
As incertezas no mercado internacional de soja — reflexo sobretudo da guerra tarifária promovida pelo governo Donald Trump — estão deixando produtores brasileiros mais parcimoniosos na hora de fechar vendas antecipadas da safra 2025/26, cujo plantio está começando no país. Como resultado, a comercialização da nova safra hoje está atrasada em relação a igual momento do ciclo passado, uma vez que os produtores avaliam que podem obter melhores preços mais à frente.
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Rafael Silveira, analista da Safras & Mercado, afirma que em setembro, as vendas antecipadas chegaram a 20,18% da produção esperada para a temporada 2025/26. O índice está abaixo da média dos últimos cinco anos, que é de 28,12%. Para Silveira, essa postura tem relação com a guerra comercial entre EUA e China. Ainda que os dois países tenham anunciado uma trégua nas tarifas retaliatórias, permanece a dúvida se a China vai comprar soja dos americanos.
“O primeiro ponto para entender a retração nas vendas é a guerra comercial. A última carga [de soja] que saiu dos EUA para China foi em maio. De lá para cá Brasil e Argentina estão abastecendo o país asiático. O produtor segura a safra para tentar conseguir um preço melhor lá na frente”, afirma Silveira.
Pelos cálculos da consultoria, no acumulado do ano até agosto, a China comprou 65,92 milhões de toneladas de soja do Brasil. O volume é 8% superior às aquisições feitas no mesmo período do ano passado. Os EUA, por sua vez, exportaram 22,4 milhões de toneladas aos chineses em igual período, recuo de 7,8% na comparação anual.
Com a “demora” da China em buscar soja dos Estados Unidos, o analista avalia que a demanda seguirá firme pelo produto brasileiro. “O Brasil deverá exportar 104 milhões de toneladas nesta safra 2024/25. Apesar desse volume, nosso estoque de passagem ainda ficaria muito grande, e isso forçaria o produtor a ser mais agressivo nas vendas”.
O analista da Céleres Consultoria Enílson Nogueira, diz que as vendas da nova safra chegam a 25% da produção, um atraso de dez pontos percentuais. Segundo ele, além da guerra tarifária, o ritmo mais lento decorre também do comportamento do câmbio.
“Temos hoje um dólar quase travado na faixa dos R$ 5,40, sendo que já esteve em patamares de R$ 5,60, que traz uma margem muito melhor para o produtor. O segundo ponto é que ele ainda não sabe se a China vai mesmo comprar soja dos EUA. Toda essa incerteza vira combustível para o produtor ‘pagar para ver’ o que vai acontecer com o mercado e esperar a melhor hora para negociar”, afirma.
Nos cálculos de Ênio Fernandes, da Terra Agronegócios, o percentual de soja negociada, de 25%, deveria estar em 30%, não fosse a queda no preço da oleaginosa no mercado futuro, em decorrência da grande oferta global.
“Para muitos produtores, a conta hoje não está fechando. Então, eles vão aguardar ou Chicago subir ou o dólar se valorizar para assim equalizar as despesas. Mas a tendência para o grão ainda é de baixa, e o dólar não tem horizonte de alta, em meio à expectativa de corte de juros nos EUA”.
Nas estimativas da Brandalizze Consulting, as vendas antecipadas no Brasil estão em 18% do volume de produção esperado para a safra 2025/26 de soja, quando o normal seria entre 25% e 27% nesta época. Em Mato Grosso, que tradicionalmente fecha mais vendas antecipadas, o índice está em 22%, bem abaixo da média de 35%, segundo Vlamir Brandalizze.
Como outros especialistas, o consultor considera que os produtores esperam elevação nos preços, e por isso postergam as vendas. Brandalizze vê um risco nessa estratégia, como queda nos prêmios pagos nos portos brasileiros na época da colheita, se as vendas antecipadas não se acelerarem. “Se deixar muita soja para vender na boca da colheita vai ter queda no preço”, diz o consultor.
Para o especialista, os EUA devem colher uma safra menor que a do ano passado e fazer acordo com a China para retomar as exportações, gerando pouco impacto em preços. O Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA) estima a produção americana em 116,82 milhões de toneladas, 1,7% menor que na safra 2024/25.
Enquanto consultorias enxergam lentidão nas vendas futuras, em uma das maiores empresas agrícolas do Brasil, o cenário é diferente. André Guillaumon, CEO da BrasilAgro, disse a jornalistas na semana passada que a companhia fez vendas antecipadas de 48% da produção de soja esperada para a safra 2025/26 e que esse volume está dentro da média histórica para o período, que é de 45% a 49%.
Guillaumon observou que a venda no Brasil como um todo está atrasada. “A venda antecipada era para estar em mais de 40% no Brasil e está em torno de 30%. Na minha interpretação, o produtor viu uma recuperação do prêmio e decidiu segurar, esperando um preço ainda melhor”, disse.
Ele afirmou que o prêmio para a soja chegou a US$ 2 por bushel em relação aos preços da bolsa em Chicago. Mas lembrou que os prêmios previstos para setembro de 2026 estão entre US$ 0,30 e US$ 0,40 por bushel, havendo, portanto, uma tendência de queda nos próximos meses.
Diante da incerteza se China voltará a comprar dos EUA, produtores seguram negócios da safra 2025/26 à espera de preços mais altos