A Argentina deve colher, em 2025/26, a maior safra de trigo de sua história. As projeções variam entre 25,5 milhões de toneladas, segundo a Bolsa de Cereales, e 27,7 milhões de toneladas, de acordo com a Bolsa de Rosário. Apesar do volume recorde, moinhos brasileiros demonstram preocupação com a qualidade do cereal disponível até o momento, especialmente quanto aos níveis de glúten e proteína, considerados determinantes para panificação e fabricação de massas.
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O Brasil deve importar 6,7 milhões de toneladas na próxima temporada, conforme dados da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), e a Argentina segue como principal fornecedor do grão ao mercado brasileiro.
Segundo o superintendente da Associação Brasileira das Indústrias de Trigo (Abitrigo), Eduardo Assêncio, os primeiros sinais de qualidade indicam desafios mais pronunciados na indústria de massas do que na panificação.
“Está em um padrão considerado limite”, disse em live da Associação, ao citar que a confirmação de determinados indicadores poderia colocar o trigo abaixo do padrão ideal e exigir a busca por trigos melhoradores, algo que, segundo ele, a Argentina tem capacidade de produzir, mas que geralmente não chega à exportação.
Nas regiões já colhidas, a proteína varia entre 10% e 14%, com média de 11,1%, a menor dos últimos dez anos. O glúten segue a mesma tendência. Segundo ele, ainda é cedo para projetar o cenário do sul do país, onde a colheita está atrasada, mas o trigo colhido até agora apresenta “mais tenacidade e menor elasticidade” em comparação à safra passada, que registrou qualidade superior.
Assêncio reforça que os moinhos brasileiros acompanham a evolução dos resultados, pois uma queda adicional na proporção de glúten poderia exigir importação de trigos melhoradores de outras origens. Ainda assim, ele pondera que a qualidade pode melhorar conforme a colheita avança para o sul.
Condições da safra
O forte volume de chuvas foi determinante para a produtividade excepcional do trigo argentino este ano, afirma Daniela Venturino, analista de cultivos de trigo na Bolsa de Cereales.
No Norte do país a colheita já foi concluída, com uma boa qualidade e produtividade de 2,78 toneladas por hectare, 91% a mais que a média das últimas cinco safras. Na porção central do país, onde está a província de Buenos Aires, 88% da área já foi colhida, com uma produtividade 51% maior que a média, alcançando 4,4 toneladas por hectare, e com uma presença normal de doenças fúngicas.
Diferente de anos anteriores, em grande parte do país a umidade favoreceu o desenvolvimento do cereal. No entanto, o sul da Argentina sofreu com excessos hídricos, deixando 900 mil hectares submersos. No total, 4,3 milhões de hectares foram afetados por alagamentos e dificuldades operacionais, o que provocou atraso na semeadura, áreas não fertilizadas, entraves logísticos e perdas em outras lavouras, como o milho. A situação impediu uma expansão ainda maior da área de trigo, segundo a analista.
Na porção Sul, a colheita alcançou apenas 7% da área, enquanto o restante das lavouras ainda está em fase de enchimento dos grãos. A produção, no entanto, é esperada com uma produtividade de 4,27 toneladas por hectare, 22% superior à média dos últimos cinco anos. Apesar disso, há dificuldades no controle de doenças e uma leve lixiviação de nutrientes, em função do excesso de umidade.
A área total plantada com trigo foi de 6,7 milhões de hectares, 6,3% acima da última safra e 6,7% acima da média das cinco anteriores. Deste total, a colheita já alcançou 60,2% da área.
Venturino afirma que a Bolsa de Cereales não descarta uma produção final ainda maior, podendo chegar a 27,7 milhões de toneladas, como prevê a Bolsa de Rosário. “É uma quantidade que nunca vimos no nosso país”, destacou. A cautela, porém, permanece: “Estamos esperando que comece o maior ritmo de colheita no sul, porque há variabilidade entre os rendimentos estimados”.