
Quem enfrenta pela primeira vez a travessia de barco entre Alter do Chão, distrito de Santarém (PA), e a Comunidade do Anã, na Reserva Extrativista Tapajós-Arapiuns, vê na dimensão dos rios o tamanho do desafio para se produzir, comercializar, viver, ser visto e compreendido pelo mundo como morador da Amazônia, impactado pelas mudanças climáticas, e como um potencial agente transformador dessa realidade.
Leia também
Plataforma de comércio digital promove bioeconomia da Amazônia
Brasil deve ser ‘agente agregador’ de bioeconomia, diz presidente da Abag
As águas dos imponentes rios Tapajós e Arapiuns exigem habilidade do comandante para atravessar o “banzeiro”, como é chamado o constante sacolejar do barco, provocado pelas ondas da maré agitada. O percurso de 25 quilômetros dura duas horas e meia até o vilarejo onde atua a Cooperativa de Turismo e Artesanato da Floresta (Turiarte). A beleza natural do lugar e a receptividade dos ribeirinhos são atrativos à parte.
Essa ainda é a maneira mais fácil para que as 76 famílias do povoado possam receber os turistas para visitar a produção de peixes, mel e farinha de mandioca, fazer trilhas pela floresta amazônica preservada, tomar banho de rio e vivenciar a piracaia, um ritual que remete a ancestrais ribeirinhos e indígenas que assavam peixes na beira da praia de água doce. Atualmente, a experiência ainda conta com apresentações de carimbó, dança típica regional.
Esse também é o trajeto mais comum que as mil peças de artesanato produzidas pelos 114 homens e mulheres que integram a Turiarte, ali e em outras 11 comunidades, fazem para entrar na rota de escoamento que vai para a sede, em Santarém, mercados locais e até para os EUA.
É essa aventura que garante fluxo na comunidade e renda aos cooperados. Em 2024, foram cerca de R$ 400 mil. Para este ano, a expectativa é aumentar a receita com a chegada de mais turistas e uma demanda fixa por utensílios de artesanato gerados pela COP30.
“Aumentou a demanda e conseguimos organizar de forma melhor. A demanda está fechada para novos clientes, pois o trabalho manual leva bastante tempo”, afirma Natália Dias Viana, presidente da Turiarte. A cooperativa, fundada em 2015, tem 180 cooperados espalhados por 12 comunidades da região, entre reservas extrativistas e assentamentos da reforma agrária. O faturamento com turismo quase dobrou recentemente, para R$ 12 mil por mês, também por influência da COP30. O fluxo maior é aguardado para o verão.
Saiba-mais taboola
A capacidade de produção da Turiarte gira em torno das mil peças por mês, mas a demanda estava próxima de 300 itens até então. Como as artesãs produzem por encomenda, a procura menor limitava os ganhos da cooperativa. Com a realização da COP30 e a visibilidade que o setor cooperativista tem tentado dar sobre as iniciativas locais de sucesso, houve contratação para compra de toda produção mensal.
A realidade já foi outra. Quando as comunidades eram organizadas apenas em forma de associação, e não podiam comercializar legalmente a produção de artesanato, atravessadores atracavam frequentemente nas margens do rio Arapiuns para pechinchar e “comprar baratinho”, nas palavras da artesã e cooperada Ivaneide de Oliveira, os itens feitos à base da palha do tucumã, uma palmeira nativa da região.
A mudança ocorreu com a migração para o cooperativismo, diz a presidente. “Conseguimos comercializar melhor e pagar diretamente para cooperado”, afirma a presidente da Turiarte.
A meta agora é ampliar o número de comunidades integradas e cooperadas. O processo passa pela conscientização da vida e trabalho em cooperativa e pela capacitação e qualificação da produção de artesanato e recepção de turistas. A ideia também é acessar diretamente o consumidor final, já que 80% da comercialização atualmente é para lojistas. Está nos planos a estruturação de uma loja virtual para venda dos produtos locais.
“Estamos com um pé para a exportação, é um sonho que temos. Nosso trabalho é bem aceito no mercado internacional”, diz Viana. Cooperados têm participado de um curso sobre o processo de venda externa e de estratégia de posicionamento no mercado internacional.
Exportação como oportunidade
O superintendente da Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB) no Pará, Júnior Serra, concorda que a exportação é um caminho viável para os produtos da sociobioeconomia da Amazônia, mas ressalta que o brasileiro ainda não consome esses itens. Se conseguir avançar no mercado interno, podemos abastecer e escalonar isso de uma forma muito mais interessante”, afirma.
Há ainda uma preocupação com a manutenção do estilo de vida local, por isso a necessidade de agregar outras comunidades na rota turística e de produção de artesanato. “Não queremos turista todo dia nem toda hora, acabamos diversificando. O sonho é expandir para outros locais”, diz Viana.
A cooperativa também busca segurança e previsibilidade. A tentativa é levantar R$ 30 mil em um “fundo semente” para viabilizar a produção e manutenção de estoques. Por falta de material para pronta entrega, a Turiarte perdeu alguns contratos de fornecimento de peças recentemente.
Segundo a presidente, há instituições que financiam a atividade, mas a participação em editais de chamamento é complexa e algumas oportunidades são perdidas.
Acesso ao crédito
As cooperativas de crédito que atuam em Belém dizem que a análise para concessão de crédito para a sociobioeconomia na Amazônia ainda enfrenta barreiras, como a informalidade da produção, carência de dados e comprovação do uso sustentável dos recursos, falta de regularização fundiária e garantias.
Cleomar Abreu, diretor-executivo do Sicredi Norte, com atuação em Belém e região metropolitana, afirma que o cenário é mais complexo para pequenos e médios negócios que não têm estruturas adequadas de governança, projetos formalizados ou mecanismos consistentes de monitoramento.
“As instituições financeiras enfrentam dificuldades para desenvolver mecanismos claros de incentivo, considerando os riscos envolvidos e a necessidade de aplicar esses instrumentos de forma ampla em carteiras compostas majoritariamente por operações de menor porte, e não por grandes projetos”, diz.
O jornalista viajou a convite do Sistema OCB (Organização das Cooperativas Brasileiras)