Pesquisadores identificaram que uma bactéria encontrada em solos da Caatinga é capaz de inibir a germinação da buva (Conyza canadensis), planta daninha considerada uma das mais resistentes aos herbicidas químicos no Brasil. A descoberta aponta para a possibilidade de desenvolvimento de um bioherbicida de origem natural, com potencial aplicação no manejo de plantas invasoras na agricultura.
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A buva está presente em praticamente todas as regiões produtoras do país e é conhecida pela elevada capacidade de desenvolver resistência a diferentes grupos de herbicidas sintéticos, afetando culturas como soja, milho, algodão, trigo, café, cana-de-açúcar, outras culturas perenes e, até mesmo, pastagens e florestas.
O estudo, conduzido por pesquisadores da Embrapa Meio Ambiente e da Universidade de São Paulo (USP), teve início com a triagem de actinobactérias, grupo de microrganismos reconhecido pela produção de compostos bioativos utilizados tanto na agricultura quanto na área farmacêutica. Isolados provenientes de diferentes biomas brasileiros foram avaliados quanto à capacidade de interferir na germinação e no desenvolvimento de plantas daninhas.
Entre os microrganismos analisados, uma cepa isolada da Caatinga, identificada como Streptomyces sp. Caat 7-52, apresentou os melhores resultados. O bioma, caracterizado por clima semiárido, altas temperaturas e longos períodos de escassez hídrica, abriga microrganismos adaptados a condições extremas.
A buva está presente em praticamente todas as regiões produtoras do país
Flickr/ Harry Rose/Creative Commons
“A Caatinga pode ser vista como um laboratório natural. Os microrganismos que vivem nesse ambiente desenvolveram estratégias únicas de sobrevivência e, muitas vezes, produzem moléculas inéditas que podem ser aproveitadas para diferentes aplicações”, explicou o pesquisador da Embrapa Meio Ambiente Itamar Melo.
A análise química dos metabólitos produzidos pela bactéria revelou dois compostos principais: o ácido 3-hidroxibenzóico e a albociclina. Em testes laboratoriais, o composto foi capaz de inibir a germinação da buva em baixas concentrações, indicando que a molécula pode atuar mesmo em doses reduzidas, característica considerada relevante para o desenvolvimento de novos bioherbicidas.
“Foi a primeira vez que registramos a atividade fitotóxica da albociclina, e isso amplia significativamente o horizonte de aplicação desse composto. A descoberta pode contribuir para estratégias de manejo mais sustentáveis, que ajudem a reduzir a pressão por uso de herbicidas químicos”, afirmou o pesquisador Danilo Tosta Souza, da USP.
Otimização do cultivo e produção
Outro aspecto do estudo foi a otimização do meio de cultivo da bactéria, com o objetivo de aumentar o rendimento e diversificar os compostos obtidos, o que contribuiria para futuras aplicações em escala comercial. Segundo os pesquisadores, direcionar o metabolismo microbiano possibilita não apenas ampliar a quantidade produzida, mas também gerar variantes estruturais com diferentes níveis de atividade biológica, o que pode ampliar o espectro de uso do bioinsumo.
Além da extração e análise de moléculas isoladas, a equipe avaliou o efeito do caldo fermentado bruto da bactéria. Os testes indicaram ação seletiva contra plantas daninhas dicotiledôneas, grupo que inclui espécies como buva, caruru e picão-preto, sem necessidade de processos de purificação química.
Na prática, isso significa que o microrganismo pode ser usado de forma mais simples e com menor custo, reduzindo etapas de purificação e favorecendo o desenvolvimento de um produto mais acessível ao agricultor. Ao mesmo tempo, a solução é ambientalmente mais limpa, uma vez que dispensa o uso de solventes industriais, explica Luiz Alberto Beraldo de Moraes, da USP.
Próximas etapas
A pesquisa segue em fase inicial. Os próximos passos incluem testes em condições de campo, avaliação da eficácia em diferentes culturas agrícolas, estudos de ecotoxicologia e desenvolvimento de formulações comerciais. Também estão previstas análises sobre os efeitos dos metabólitos em organismos não alvo.
A intenção é que a tecnologia possa ser integrada a programas de Manejo Integrado de Plantas Daninhas (MIPD), que combinam práticas químicas, biológicas e culturais para o controle sustentável das invasoras.
“Estamos ainda em uma fase inicial, mas os resultados são muito promissores. O desafio agora é transformar esse potencial em uma solução prática para os agricultores, que possa ser usada em larga escala”, disse Melo.