
A Moratória da Soja já nasceu grande em 2006, quando empresas com mais de 80% de participação de mercado na compra de soja do Brasil firmaram o acordo privado, agora suspenso pelo Conselho Administrativa de Defesa Econômica (Cade), que investiga suposta formação de cartel. Mas nos últimos anos houve um aumento de adesões, principalmente de distribuidoras de insumos, além de um maior controle das compras indiretas por parte das tradings, o que dificultou as vendas de soja fora das exigências do acordo.
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Na época da criação do pacto, a lista de signatárias era composta pelas tradings associadas à Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove) e à Associação Brasileira dos Exportadores de Cereais (Anec). Mesmo assim, por muito tempo persistiu a crítica de que os produtores que não estavam em conformidade com a data de corte da Moratória estariam vendendo a outras empresas não signatárias, que poderiam até estar triangulando a soja com as tradings que aderiram ao acordo.
Nos últimos anos, uma pressão crescente da sociedade civil e do mercado fez com que mais empresas assinassem o acordo. Esse movimento foi liderado por grandes distribuidoras de insumos, que costumam fazer “barter” com os agricultores, trocando produtos por pagamento em grão. Em um período de quatro anos, 10 empresas entraram no acordo, com participação relevante de companhias que operam na distribuição.
Na safra 2019/20, havia 22 empresas signatárias do acordo, quase todas tradings. Dali em diante, começaram a surgir novas empresas na lista de signatárias do pacto, como 3tentos, Agrícola Alvorada, Agro Amazônia e Agrogalaxy.
Na safra 2022/23 — última temporada em que o relatório de monitoramento da Moratória da Soja foi publicado —, o acordo já tinha 30 signatárias. No fim do ano passado, ao menos três novas companhias aderiram: as distribuidoras de insumos Lavoro e Agromave, e a Usimat, que produz etanol de cana e de milho. Elas chegaram a participar das reuniões de coordenação do pacto e estavam prontas para se submeter à auditoria das compras feitas na safra 2023/24, mas não chegaram a iniciar a auditoria diante da pressão dos produtores contra a Moratória, apurou o Valor.
Vender soja ficou mais difícil, diz produtor
O presidente da Aprosoja-MT, Lucas Beber, reconhece que o aumento das adesões de empresas compradoras de soja nos últimos anos dificultou a venda do grão por produtores. “Com certeza afetou. Hoje fala-se em 90% do mercado comprador”, diz o dirigente. Segundo ele, mesmo as empresas que não aderiam à Moratória, como cerealistas locais, também acabavam seguindo as regras do acordo, já que usariam a estrutura das grandes companhias signatárias do pacto para fazer a exportação.
Além desse movimento, as grandes tradings passaram a aprimorar os sistemas de monitoramento de suas cadeias de fornecimento, até para cumprirem seus compromissos privados de eliminação do desmatamento entre seus fornecedores nesta década. Nos últimos anos, além de garantirem a verificação de 100% de seus fornecedores diretos, passaram a monitorar a compra de soja de cada vez mais fornecedores indiretos, que vendem a intermediários antes de o grão chegar à trading.
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Na avaliação de um participante do acordo, o maior rigor também começou a dificultar — embora não tenha impedido — a triangulação de soja entre empresas não signatárias da Moratória e companhias que se submetiam ao pacto ambiental.
Ainda assim, essa fonte — que pediu anonimato — avalia que o principal motivo para o “ativismo de ruralistas” neste momento contra a Moratória da Soja, que já existe há 17 anos, está mais relacionado ao aumento da força política de um grupo de produtores, que ganhou musculatura com o adiamento do início das exigências da lei antidesmatamento da União Europeia (EUDR, na sigla em inglês).
Foi após representação da Comissão de Agricultura da Câmara dos Deputados ao Cade que o órgão decidiu pela suspensão da Moratória na semana passada.
A parcela da soja produzida na Amazônia que não era aderente ao acordo vinha se mantendo estável em relação ao total de soja produzida no bioma, em 10% nos últimos cinco anos. Na safra 2023/24, o monitoramento contratado pelo Grupo de Trabalho da Soja (GTS), que garantia a operação do acordo, identificou que 2,6 milhões de toneladas produzidas na Amazônia não estavam de acordo com as exigências da Moratória. Esse volume foi 44% maior do que a quantia em não conformidade identificada quatro safras antes (em 2019/20), em linha com o aumento da colheita de soja na Amazônia.