
Com raízes na região da Quarta Colônia, no centro do Rio Grande do Sul, o Grupo Ceolin tem reforçado sua presença na Argentina, iniciada há mais de três décadas, diante das mudanças econômicas e aberturas comerciais do presidente Javier Milei.
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A empresa familiar investiu nos últimos anos em uma robusta infraestrutura própria de armazenagem, irrigação e logística para sustentar sua produção de arroz, que hoje cobre 5,5 mil hectares em território argentino, de um total de 12 mil hectares em terras próprias — mais que o dobro do território cultivado no Brasil. O grupo mantém quatro moinhos de arroz em operação no país.
A decisão de investir além das fronteiras foi tomada nos anos 1990, quando o Mercosul ainda era uma promessa de integração. Naquele momento, o bloco oferecia uma janela de oportunidade. “Nossa empresa já estava estruturada no Rio Grande do Sul, mas vimos na Argentina a chance de diversificar e crescer. Era quase uma extensão natural da nossa atuação”, conta um dos fundadores, Antonio Ceolin.
A aposta começou a se concretizar em 1994, quando o grupo ergueu os primeiros silos e secadoras na cidade de Mercedes, na província de Corrientes — região estratégica para o cultivo de arroz irrigado. “Com 30 sacos de arroz compramos um hectare. Nos criticaram, mas terra boa a gente não faz, tem que comprar”, lembra o empresário.
Durante a visita da reportagem à planta de Mercedes, os executivos compartilharam a trajetória da expansão em meio ao frio seco do inverno argentino e ao brilho suave do sol sobre vastos campos vazios, típicos da entressafra. Os arrozais, adormecidos até o próximo plantio, davam a exata dimensão da escala da operação — áreas extensas que se perdem no horizonte.
A primeira safra comercial só foi possível após a construção de represas e o financiamento junto ao Banco de Entre Ríos. Vieram os sistemas de irrigação, os pivôs centrais e os secadores — boa parte adquiridos da brasileira Kepler Weber. Hoje, são 18 silos e capacidade anual de armazenagem de 1,2 milhão de sacas de arroz na Argentina (cerca de 60 mil toneladas).
A planta de Mercedes, uma das maiores da região em capacidade instalada, abastece tanto o mercado interno quanto as exportações. A experiência binacional, construída ao longo dos anos, também permite ao grupo integrar cadeias logísticas, adaptar-se às demandas locais e compartilhar inovação entre as operações dos dois países.
Apesar das dificuldades macroeconômicas que marcaram o país vizinho — como inflação de três dígitos, escassez de insumos e volatilidade cambial —, a Ceolin manteve sua estratégia de longo prazo. “Teve época em que exportávamos arroz a US$ 300 a tonelada e recebíamos em pesos a uma taxa três vezes menor do que o dólar do mercado. Era insustentável”, diz Antonio Ceolin.
Ainda assim, a empresa persistiu, reforçou práticas de agricultura de precisão, expandiu sua atuação na pecuária e acredita que o novo ciclo da economia argentina pode abrir novas perspectivas. “O Milei fez o que tinha que ser feito. Agora esperamos que tenha tempo hábil para reorganizar o país. A Argentina é um gigante agrícola adormecido”, afirma Estevão Ceolin, representante da nova geração da família.
A atuação nos dois lados da fronteira reforça a visão de integração regional que norteia o grupo desde sua fundação. Além das atividades arrozeiras, a Ceolin mantém operações na Bahia com soja, algodão e pecuária. São cerca de 26 mil cabeças de gado e foco crescente em silagem para alimentação animal. A receita anual do grupo gira em torno de R$ 400 milhões. “A gente começou pequeno, ali na Quarta Colônia, com os pés no barro. Mas sempre tivemos visão. E isso não muda: o futuro do agro é cada vez mais regional, conectado e resiliente”, resume o fundador.
*A jornalista viajou a convite da Kepler Weber.