A edição gênica de sementes, tecnologia de modulação ou alteração do DNA, tem tido dificuldade para avançar no mundo em virtude da falta de leis para regulamentar e garantir a propriedade intelectual das sementes geradas a partir desse método. No Brasil, entidades que representam indústrias de biotecnologia, de sementes, produtores e o Instituto Pensar Agro elaboram uma proposta de atualização da Lei de Proteção de Cultivares, de 1997, ampliando o prazo das licenças e regulamentando a edição gênica.
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A proposta deve ser encaminhada à Câmara dos Deputados via Frente Parlamentar do Agronegócio nos próximos meses. “A edição gênica precisa ser bem regulamentada para garantir a captura de valor pelo desenvolvimento da tecnologia”, afirma Paulo Pinto, presidente da Associação Brasileira de Sementes e Mudas (Abrasem).
Segundo Osli Barreto Júnior, diretor executivo da Associação Brasileira de Sementes de Soja (Abrass), o novo projeto vai permitir ao agricultor “salvar” a semente desenvolvida com edição gênica, mas ele terá de pagar pela carga genética, como já se faz com a semente transgênica.
A legislação atual permite ao agricultor “salvar” a semente — ou seja, reservar parte dos grãos que ele colher na safra para uso como semente no ciclo seguinte — sem pagar royalties pelas sementes multiplicadas. No caso da soja transgênica, o produtor precisa, antes do plantio, informar à empresa dona da tecnologia que vai salvar sementes e qual será o volume. Se não informar, paga multa de 7,5% sobre o valor da produção.
“No caso do grão transgênico, é possível detectar em teste a presença do gene implantado. Quando o grão chega à moega, se o produtor não informou que salvou a semente, ele paga na entrega”, diz Barreto. “O xis da questão no projeto novo é o pagamento por esse royalty de germoplasma da edição gênica”, acrescenta.
Alexandre Nepomuceno, chefe-geral da Embrapa Soja, diz que, como a edição gênica não envolve genes de outras espécies, é mais difícil detectá-la. Hoje, a técnica mais habitual é a CRISPR, que usa uma enzima guiada por uma sequência de RNA para cortar o DNA em locais específicos, interrompendo ou removendo a função de um gene.
“O resultado é como uma mutação natural. Se eu não disser onde fiz essa edição, não é possível saber se houve edição gênica ou uma mutação natural. E se não há como diferenciar o natural do que é feito pelo homem, não há como cobrar royalty”, afirma Nepomuceno.
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Romeu Kiihl, melhorista da MGS Melhoramento Genético e Sementes, considera que a edição gênica tem a vantagem de não ser transgênica. Por outro lado, não há proteção intelectual. “Nada garante que você vai recuperar o investimento feito na pesquisa”, disse.
Para Kiihl, considerado o pai da soja tropical, as empresas públicas devem investir na tecnologia para apoiar o desenvolvimento do agronegócio. Já as empresas privadas terão de encontrar uma forma de tornar as edições gênicas rentáveis. “As empresas terão que dar um jeito, colocar essas edições em materiais já protegidos intelectualmente por patentes. Por exemplo, fazer a edição gênica em uma variedade com resistência a herbicida”, afirma.
Falta regulamentação para a edição gênica também em outros países. Nos Estados Unidos, Canadá, Japão, Austrália e Argentina, assim como no Brasil, o entendimento é de que a edição gênica produz melhoramento convencional, já que usa apenas os genes da própria espécie. Na União Europeia, a avaliação é de que a edição gênica não é nem convencional, nem transgênica. No momento, o bloco discute essa regulamentação e avalia criar uma terceira definição, a “tipo convencional”, para cultivares de edição gênica.
“A criação do ‘conventional-like’ é um absurdo. Ao criar uma terceira categoria, isso abre margem para criar uma discriminação em cima da tecnologia e para exigir a rotulagem de produtos de outros países”, critica Nepomuceno.
A Bayer, por exemplo, testa sementes com edição gênica no Brasil, mas, por falta de regulamentação na Europa, ainda não tem previsão de lançamento. “O Brasil tem um marco legal que permite a pesquisa, o desenvolvimento, a comercialização. Mas a Europa não tem um marco legal estabelecido. Então, para as culturas de exportação, esse é um fator limitante. Por isso, a gente ainda está na fase de pesquisa”, diz Geraldo Berger, vice-presidente de assuntos regulatórios da Bayer na América Latina.