
Em entrevista exclusiva, Márcio Lopes de Freitas, presidente da OCB, fala dos desafios e da importância do segmento para a economia brasileira O cooperativismo cresceu e se tornou parte importante da economia do Brasil. São 4,7 mil cooperativas em atividade, com 24 milhões de associados e uma movimentação em torno de R$ 700 bilhões, de acordo com a Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB).
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E o agronegócio é um dos setores em que o movimento é mais forte e tradicional. No setor, 1,2 mil cooperativas respondem por mais de 50% da originação de grãos de fibras, além de ter uma grande importância em carnes, especialmente frango e suínos.
Com um modelo de negócios baseado na organização coletiva para a geração de renda, o setor cooperativista recebeu o reconhecimento da Organização das Nações Unidas (ONU), que declarou 2025 como Ano Internacional das Cooperativas. E, neste sábado (5/7), comemora-se o Dia Mundial do Cooperativismo.
O presidente do Sistema OCB, Márcio Lopes de Freitas, pretende aproveitar os “holofotes” para avançar em temas importantes ao setor, como a produção sustentável, com um olhar para a Conferência Geral sobre Mudança do Clima (COP30), em novembro, em Belém (PA).
Em entrevista à Globo Rural, Freitas destaca a importância do segmento e os persistentes desafios para seu desenvolvimento. Ele defende eu a gestão das cooperativas seja mais profissional, sem deixar de lado sua essência: a relação com os cooperados.
Globo Rural – A ONU declarou 2025 como Ano Internacional das Cooperativas. Qual a razão desde reconhecimento?
Márcio Lopes de Freitas – A ONU já havia reconhecido o ano de 2012 como Ano do Cooperativismo, e agora fez de novo para 2025. Na primeira vez fizemos campanha, mas nesta segunda foi uma “surpresa”. Uma das razões é que o cooperativismo tem papel fundamental para mitigar crises. Em 2008, quando houve a crise global do sistema financeiro, as cooperativas foram o porto seguro. Nos EUA, as cooperativas de crédito foram a garantia de segurança financeira das pessoas. Na Europa, a Alemanha, que tem um sistema cooperativo muito forte, foi quem melhor resistiu àquele momento. Em todos os países que tinham presença importante de cooperativas, a resiliência foi maior. Agora, com essa crise global, o cooperativismo tem conseguido mitigar efeitos negativos em todos os lugares onde estão ocorrendo problemas financeiros.
GR – Esse movimento também ocorreu no Brasil?
Freitas – Sim. Na pandemia, quando todo o sistema financeiro “colocou o pé no breque”, as cooperativas de crédito cresceram 24% ao ano, quase três vezes mais que os bancos mercantis. Isso aconteceu porque a cooperativa tem compromisso com o cooperado, atua de outra maneira. Não falta profissionalismo, não é um bando de malucos fazendo festa com o dinheiro dos outros. Mas o modelo cooperativista propicia um compromisso mais forte com a sociedade.
GR – O Brasil vai sediar a COP30. Como as cooperativas podem contribuir com o debate sobre produção sustentável?
Freitas – Nós fizemos um manifesto para a COP30, assumindo um conjunto de compromissos que o cooperativismo propõe, baseado em cinco pontos: segurança alimentar; tecnologia e agricultura de baixo carbono; valorização das comunidades e financiamentos climáticos; transição energética; e bioeconomia como oportunidade de desenvolvimento e mitigação de risco. Existem mecanismos práticos que podemos trabalhar, e acho que a COP30 vai nos dar uma visibilidade muito interessante, especialmente para mostrarmos a importância da dimensão humana das cooperativas. O cooperativismo é um modelo de negócios, mas se baseia em pessoas. Se uma cooperativa não cuida de sua gente, ela acaba. O cooperativismo sem foco no seu cooperado não é sério.
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GR – Qual a dimensão do cooperativismo brasileiro?
Freitas – Hoje, temos em torno de 4.700 cooperativas com CNPJ ativo e ligadas ao sistema OCB. Elas congregam cerca de 24 milhões de cooperados, além de empregar 550 mil trabalhadores. A movimentação econômica já alcança cerca de R$ 700 bilhões, perto de 10% do PIB brasileiro. Uma das referências que temos é o sistema cooperativo financeiro, que cresce perto de 25% por ano em média no país.
GR – E qual a importância do cooperativismo para o agronegócio do país?
Freitas – Em 2024, segundo o Banco Central, 36% do atendimento do crédito rural foi feito por cooperativas. Temos 1.200 cooperativas agrícolas, responsáveis por 53% da originação de grãos e fibras. Ou seja, pouco mais de 1 milhão de cooperados agrícolas, um quinto dos produtores rurais do Brasil, mas fazemos mais da metade da safra nacional. Em outras áreas é ainda mais relevante. Cerca de 80% da carne suína brasileira é produzida por cooperativas.
O cooperativismo tem papel fundamental para mitigar crises. Em 2008, quando houve a crise global do sistema financeiro, as cooperativas foram o porto seguro”
GR – Para o um produtor, quais são as vantagens de pertencer a uma cooperativa?
Freitas – A cooperativa oferece para o produtor o insumo mais caro, que é a informação. Ajuda a tomar decisões sobre a lavoura. Além disso, antecipa crédito, o que ajuda o produtor que tem dificuldade de trabalhar diretamente com os bancos. E assistência técnica. O Rio Grande do Sul, por exemplo, tem uma rede técnica fantástica, com 32 cooperativas que fazem capacitação de técnicos. Hoje, temos mais de 8 mil extensionistas nas cooperativas no país. Finalmente, as cooperativas oferecem volumes grandes, são fornecedores permanentes e confiáveis para as tradings. O produtor não fica isolado, tentando vender apenas sua carga de soja.
GR – Como as cooperativas contribuem para o desenvolvimento de áreas rurais?
Freitas – Fizemos um estudo com a Fipe (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas) e a FEARP-USP (Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo), para medir os impactos da cooperativa onde ela está inserida. Verificamos que o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) de municípios que contam com cooperativas é 10% superior ao de cidades parecidas que não as possuem. Isso acontece porque você tem capital social mais forte na localidade. O resultado da cooperativa pode não ser grande coisa, mas ele não vai para a Faria Lima. Fica no município, ativa a economia e cria riqueza no local. O que a gente gera é mais do que desenvolvimento econômico, é prosperidade, algo que só se faz em bloco, que só acontece quando a comunidade está indo melhor.
GR – Como o senhor vê a gestão moderna das cooperativas?
Freitas – Existem alguns temas fundamentais que precisamos trabalhar, especialmente no setor agrícola. Primeiro, melhorar a nossa gestão e governança. Temos cooperativas que já movimentam perto de R$ 5 bilhões por ano. Por isso, os líderes precisam ser pessoas que sabem o que está acontecendo no mundo econômico. É necessário profissionalizar a gestão. Não estou dizendo que tem que tirar produtores do comando e colocar um profissional formado em Harvard. Um produtor pode ser preparado e assumir a função. E é preciso destacar a diferença entre gestão e governança. Gestão é administrar o dia a dia. Já a governança é garantir que a cooperativa esteja cumprindo os objetivos do seu grupo de sócios. Ela tem que ter um processo de comunicação, de entendimento com seu dono, que são os cooperados, muito forte.
O IDH de municípios que contam com cooperativas é 10% superior ao de cidades parecidas que não as possuem. Isso acontece porque você tem capital social mais forte na localidade. ”
GR – Quais são os outros principais desafios do setor cooperativista?
Freitas – Outra questão importante é entrar na era digital de direito e de fato. Usar todas as ferramentas de mercado, como a inteligência artificial e as redes sociais. Precisamos quebrar esse paradigma e injetar inovação no sistema cooperativo. Além disso, é preciso assumir definitivamente o papel de guardião da sustentabilidade e do futuro. O que eu vou fazer para melhorar esse planeta? Esse é nosso manifesto para a COP30, assumir responsabilidades de sustentabilidade e melhorar a qualidade de vida no planeta. Finalmente, é necessário melhorar nossa representação política e institucional. Nós representamos, como movimento cooperativista, a melhoria de vida, a felicidade, de 24 milhões de brasileiros. Contando as suas famílias, isso alcança cerca de 100 milhões de pessoas. Posso utilizar essa rede para trabalhar um processo político – não partidário ou ideológico – de gente que entenda do modelo cooperativo. Precisamos de pessoas nas esferas do poder que entendam as cooperativas e criem canais de respostas para a sociedade.