo Centro de Estudos e Pesquisas em Administração da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), 87,4% escolheram esse motivo como o principal para se manter na atividade, seguido pela garantia de venda.
“Eles têm uma dependência intangível das indústrias. Não conseguem ver outras alternativas porque não precisam procurar o mercado ou buscar insumos.”