
Modelo desenvolvido por entidades brasileiras foi apresentado em conferência na Alemanha que precede a COP30 Pesquisadores brasileiros apresentaram neste sábado (21/6), em um evento paralelo à Conferência de Bonn, na Alemanha, um novo modelo sustentável para o desenvolvimento da agricultura tropical regenerativa. A iniciativa é liderada pela Fundação Dom Cabral, mas une empresas privadas e entidades da sociedade civil como parceiras.
O modelo de negócios pensado para acelerar a transição dos sistemas tradicionais para o de agricultura regenerativa no cinturão tropical do planeta inclui pilares como a diversificação da produção, a saúde do solo, uso de insumos biológicos e o foco no desenvolvimento socioeconômico dos produtores.
O cronograma prevê o desenvolvimento da iniciativa em 2025, com a criação de um modelo técnico inicial e de uma plataforma de dados técnico-científica capaz de gerar um índice de agricultura regenerativa. Também deve ser feita a modelagem econômica necessária para o financiamento dessas atividades.
Em 2026, o plano é ter o modelo técnico, econômico e tecnológico completo, com novas soluções para integração desenvolvidas e com aprimoramento do modelo inicial, além de criar um manual de tecnologias regenerativas. A ambição também é desenvolver métricas ambientais, sociais e econômicas para conseguir implementar a iniciativa.
Para 2027, a intenção é dar escala ao modelo a partir da integração com protocolos privados, aplicação de incentivos econômicos, atração de investimento internacionais e promoção em outros países com clima tropical. A apresentação não cita número de produtores ou tamanho de área que a iniciativa pretende alcançar.
Ludmila Rattis, cientista que lidera a iniciativa pela Fundação Dom Cabral e integrantes da Woodwell Climate Research Center, salientou a importância da transição para sistemas de produção regenerativos diante da intensificação das mudanças climáticas, que aumentam os riscos no campo. Para pensar no novo modelo, a equipe levou em conta estudos que mostram que apenas a utilização de plantas de cobertura, que ajudam a diminuir a evaporação da água do solo e a manter o estoque de carbono, não são suficientes para o tamanho do desafio climático.
“Precisamos ser mais ambiciosos e ter diferentes soluções para cada realidade”, disse durante apresentação no evento, em Bonn. A intenção é espelhar a proposta em outros países com clima parecido, como os do continente africano, do sudeste asiático e da América Latina.
Entre os pilares do modelo está a diversificação da produção rural no mesmo espaço. Segundo Rattis, sistemas com vários cultivos ajudam a aumentar em 14% o estoque de carbono no solo, além de incrementar a quantidade de nutrientes presente ali, que influencia na produtividade da próxima cultura. O modelo também é visto como eficiente em termos de resiliência climática.
A iniciativa conta com a participação do Instituto Clima e Sociedade (ICS), da Open Society Foundations, Itaúsa, Amaggi, Rabobank e Yara.
Marcello Brito, secretário-executivo do Consórcio Amazônia Legal e professor da Fundação Dom Cabral, ressaltou que há inúmeros desafios para avançar nessa área e que o Brasil e outros países só terão sucesso se implementarem processos colaborativos, com a participação de diversos elos da cadeia.
“Temos bons exemplos de onde tem colaboração e cooperativismo, temos sucesso. Se não acharmos um jeito de colocar todos juntos, não teremos sucesso”, afirmou.
Ele destacou o desafio do convencimento dos agricultores na ponta, de que eles são parte da mudança necessária para o enfrentamento climático, e lembrou que cerca de 90% desse público é composto por pequenos produtores. Brito citou a produção de café e frutas no Brasil, majoritariamente feita por agricultores familiares, e que tem bons exemplos de cases sustentáveis.
Financiamento
Thais Zilbersztajn, do Rabobank, banco holandês especializado em agronegócio, disse que iniciativas como essas precisam de soluções financeiras conjuntas, como linhas de “blended finance”, já que há riscos aos produtores na implementação de novos modelos de cultivo e aos financiadores. Ela citou a possibilidade de ter outros bancos ou companhias para dividir esses riscos.
Alessandra Fajardo, diretora-executiva do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEDBS), lembrou que há desafios para a comprovação do uso dos recursos financeiros em investimentos em regeneração e para integrar bases de dados para apontar a legalidade da produção. Marcello Brito lembrou que o Cadastro Ambiental Rural (CAR), no Brasil, avança a passos lentos. “Em 13 anos, apenas 3% dos cadastros foram validados. É um número horrível, temos que achar um jeito de evoluir”, completou.
Marcelo Morandi, chefe da Assessoria de Relações Internacionais da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), ressaltou a necessidade de considerar as “particularidades” e “especificidades” do clima tropical na discussão de conceito para a agricultura regenerativa. Ele citou a baixa fertilidade dos solos, a incidência maior de doenças nos cultivos e a capacidade de produzir mais de uma safra por ano na mesma área. O pesquisador ressaltou que esse uso intensivo e contínuo pode ser visto como um item que contribui para a degradação ou como um insumo positivo para a sustentabilidade.
“Fizemos uma adaptação em agricultura tropical em 50 anos. Tínhamos solos pobres, sem variedades adaptadas, e desenvolvemos isso. Agora, precisamos dar outro passo na adaptação às mudanças climáticas. Mas não temos 50 anos para isso, precisamos fazer melhor”, disse no evento.
A Conferência de Bonn, na Alemanha, é uma das principais etapas do debate climático a nível internacional, e precede a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP), que neste ano será realizada em Belém (PA).