
Processo de aquisição e regularização de imóveis rurais é burocrático e complexo No setor do agronegócio, é uma tendência cada vez mais recorrente a aquisição de imóveis rurais por empresas ou pessoas estrangeiras, impulsionadas pela desvalorização do real e pelo forte crescimento do agro no Brasil.
Saiba-mais taboola
A aquisição de imóveis rurais por estrangeiros está regulada pela Lei nº 5.709/71 e pelo Decreto nº 74.965/74, e ainda passa por aprovação do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) e, em alguns casos, na AGU (Advocacia Geral da União). E dentro dos municípios existem limites para aquisição das propriedades rurais.
Além disso, há uma restrição adicional para empresas brasileiras em que mais da metade de seu capital social é composto por pessoas jurídicas ou físicas sediadas no exterior. Essa situação acaba tornando o processo de aquisição e regularização de imóveis rurais mais burocrático e complexo. Para que um estrangeiro, seja pessoa física ou jurídica, possa adquirir ou arrendar um imóvel rural no Brasil, é necessário atender a uma série de requisitos essenciais, como:
O imóvel rural pretendido deve estar devidamente registrado no Cartório de Registro de Imóveis em nome do transmitente;
O imóvel rural deve estar regularmente cadastrado no Sistema Nacional de Cadastro Rural (SNCR) em nome do transmitente, exceto no caso de aquisição por usucapião;
O estrangeiro, pessoa natural adquirente ou arrendatário, deve possuir residência no Brasil e ter a Carteira de Registro Nacional Migratório – CRNM, na condição de Permanente, com prazo válido ou indeterminado, quando houver previsão legal; e
A pessoa jurídica estrangeira ou brasileira a ela equiparada deve apresentar um projeto de exploração agrícola, pecuário, florestal, turístico, industrial ou de colonização, vinculado aos seus objetivos estatutários ou contratuais, além de, no caso da pessoa jurídica estrangeira, possuir autorização para funcionar no Brasil;
A isso se somam os limites de área que devem ser observados por estrangeiros na hora de adquirir ou arrendar imóveis rurais, que variam conforme a pessoa física ou jurídica envolvida. Para as pessoas naturais, a área do imóvel é um fato determinante para as exigências legais.
Para imóveis com área de até três Módulos de Exploração Indefinida – MEI (o valor do limite do MEI varia de acordo com a localidade) é dispensada autorização, sendo ela, entretanto, obrigatória a partir da segunda aquisição ou arrendamento, mesmo que o somatório das áreas dos imóveis não ultrapasse três MEI, observados ainda, os limites percentuais do município de localização do imóvel pretendido.
Globo Rural
Para áreas entre mais de três e 50 MEI, a autorização prévia é sempre obrigatória, sendo que, para áreas superiores a 20 MEI deverá ser apresentado também um projeto de exploração do imóvel.
No caso das pessoas jurídicas estrangeiras, a aquisição de qualquer extensão de área requer autorização do Incra para qualquer extensão de área, bem como apresentação de projeto de exploração vinculado aos seus objetivos estatutários ou sociais.
Quando o somatório de áreas do requerente exceder 100 MEI, em área contínua ou descontínua, no território nacional, a aquisição ou o arrendamento somente será possível com a autorização do Congresso Nacional. Ademais, há um limite quanto à área total que poder ser adquirida dentro de um município, o quantitativo adquirido não pode ultrapassar 25% da área total do município, sendo que os estrangeiros da mesma nacionalidade só poderão adquirir ou arrendar o equivalente a 10% da área total do município.
Uma exceção relevante é nos casos de aquisição ou arrendamento de imóvel rural por pessoa física de nacionalidade portuguesa. O interessado, se for de seu interesse, poderá obter junto ao Ministério da Justiça o Certificado de Reciprocidade de que trata o estatuto de igualdade entre brasileiros e portugueses, sem perder sua nacionalidade originária.
Esse direito tem assento Constitucional, nos termos do §1º do art. 12 da Constituição Federal de 1988, estando regulamentado pelo Decreto nº 3.927, de 19 de setembro de 2001, que Promulga o Tratado de Amizade, Cooperação e Consulta, entre a República Federativa do Brasil e a República Portuguesa, celebrado em Porto Seguro em 22 de abril de 2000. Uma vez sendo possuidor dessa prerrogativa, não haverá necessidade de autorização do Incra, pois o português terá o mesmo tratamento dado aos brasileiros.
Recentemente, o Projeto de Lei 2.963/2019, que propõe flexibilizar as regras para a compra de terras por estrangeiros, foi aprovado pelo Senado em dezembro de 2020 e encontra-se em tramitação na Câmara dos Deputados. Esse projeto visa alterar a Lei nº 5.709/1971, que atualmente impõe restrições significativas a essas aquisições.
O Ministério Público Federal (MPF) manifestou-se contrariamente ao PL 2.963/2019, argumentando que a proposta contraria diversos preceitos constitucionais e põe em risco a soberania nacional. Segundo o MPF, a flexibilização permitiria que empresas controladas por estrangeiros adquirissem terras no Brasil sem as devidas restrições, o que poderia comprometer a segurança alimentar e econômica do País.
Além disso, uma pesquisa realizada pelo Congresso em Foco revelou que a maioria dos parlamentares é contra a flexibilização da venda de terras para estrangeiros. De acordo com o levantamento, 43,2% dos congressistas se opõem a qualquer venda de terra para estrangeiros, enquanto 32,4% defendem a manutenção do modelo atual, totalizando 75,6% contrários a mudanças na legislação vigente.
Por outro lado, há especialistas que criticam as restrições atuais, argumentando que elas afastam investimentos importantes no agronegócio brasileiro. Eles defendem que a legislação vigente cria insegurança jurídica e limita o potencial de crescimento do setor.
De acordo com dados do Incra obtidos em dezembro de 2020, aproximadamente 3,94 milhões de hectares de terras no Brasil estão formalmente sob controle de estrangeiros, sejam pessoas físicas nascidas no exterior, empresas estrangeiras ou empresas brasileiras com participação estrangeira. Desse total, 2,2 milhões de hectares pertencem a pessoas físicas e 1,72 milhão de hectares a pessoas jurídicas. Esses números foram obtidos pelo Brasil de Fato por meio da Lei de Acesso à Informação.
No entanto, é importante destacar que esses dados podem estar subestimados, pois não incluem terras adquiridas por meio de fraudes ou artimanhas jurídicas, como as utilizadas por fundos de investimento estrangeiros que, desde 2008, usaram o nome de empresas brasileiras para efetivar a compra de terrenos, dificultando o controle pelo Incra.
Leia mais opiniões de especialistas e lideranças do agro
Dessa forma, a aquisição de imóveis rurais por estrangeiros no Brasil segue sendo um tema complexo e altamente debatido. A legislação vigente impõe restrições rigorosas para garantir o controle nacional sobre as terras, refletindo preocupações com a soberania, a segurança alimentar e a preservação dos interesses nacionais.
Ao mesmo tempo, há um movimento crescente para flexibilizar essas regras, com argumentos baseados na necessidade de atrair investimentos para o agronegócio e impulsionar o desenvolvimento econômico.
O Projeto de Lei 2.963/2019 representa um ponto central dessa discussão, dividindo opiniões entre aqueles que veem a flexibilização como uma ameaça à soberania nacional e os que a consideram uma oportunidade para modernizar e dinamizar o setor agropecuário.
Diante do cenário atual, é essencial que o debate sobre o tema seja conduzido com equilíbrio, levando em conta tanto os benefícios econômicos quanto os riscos estratégicos envolvidos.
A definição de um marco regulatório mais claro e coerente poderá trazer maior segurança jurídica e transparência ao processo, garantindo que a atração de investimentos estrangeiros ocorra de maneira sustentável e alinhada aos interesses do País.
*Eduardo Lucio Bessi é especialista em Direito Societário no Briganti Advogados
As ideias e opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva de seu autor e não representam, necessariamente, o posicionamento editorial da Globo Rural