
Elemento básico da mesa do brasileiro, o café passou a ser foco de debates após a disparada nos preços Taxado como um dos vilões da inflação de alimentos, os preços do café dispararam desde o último ano. A Associação Brasileira da Indústria de Café apontou que a variação ao consumidor do café torrado e moído foi de 37,4% em 2024. O aumento no valor da bebida, celebrada em diversas ocasiões, como este último 14 de abril – Dia Mundial do Café -, não passou despercebido pela população do segundo país que mais a consome no mundo – cerca de 5 quilos por habitante ao ano.
Elemento básico da mesa do brasileiro, o café passou a ser foco das conversas ao redor dela. O que a maioria não sabe é que este é mais um reflexo de como as mudanças climáticas estão impactando a vida cotidiana. A sustentação dos preços em níveis elevados é explicada por um fundamento elementar da economia: a lei da oferta e demanda.
Os estoques globais de passagem (excedentes de ciclos anteriores) estão em níveis considerados alarmantes pela Fundação Procafé. São insuficientes para atender dois meses de consumo. Em síntese, quanto menos café disponível, maior o preço. Mas, o que o clima tem a ver com isso?
Globo Rural
As safras dos principais produtores globais enfrentam frustrações por desafios climáticos. Em 2024, a seca e as altas temperaturas nas principais regiões de cultivo no Brasil e no Vietnã, líder e vice-líder na produção, impactaram a produtividade. Juntos, os dois países representam metade das exportações mundiais de café.
Com o perdão pelo “agronomês”, o tempo seco e quente afeta o pegamento da florada. A planta fica estressada e precisa usar todas as suas reservas para se manter viva. Após escassez hídrica prolongada, quando as lavouras são regadas pela chuva, o cafeeiro recebe um estímulo fisiológico que impulsiona a abertura das flores, mas todo o processo da planta na luta por sua sobrevivência se reflete em menos frutos. Como resultado, o Brasil espera uma colheita 4,4% menor em 2025, de 51,8 milhões de sacas, segundo a Companhia Nacional de Abastecimento, a Conab.
A necessidade de cultivar plantas mais resistentes a essas intempéries é urgente. O desafio é grande, mas já temos algumas respostas. Investir na saúde do solo, por exemplo, é a melhor apólice de seguros que temos contra as mudanças climáticas. Ao mesmo tempo, o ecossistema entorno do café, desde os produtores e cooperativas até a agroindústria, reconhece que é preciso olhar não apenas para como construir resiliência, mas para como conciliar a produtividade com o desenvolvimento sustentável da cultura.
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É por isso que a cafeicultura tem sido a porta de entrada para inovações com impacto positivo para a natureza. Sabemos que o produtor rural brasileiro já é exemplo em adoção de tecnologia e boas práticas no campo e está comprometido com a proposta de ser ainda mais sustentável, sem abrir mão da qualidade do grão ou da produtividade da safra.
A cafeicultura, inclusive, é pioneira na adoção de uma nova geração de fertilizantes produzidos a partir de matriz energética renovável, com potencial para reduzir em até 40% a pegada de carbono do grão de café colhido. Práticas agrícolas regenerativas, como cultivo de cobertura, também emergem e são fundamentais nesse contexto.
Neste caminho de aliar produtividade à sustentabilidade, o Brasil tem um papel fundamental na jornada rumo à descarbonização, com um potencial gigantesco em mãos para enfrentar a emergência climática, cujos efeitos comprometem a subsistência de agricultores e o trabalho, muitas vezes de uma vida inteira. Vale lembrar que a cafeicultura brasileira é uma atividade predominantemente familiar e o café é uma cultura perene, cujas lavouras podem produzir frutos por um tempo médio de 20 anos.
Apesar de não existir uma bala de prata, o exemplo mostra que o conhecimento agronômico e as soluções para contornarmos as adversidades das mudanças climáticas já estão disponíveis. O que precisamos agora é de incentivos corretos para que eles possam ser escalados, de criar diretrizes que incentivem melhores práticas no uso dos insumos pelo agricultor, de modelos de produção agrícola de baixo carbono, assim como uma nova matriz de energia limpa, com impactos positivos que vão muito além do campo, tornando o nosso café ainda mais valorizado mundo afora.
* Marcelo Altieri é presidente da Yara Brasil
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