
Em meio ao caos urbano de, Abidjan, a maior cidade da Costa do Marfim, na África, uma solução está transformando lixo em fertilizante, insetos em ração animal e, de quebra, promovendo inclusão social e segurança alimentar. A responsável por esse feito? A Hermetia illucens, mais conhecida como mosca-soldado-negra, que é um inseto inofensivo e vem sendo usado para enfrentar as 2.500 toneladas diárias de resíduos orgânicos que sufocam a capital.
Com o apoio do programa Elevate, incubadora da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), o projeto BioDAF tem uma ideia central simples, mas engenhosa: usar as larvas da mosca para devorar lixo e transformá-lo em produtos úteis à agricultura local.
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Por trás da aparência de uma vespa e de um zumbido alto, a mosca-soldado-negra é uma aliada poderosa no combate ao desperdício e à insegurança alimentar.
“As autoridades distritais nos procuraram porque a situação do lixo orgânico era crítica”, conta Isabel Albinelli, especialista em bioeconomia da FAO e coordenadora do projeto. “Percebemos que havia uma oportunidade real de transformar esse problema em uma solução.”
Ao mesmo tempo em que os mercados da cidade acumulavam restos de frutas, legumes e verduras apodrecendo sob o sol, os agricultores locais lidavam com outra dificuldade: o alto custo dos fertilizantes importados. A mosca entrou em cena como elo entre esses dois mundos.
A “cabana do amor” e as piscinas de lixo
A primeira etapa do projeto foi construir uma estrutura inusitada, nomeada de “cabana do amor”. Nela, as moscas acasalam em um espaço úmido, com plantas e pedaços de madeira onde depositam centenas de milhares de ovos.
O projeto BioDAF construiu uma “cabana do amor” para criar as moscas-soldado-negras
Divulgação/FAO/Isabel Albinelli
“É estranho pensar que insetos tão minúsculos possam ter um impacto tão grande, simplesmente realizando suas tarefas naturais”, reflete Albinelli.
Quando os ovos eclodem, as larvas são transferidas para tanques de concreto cheios de restos de alimentos triturados. Em apenas duas semanas, elas se alimentam vorazmente e crescem até 10 mil vezes o tamanho original. No final do ciclo, são separadas do resíduo restante, que é usado como fertilizante, e secas para virar ração.
Além disso, os produtos finais têm múltiplas aplicações: ração para gado, suínos, peixes e um fertilizante orgânico de alta qualidade. Tudo com custo muito menor que os insumos tradicionais e um impacto ambiental quase nulo.
Uma das principais dúvidas da equipe era se os agricultores locais aceitariam usar o novo fertilizante, produzido a partir do excremento das larvas, ou alimentar seus animais com insetos secos. “Esperávamos encontrar resistência, mas os resultados falaram mais alto”, relata Albinelli. “O fertilizante é barato, eficaz e local. A demanda cresceu tanto que não conseguimos produzir o suficiente.”
Além dos benefícios ambientais e econômicos, o projeto tem impacto direto na inclusão social. Agricultoras de regiões urbanas e periurbanas foram treinadas para lidar com as técnicas de criação das larvas, processamento do fertilizante e venda dos produtos.
“Hoje eu consigo alimentar minha horta e ainda vender fertilizante para vizinhos”, conta Awa Kouassi, agricultora treinada pelo projeto. “Antes, dependia de insumos caros e vinha perdendo renda.”
Segundo Vincent Martin, diretor do Escritório de Inovação da FAO, o projeto é um exemplo claro do que a inovação agrícola deve ser: sustentável, acessível e capaz de gerar impacto econômico real. “Estamos diante de uma solução replicável em várias cidades do mundo, especialmente nos trópicos”, completa.