
O que começou como uma aposta para abastecer o mercado brasileiro transformou-se em uma plataforma de exportação para o mundo. Empresas argentinas do setor arrozeiro, como Ebro Foods, Copra, Ceolin e Adecoagro estão ampliando sua presença no mercado mundial ao focar em produtos de alta qualidade, segregados e rastreáveis, que têm como destino prioritário a Europa e a América Central. Se antes o Brasil era o principal cliente, hoje o país perdeu espaço para mercados mais exigentes e lucrativos.
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Apesar das origens distintas, as quatro empresas visitadas pela reportagem do Valor no início deste mês compartilham um ponto em comum: a decisão estratégica de crescer na Argentina, mesmo diante de crises econômicas e instabilidade regulatória. Em meio às reformas do governo de Javier Milei, todas relatam um ambiente mais favorável ao investimento e projetam expansão nos próximos anos.
Durante anos, o Brasil foi peça-chave no plano de negócios de muitas dessas empresas. A Copra, por exemplo, instalou sua planta em Mercedes com o objetivo de exportar para o mercado brasileiro. “Quando esta planta foi instalada, foi para vender para o Brasil”, lembrou Christian Jetter, gerente geral da empresa.
“Vendíamos arroz carnaroli e de grão longo, mas o Brasil foi se tornando um mercado difícil, com altos e baixos. Hoje é quase irrelevante para nós”, relatou Jetter, enquanto caminhava com a reportagem pela área de armazenagem da Copra em um dia frio do inverno argentino.
A Adecoagro, multinacional com forte presença no Brasil no setor de açúcar e etanol, ainda mantém uma marca de arroz voltada ao público brasileiro, a Monte Alegre, mas sua atuação no país se limita à exportação. “Apesar de não termos produção de arroz no Brasil, vemos o país como um mercado estratégico, especialmente no Sul”, disse Walter Cardozo, diretor de operações da companhia.
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O Grupo Ceolin foi um dos pioneiros ao cruzar a fronteira nos anos 1990, aproveitando o impulso do então recém-criado Mercosul. Com raízes em Nova Palma (RS), o grupo tem quatro moinhos em operação na Argentina e enxerga o país como uma extensão de sua presença no agro brasileiro.
“A gente começou pequeno, com os pés no barro, mas sempre tivemos visão”, resumiu Antonio Ceolin, CEO e um dos fundadores do grupo, sentado em uma sala aquecida com vista para o campo. Para quem começou pequeno, é de impressionar o tamanho das fazendas na Argentina e a infraestrutura criada, com açudes gigantes e terras a perder de vista.
Com o tempo, as empresas perceberam que o maior valor agregado estava na exportação para mercados como a União Europeia, que exigem um arroz mais sofisticado, segregado por variedade e com rastreabilidade garantida.
A Copra destina entre 80% e 85% da sua produção à exportação, principalmente para países europeus. O carro-chefe é o arroz carnaroli, típico de pratos como o risoto. “Lá, a qualidade é prioridade. Nossos maiores concorrentes são os uruguaios, não mais os brasileiros”, afirmou Jetter.
Na Adecoagro, cerca de 75% a 80% da produção de arroz também é exportada, com destaque para 15 variedades diferentes, que vão desde grãos curtos do tipo japonês até longos e largos. Toda a produção é segregada desde a origem, e o controle vai da semente ao porto. “Trabalhamos com 100% de segregação. Nosso diferencial está na produção integrada: controlamos tudo, da genética ao embarque no porto”, ressaltou Cardozo.
Já a Ebro, que investe em tecnologia, digitalização e inteligência artificial, destaca que a demanda por qualidade premium e rastreabilidade é crescente. A empresa vê oportunidades não só na Europa, mas também nos Estados Unidos. “O nosso compromisso vai além da produção em larga escala. Buscamos eficiência e excelência, com o menor impacto ambiental possível”, disse Dario Sanches, gerente de projetos da Ebro.
Projeção
Apesar da instabilidade histórica da economia argentina, as empresas entrevistadas demonstraram otimismo com o momento atual. As reformas econômicas recentes, como a redução de impostos sobre o arroz e o fim de barreiras à exportação, criaram um ambiente mais amigável para quem deseja investir, como demonstrou o Valor em reportagem recente.
A Ebro, por exemplo, triplicou sua capacidade de processamento na última safra e planeja continuar investindo entre US$ 5 milhões e US$ 10 milhões por ano. A Copra anunciou uma ampliação da planta com quatro novos silos, num investimento de US$ 4 milhões, além de iniciar melhorias na moagem.
A Adecoagro, com quatro moinhos e três plantas de secagem na Argentina, tem um plano de expansão de cinco anos, que prevê a instalação de mais silos metálicos, novos secadores e tecnologias de automação. “Nosso foco é crescer com qualidade e reduzir riscos operacionais, como os associados aos silos-bolsa”, afirmou Cardozo.
O Grupo Ceolin, por sua vez, reforça que a Argentina segue sendo estratégica, com terras férteis e abundância de água, especialmente na região de Corrientes. “Enfrentamos muita volatilidade, mas nunca deixamos de acreditar no potencial deste país”, disse o CEO da empresa.
A jornalista viajou a convite da Kepler Weber