Ademiro Vian criticou a “farra” com o uso das CPRs atualmente e indicou a necessidade de maior controle desses títulos As Cédulas de Produto Rural (CPR) beiram os R$ 500 bilhões em estoque atualmente e devem representar outros R$ 200 bilhões em novos empréstimos no próximo Plano Safra 25/26, de acordo com as previsões do governo federal. Mais versátil e com peso cada vez maior no financiamento de médios e grandes produtores, já que o direcionamento de recursos controlados está focada na agricultura familiar, os títulos precisam de uma nova regulamentação, defendeu Ademiro Vian, ex-diretor da Federação Brasileira de Bancos (Febraban)e consultor em finanças do agronegócio.
Initial plugin text
Ele criticou a “farra” com o uso das CPRs atualmente e indicou a necessidade de maior controle desses títulos para focar os financiamentos no setor primário.
Segundo Vian, não há um padrão de dados dos registros desses títulos e há vários financiamentos feitos para outros elos da cadeia, como indústrias, e não para a agricultores e pecuaristas.
“É inacreditável a base de dados de CPR das registradoras, como não existe padrão de registros, cada uma faz o que entende ser o correto. Tem CPR de algodão registrada em quilo, em arroba, em tonelada. Faltam dados para saber se realmente aquela CPR é real, falta controle geral. A CPR virou festa. Tem CPR de cotonete de algodão, de empresa siderúrgica”, afirmou ao Valor.
Ele defendeu maior regulamentação dos títulos para conseguir fazer com que o recurso canalizado para as CPRs chegue, de fato, aos produtores rurais. Os títulos passaram a ser computados pelo governo no montante total do Plano Safra. Em 2025/26, a expectativa da equipe econômica é que sejam aplicados R$ 200 bilhões em financiamento por meio dessas cédulas a partir de valores captados com a emissão de Letras de Crédito do Agronegócio (LCAs).
“Se não houver regulamentação no sentido de trazer a CPR para as origens, não tem como sustentar o discurso de ser uma das principais fontes de financiamento do crédito rural. Que não tem nada de crédito rural. Os bancos transformaram as CPRs em um papel de captação com a ajuda do Ministério da Agricultura”, criticou.
De acordo com o boletim de Finanças Privadas do Agro mais recente elaborado pelo Ministério da Agricultura, o estoque de CPRs emitidas no país chegou a R$ 498,9 bilhões em maio deste ano.
Apenas nesta safra, de julho de 2024 a maio de 2025, foram R$ 366,6 bilhões em novas emissões, alta de 50% em relação ao patamar da temporada passada (R$ 244,4 bilhões).
A lista de atividades e produtos financiados pelas CPRs inclui desde os itens tradicionais, como grãos (arroz, café, soja, milho), frutas (açaí, banana, manga, uva), hortaliças (alho, batata, cebola) e produção animal (boi, frango, suíno) até insumos, serviços e produtos processados.
Há, por exemplo, registro de CPR para financiamento de água de coco, água mineral, barras de proteína, bolacha, calçados, fralda de papel, fragrâncias, papel higiênico, removedor de esmalte e vela de cera vegetal.
De acordo com o Banco Central, a maior parte das CPRs emitidas são em favor do mercado financeiro, ou seja, sem vínculo com o direcionamento das LCAs. Até abril, revelou o BC, eram R$ 150,5 bilhões em títulos emitidos por produtores e financiados por instituições financeiras e outros R$ 180,9 bilhões emitidas em favor do mercado de capitais.
Recursos controlados
Os movimentos feitos pelo governo federal para focar a concessão de recursos do Plano Safra com juros controlados a pequenos produtores podem aumentar a concentração bancária, alertou o ex-diretor da Febraban.
Segundo Vian, 80% das exigibilidades bancárias atualmente já são destinadas a pequenos produtores. Ele alertou que isso gera concentração de financiamentos rurais a esse público em poucos bancos e tira a maioria dos agentes privados desse mercado.
Além de menor capilaridade para atuar em determinadas regiões do país e distribuir o crédito, essas instituições financeiras enfrentam dificuldades com operações do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) que são mais caras, mais burocráticas e exigem a contratação do Programa de Garantia da Atividade Agropecuária (Proagro), de responsabilidade do financiador.
Vian ponderou que a ida de produtores para o mercado de crédito livre, como o governo tem defendido há algum tempo, não é simples. No próximo Plano Safra 2025/26, boa parte dos médios e grandes produtores terão oferta basicamente de juros livres.
“O produtor precisa estar preparado, com boa gestão financeira, precisa saber escolher os tipos de financiamentos, ter um fluxo de caixa sustentável, senão capota no primeiro problema climático ou de preços”, disse Vian ao Valor. “Os bancos estão retraídos não é só por conta das recuperações judiciais e do aumento da inadimplência, é pelo conjunto da obra”, completou.
O cenário, diz ele, é composto por produtores altamente alavancados, preços dos insumos em alta, preços das commodities acomodados, falta de seguro rural e de garantias reais para oferecer.
“Os bancos concedem crédito para quem demonstra o máximo de capacidade de pagamento. Não vai ser diferente agora. Quanto mais se fala e trabalha para uma securitização generalizada, como tem sido noticiado, menos crédito”, apontou.