
Trabalhadores rurais estão entre os mais vulneráveis à doença, afirmam pesquisadores Dois pesquisadores brasileiros desenvolveram em Harvard, nos Estados Unidos, um aplicativo que utiliza inteligência artificial (IA) para análise em tempo real de fotos de pintas enviadas pelos usuários a fim de rastrear precocemente lesões de pele cancerígenas.
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O objetivo, segundo eles, é possibilitar o diagnóstico precoce a uma parcela maior da população, incluindo trabalhadores rurais – um dos grupos mais suscetíveis à doença, de acordo com a Agência Internacional de Pesquisa contra o Câncer (IARC).
Levantamento realizado pelo Instituto Nacional do Câncer (INCA) aponta 33% dos cânceres diagnosticados no país são de pele e, entre os anos de 2023 e 2025, devem surgir cerca de 220 mil novos casos da doença no país. Desses, de 3% a 4% são da variedade mais grave e fatal, o melanoma. Der acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS, trabalhadores agrícolas que trabalham ao ar livre têm duas vezes mais chance de desenvolver câncer de pele do que a população em geral.
O aplicativo lançado no Brasil, chamado Nevo, foi criado para funcionar offline, mirando atender às necessidades de unidades básicas de saúde e postos de atendimento em municípios longe dos grandes centros, onde o acesso ao sinal de internet pode ser difícil. Assim que o usuário envia a foto de uma pinta, o app avalia a imagem, comparando-a com um extenso banco de dados alimentado pelos desenvolvedores. O resultado sai em segundos e tem, hoje, assertividade de 97%. A depender da região, a ferramenta já sugere local para atendimento médico especializado.
Hoje, o banco de imagens contém 90 mil imagens para comparação, mas esse número deve chegar a 1 milhão até o final de 2025. Willian Peter Boelcke, idealizador do projeto, conta que esse abastecimento está sendo feito de maneira a atender a diversas origens étnicas, de acordo com a ampla gama de tons de pele encontrados no Brasil.
Willian Peter Boelcke, idealizador do projeto
Divulgação
Ele explica ainda que o aplicativo utiliza um modelo de aprendizado profundo para analisar imagens, agilizando o rastreamento e classificando a lesão como leve, pouco grave, grave e urgência.
“Frente ao desafio que ainda é enfrentar um câncer hoje em dia, o diagnostico precoce é, sem dúvida, um grande diferencial no sucesso do tratamento. Quando detectado cedo, 99% das cirurgias para remoção dessas lesões são curativas. Porém, o melanoma diagnosticado tardiamente é metastático e pode evoluir para lesões no fígado e cérebro, por exemplo”, enfatiza o cirurgião plástico e diretor do Instituto do Câncer de Pele de Goiânia, Dr. Cristiano Barros de Sá.
A proposta dos desenvolvedores é trabalhar junto a Unidades Básicas de Saúde (UBS) e grandes companhias do agro para chegar até os trabalhadores rurais de locais mais afastados dos grandes centros. “Nosso modelo de negócio prevê firmar parceria com empresas ou instituições governamentais, para que estas possam disponibilizar o acesso dentro de seus portais de atendimento”, explica William Boelcke.
Hoje, a Natura disponibiliza aos seus colaboradores acesso ao aplicativo, que foi inserido em plataforma da companhia. O hospital Sabin também já conta com estrutura semelhante.
“O trabalho no campo acaba exigindo grande exposição ao sol, que é, infelizmente, um fator de risco ao câncer de pele. Muitas empresas já trabalham com a prevenção, fornecendo EPIs adequados, mas acreditamos que disponibilizar o aplicativo para unidades de atendimento das companhias, auxiliando os profissionais de saúde no exame, ou em plataformas online, será um grande avanço no cuidado com a saúde dos trabalhadores”, pondera o pesquisador.
Para o Dr. Cristiano Barros de Sá, a ferramenta terá papel importante como aliada aos médicos. “Nem sempre temos especialistas nos postos de atendimento. Nesse caso, o profissional de saúde poderá valer-se desse auxílio, como ferramenta para diagnóstico precoce e encaminhamento do paciente, caso necessário”, afirma.
Inspiração
Boelcke sentiu a necessidade de ajudar a mudar a realidade do acesso ao diagnóstico precoce do câncer de pele após vivenciar a demora no diagnóstico da doença no pai. “Chegamos ao diagnóstico do câncer do meu pai por causa de uma pinta. Mas foi um processo muito demorado e acabou por ser tarde demais. Meu pai faleceu por conta da doença, e foi inevitável questionar como seria se o diagnóstico tivesse acontecido de forma mais rápida”, conta.
Depois da morte do pai, ele ingressou na Universidade Federal de Campinas para cursar Odontologia – a mesma instituição na qual o pai fez seu tratamento. Ao longo de dez anos, entre graduação, iniciações científicas e início do doutorado em Biologia Buco-Dental, ele se dedicou a buscar soluções para melhoria na qualidade de vida dos pacientes.
Há dois anos, conheceu Lucas Lacerda de Souza, também formado em odontologia, porém com especialização em inteligência artificial. Juntos, eles criaram a startup AI Pathology, a fim de unir IA e medicina.
Harvard e Big Techs
Em 2024, o projeto foi vencedor do 5º Health Systems Innovation Hackathon, concurso promovido pelo Laboratório de Inovação de Sistemas de Saúde de Harvard, nos Estados Unidos, na categoria ‘Construindo Sistemas de Saúde de Alto Valor: Aproveitando a Saúde Digital e a Inteligência Artificial no tratamento de Câncer’. A conquista permitiu acesso ao exclusivo programa de incubação e investimento da instituição no projeto.
O reconhecimento com a premiação também abriu portas para parcerias com big techs como Google, Nvidia e Oracle. Na prática, significa poder contar com os sistemas operacionais robustos dessas companhias para acelerar o desenvolvimento do aplicativo, escalar produção e assertividade.
No Brasil, a dupla firmou parcerias com o Inova HC (Grupo de apoio à inovação do Hospital das Clínicas de São Paulo), Hospital Ac Camargo e Grupo Fleury para geração de banco de dados, via projetos de pesquisas.
Investidores anjo e nova rodada de negócios
Num primeiro momento, a startup contou com aporte de R$ 300 mil de quatro investidores-anjo, para dar conta de procedimentos regulatórios e pesquisas iniciais. Agora, está com uma rodada de investimentos seed aberta, para captação de R$ 1 milhão.