
Depois de anos marcados por burocracia pesada, barreiras à importação e volatilidade cambial, um novo vento parece soprar sobre o ambiente de negócios da Argentina. As reformas econômicas do presidente Javier Milei, com foco na abertura comercial, desregulamentação e contenção de gastos públicos, têm sido recebidas com otimismo por empresários do setor agroindustrial.
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A reportagem do Valor percorreu mais de 1.400 quilômetros pelas planícies no norte da Argentina e, entre os arrozais alagados, pés de laranja e criações de gado bovino, conversou com representantes de grandes empresas. O frio constante acompanhou a equipe durante toda a jornada.
“A Argentina continua oferecendo oportunidades, apesar das crises. E estamos confiantes de que as reformas darão estabilidade para novos investimentos”, disse Walter Cardozo, diretor de operações da Adecoagro. A empresa, uma das maiores agroindústrias da América do Sul, executa um plano de cinco anos para ampliar sua capacidade de armazenagem e secagem de arroz no país.
Com quatro moinhos em operação e três unidades de armazenagem nas províncias de Corrientes e Santa Fé, a companhia aposta na produção própria e na tecnologia como diferenciais para manter a liderança na exportação de arroz. A meta é ambiciosa: dobrar a produção de arroz na Argentina, de 300 mil para 600 mil toneladas, com foco na Europa e América Central.
Além da produção do cereal, a Adecoagro cultiva milho e soja e produz leite na Argentina e, no Brasil, atua na produção de açúcar, etanol e cogeração de energia elétrica com três unidades industriais. Recentemente, teve seu controle adquirido pela empresa de criptomoedas Tether Investments.
Também no entra e sai de empresas, a conversa com Christian Jetter, gerente geral da Copra, mostra a expectativa de crescimento. “Há mais confiança. A redução da burocracia e a remoção das retenções fiscais melhoraram a competitividade”, afirmou.
Christian Jetter: “Redução da burocracia e a remoção das retenções fiscais melhoraram a competitividade”
Fernanda Pressinott/Globo Rural
A Copra, na cidade de Mercedes, na província de Corrientes, opera uma planta especializada na produção de arroz premium, com ênfase no mercado europeu, e vai investir US$ 300 mil em melhorias no processo de moagem e outros US$ 4 milhões em novos silos.
A empresa, de propriedade de José Antonio Aranda, um dos donos do jornal “El Clarín”, cultiva 13 mil hectares de arroz na Argentina e pretende ampliar para 18 mil hectares na próxima safra.
Já a Ebro Foods, multinacional espanhola, que faturou 2,5 bilhões em 2024 e atua na Argentina com o nome de La Loma Alimentos, triplicou sua capacidade de condicionamento e processamento de arroz na última safra. A empresa investe entre US$ 5 milhões e US$ 10 milhões ao ano em equipamentos. A La Loma fica em Chajarí, em Entre Ríos, e já foi propriedade da Camil, que a vendeu em 2018.
Antes de mudar de província, a reportagem ainda encontrou mais sinais de investimento firme — desta vez, com sotaque brasileiro. O Grupo Ceolin atua na Argentina desde os anos 1990. Com quatro moinhos em operação e uma planta estratégica em Mercedes, o grupo faturou R$ 410 milhões em 2024/25, sendo 27% oriundos das atividades no país vizinho. No Brasil, onde atua como Ceagro, tem operações de soja, milho e algodão na Bahia e arroz no Rio Grande do Sul.
“Enfrentamos volatilidade cambial, mudanças frequentes nas regras de exportação e um ambiente regulatório instável. Mas acreditamos no potencial da Argentina”, afirmou Antonio Ceolin, CEO do grupo. Ele pretende investir US$ 3,6 milhões em equipamentos e barragens para o plantio de arroz nos próximos anos.
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Outro grupo argentino que mantém firme seu plano de expansão é o Molino Fénix, que atua na produção de massas, além de rações e vinhos. A companhia opera quatro grandes moinhos, com capacidade de processamento de 1.800 toneladas por dia, e acaba de adquirir uma nova unidade em Chivilcoy. Os planos incluem dobrar a capacidade de armazenagem, hoje em 132 mil toneladas, mas o avanço depende da oferta de financiamento competitivo.
“Se houver viabilidade financeira, pretendemos retomar parcerias com fornecedores brasileiros”, afirmou Fernando Guillén, gerente geral do moinho, em uma sala aquecida, que contrastava com o frio cortante do exterior.
Segundo ele, as travas que existiam no país o fizeram comprar silos do grupo local Sansoni, em 2022, porque não podiam fazer concorrência com fornecedores internacionais. “Agora, se temos dólares declarados, podemos usá-los”, disse.
Uma das possibilidades é usar o programa Finame do BNDES, que permite a estrangeiros comprar equipamentos do Brasil com taxas competitivas, desde que a empresa de outro país tenha conta em um banco parceiro do BNDES.
Apesar da crise prolongada que atingiu o setor produtivo argentino nos últimos anos, há um consenso entre os empresários de que o atual governo criou expectativas mais claras para o futuro. “Ainda enfrentamos desafios, mas é notável a mudança de percepção. Há mais confiança, e isso se reflete nos investimentos que estão voltando a acontecer”, disse Jetter, da Copra.
A jornalista viajou a convite da Kepler Weber