
Rede de 56 pesquisadores estuda plantios de grão-de-bico e de batata-doce para futuros cultivos fora da Terra com o objetivo de atender as missões Artemis Numa sala do Instituto de Química da Universidade de São Paulo (USP), pesquisadores estão acompanhando com atenção o desenvolvimento de uma experiência que busca desvendar como será, um dia, a agricultura na Lua. Usando uma material que simula o regolito lunar (termo para definir o solo inerte da Lua ou de Marte, por exemplo) sementes de grão-de-bico estão germinando em uma incumbadora, com temperatura, umidade e luz controladas. O regolito recebeu uma dose de vermiculita, mineral muito usado na agricultura para melhorar o solo.
Uma câmera Go Pro registra, 24 horas por dia, o que se passa nas bandejas onde crescem as plantinhas. Na bandeja onde as sementes foram plantadas em simulante de regolito sem nenhum aditivo, as plantas — como era de se esperar — estão mais preguiçosas.
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A experiência da sala de cultivos na USP é uma das que estão sendo conduzidas por uma rede de 56 pesquisadores de 22 instituições (18 delas no Brasil), sob coordenação da Embrapa. E que tem como objetivo responder a uma pergunta-chave para o ambicioso projeto Artemis, dos EUA, de construir uma base na Lua e usá-la como plataforma para a primeira expedição tripulada para Marte. Como alimentar os astronautas que se aventurarem nessas futuras missões?
A rede de pesquisas tem o nome de Space Farming Brazil e, além da Embrapa, reúne cientistas do Inpe, ITA, o IEA, USP, Universidade Federal de Lavras — e de quatro instituições estrangeiras, nos EUA e na Austrália. Duas culturas são tratadas como prioridade pela rede neste primeiro momento: grão-de-bico e batata-doce.
EUA, Itália, Espanha, Japão são alguns dos outros países que fazem pesquisas com agricultura espacial. O Brasil está nessa corrida impulsionado pela larga experiência em pesquisas no campo e pelo seu papel como uma das maiores potências mundiais da produção de alimentos.
Em outubro, Embrapa, Agência Espacial Brasileira, Ministério da Ciência e outros órgãos realizam em São José dos Campos, o 1º Simpósio Internacional de Agricultura Espacial.
As pesquisas com novas técnicas e com cultivares que se sejam resistentes a ambientes hostis fora da Terra devem também produzir respostas muito práticas para necessidades de cultivo aqui na Terra.
“Qual é o objetivo do projeto em si? É o desenvolvimento de produtos, processos, tecnologias, para cultivo em ambientes fechados e em ambientes desafiadores, em ambientes extremos, que pode ser tanto fora do planeta como no nosso planeta”, diz a coordenadora da rede Space Farming, a engenheira agrônoma e pesquisadora da Embrapa Pecuária Sudeste Alessandra Pereira Fávero.
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“Poderemos ter plantas que precisem menos de água, que sejam mais tolerantes à seca, que aguentam temperaturas maiores. Tudo isso relacionado com as mudanças climáticas que estamos vendo na Terra”, diz ela. “A nossa previsão é que teremos resultados para a Terra antes de as plantas irem para o espaço.”
Na USP, Douglas Galante, professor do Instituto de Geociências, lembra que para a premissa da missão Artemis será indispensável produzir alimentos fora da Terra.
Hoje, o transporte de 1 quilo de qualquer material para a Lua custa aproximadamente US$ 1 milhão.
Lavouras em estufas de verduras, legumes e frutas seriam a solução para manter astronautas nas futuras bases. Alguns pesquisadores já discutem também a possibilidade de “imprimir” carne sintética em uma futura base no espaço. Mas no momento, muito do esforço dos pesquisadores está centrado em como seria a agricultura lunar e marciana.
“O regolito lunar tem uma série de problemáticas. Faltam nutrientes, tem uma alta compactação, quando você rega, ele forma um tijolo e impede a germinação, impede o crescimento da planta. Mas a questão principal é a falta de nutrientes”, diz Douglas Galante, professor do Instituto de Geociências da USP. Ele e o professor Carlos Hotta, do Instituto de Química, estão envolvidos em pesquisas sobre agricultura espacial e fazem parte da rede Space Farming.
Outro desafio óbvio para cultivos na Lua é água. Por isso, os cientistas americanos por trás do Artemis miram uma região onde acredita-se haver água congelada.
“As pesquisas feitas aqui têm como meta desenvolver metodologias biotecnológicas, ou seja, uso de microrganismos para melhorar esse regolito e transformá-lo em algo cultivável. E o que a gente está fazendo é testar exatamente essas etapas de plantio e de germinação”, diz Galante, sobre a pesquisa com o biólogo e mestrando Lucas Godinho.
“Conduzir experimentos com plantas e microrganismos do Brasil, voltados para a agricultura espacial, é um desafio fascinante
No Rio, um teste em regolito lunar simulado foi feito em 2024 em um estufa compacta, a única em operação no país do mesmo modelo usado na Nasa (agência espacial americana), em pesquisa na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UniRio) com três espécies de plantas alimentícias não convencionais. A próxima etapa da pesquisa da doutoranda Jessica Carneiro, que tem a professora Camila Patreze como uma das orientadoras, será com plantio de batata-doce da Embrapa.
“Conduzir experimentos com plantas e microrganismos do Brasil, voltados para a agricultura espacial, é um desafio fascinante com potencial para beneficiar de forma sustentável a agricultura em nosso planeta”, diz Camila.
O envolvimento da Embrapa com agricultura espacial e a constituição da rede Space Farming veio após o Brasil passar a ser, em 2021, um dos signatário dos chamados Acordos Artemis.
Trata-se de uma lista de compromissos relacionados ao uso pacífico e sustentável de tecnologias e pesquisas espaciais, que tem mais de 50 países-signatários. É uma iniciativa liderada pelos EUA. Já o Projeto Artemis visa os voos para Lua e de lá para Marte. O Brasil não tem, por ora, nenhum acordo formal com a Nasa, para participar da planejada nova epopeia espacial americana. Mas as pesquisas da Space Farming poderão ser contribuições valiosas para as futuras missões.
O financiamento para apoiar as pesquisas ainda está sendo estruturado. “Estamos investindo na rede, inicialmente, pouca coisa, R$ 1 milhão, mas temos um pedido, em consideração de R$ 15 milhões, para essa fase inicial, ao Ministério de Ciência e Tecnologia” diz Marco Antonio Chamon, presidente da Agência Espacial Brasileira.