Em oito hectares, mais de 90 espécies são cultivadas em área residencial de Botucatu (SP) Um fragmento rural resiste na zona urbana de Botucatu, cidade do interior de São Paulo a 270 quilômetros da capital do Estado. Com mais de 90 espécies cultivadas, a agrofloresta plantada há seis anos pelo casal Guilherme Araújo e Lenise Baldini contrasta com o asfalto e o concreto ao redor, resistindo às recorrentes investidas do mercado imobiliário para compra e loteamento da área de 80 mil metros quadrados – o equivalente a oito hectares.
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“Já teve bastante gente querendo vir aqui comprar, fazendo propostas, mas depois desistiram porque viram que não estava à venda”, conta Araújo, proprietário da Nume Agrofloresta. Em uma dessas abordagens, feita por uma imobiliária de Marília, cidade a 200 quilômetros de Botucatu, o corretor não se convenceu de que o homem sujo de terra em meio ao trabalho na roça fosse o real proprietário do terreno.
Insistente, o comprador foi até o escritório do pai de Guilherme, que consta nos registros como proprietário do terreno, tentar uma nova abordagem. “Ele agiu de forma sorrateira e, de certo modo, deselegante”, recorda o agricultor. Em nenhuma dessas investidas ele chegou a ouvir a proposta das imobiliárias, mas sabe que as casas de alto padrão da vizinhança têm sido negociadas a preços acima de R$ 8 milhões.
Guilherme Araújo decidiu iniciar a agrofloresta como forma de evitar loteamento do terreno da família
Divulgação/NUME
Com esses moradores, a convivência varia entre aqueles que admiram o projeto do casal e aqueles que reclamam. A biodiversidade atraída pela agrofloresta já foi motivo de queixa daqueles que têm menos apreço pela natureza. “Para você ter uma ideia, já reclamaram das flores levadas pelo vento que atingiam o varal de roupas”, relata o agrofloresteiro de primeira viagem.
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Originalmente uma área de café, a fazenda da família já foi maior, com 19,3 hectares. Na década de 1970, contudo, seus avós extinguiram a lavoura após uma forte geada que atingiu Paraná e São Paulo, causando danos irreversíveis à cultura. Desde então, pouco a pouco a área foi sendo loteada, restando apenas os oito hectares herdados pelo seu pai e ocupados pela braquiária com o passar dos anos.
A agrofloresta se parece mais com uma arte do que com uma ciência
O trabalho partiu do zero, com o plantio das espécies a partir de sementes germinadas dentro da propriedade e depois transferidas para o solo. Passados seis anos, o casal já colhe bananas, café e flores vendidas em arranjos criados por Lenise. Em desenvolvimento estão outras frutas como biribá, graviola, pinha, castanhas e espécies madeireiras com destaque para anjico preto, peroba, jatobá e mogno.
Lenise Baldini (de preto), Guilherme Araújo (de vermelho) e equipe da Nume Agrofloresta
Divulgação/Nume
“A agrofloresta se parece mais com uma arte do que com uma ciência. Ela depende muito de intuição, de observar o que está acontecendo. É uma agricultura que exige muita atenção e sincronia. Por isso, você precisa estar afinado com a saúde das plantas, percebendo as coisas”, afirma Guilherme.
Formada em agronomia, sua esposa, Lenise, tem a mesma visão e até dispensa o título da faculdade. O foco da agrofloresteira está em compreender e reproduzir processos que ocorrem na natureza. “Para mim, isso é tecnologia. É super complexo, muito mais difícil, mas eu acho mais satisfatório também”, completa Lenise.