
Pioneira no país na adoção de agroflorestas para produção agrícola, a Cooperativa Agrícola Mista de Tomé-Açu (Camta), no nordeste do Pará, pretende mais que dobrar a área de plantio com esses sistemas nos próximos anos. O modelo deverá servir de inspiração para os planos do governo de conversão de áreas degradadas no país e ser vitrine brasileira de boas práticas durante a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP30), em Belém.
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Atualmente, os 170 cooperados cultivam sete mil hectares em sistemas agroflorestais, nos quais produz açaí, cacau, pimenta-do-reino e frutas diversas para polpas. Outros dez mil hectares usados em monocultivo estão prontos para serem renovados e transformados em agroflorestas. O foco será o cultivo de dendê, a partir de um modelo produtivo validado por estudos da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e de empresas privadas e outras instituições.
A produção em sistemas agroflorestais consiste no aproveitamento de uma área para cultivo simultâneo de diversas espécies agrícolas e florestais, em um ambiente de economia circular e manejo agroecológico que se retroalimenta. Os sistemas utilizam adubação verde das folhas e biomassa das plantas, além de serem capaz de gerar renda contínua ao longo do ano.
Na pesquisa para a validação do sistema agroflorestal do dendê, os técnicos avaliaram seis hectares da fazenda de Ernesto Suzuki entre 2008 e 2020. O estudo mostrou a viabilidade do plantio da cultura em agrofloresta e “quebrou paradigmas” na região, disse o produtor.
“Antes, por não existir pesquisa, tínhamos monocultivo de dendê, não podíamos cultivar outras espécies [em consórcio], pois isso poderia reduzir a produtividade. Agora, a pesquisa está consolidada”, afirmou Suzuki. Ele já tem 50 hectares de agrofloresta com dendê e pretende converter mais 120 hectares. Ao todo, a fazenda tem 430 hectares, boa parte com reserva de mata nativa.
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Hoje, parte da produção integra processos de fabricação de cosméticos da Natura. A empresa tem a meta de fomentar o plantio de 40 mil hectares de dendê em sistema agroflorestal na região até 2035, relataram produtores. Segundo a companhia, no momento, o projeto em parceria com a Camta abrange 413 hectares. A expectativa é chegar a 650 hectares no calendário agrícola 2024/25.
A produtividade do dendê é maior nesse sistema do que no monocultivo, mas há menos plantas por hectare. No sistema agroflorestal, são 180 quilos de cacho de fruto por planta e até 99 palmeiras por hectare; já no cultivo isolado, a média é de 139 quilos de fruto e 143 plantas por hectare. O manejo agroecológico na agrofloresta reduz em até 15% os custos com adubação orgânica. Além disso, as outras 14 espécies que os produtores cultivam no sistema diversificam as fontes de renda do agricultor e geram receita durante todo o ano.
“O sistema é resiliente. Com a diversidade de espécies, o solo é rico em matéria orgânica e tem microrganismos trabalhando e dando fertilidade à terra. Deixamos a natureza trabalhar”, afirmou Suzuki.
Na agrofloresta, ele também produz cacau, andiroba, ingá, açaí, ipê e cogumelos. O plantio do dendê ocorreu em 2023, e já houve colheita. A produção se estabiliza a partir do sétimo ano e tem um ciclo produtivo de 25 anos, relatou Suzuki. Depois, há renovação com o plantio de uma nova palmeira ao lado das antigas. O modelo tira a pressão pela abertura de novas áreas. “Vamos ficar produzindo na mesma área eternamente”, disse o produtor.
Suzuki venderá o dendê para indústrias da região, e uma parte abastecerá a produção de cosméticos da Natura. A empresa informou que compra dendê dos cooperados da Camta para extrair o óleo que utiliza em produtos como shampoos e sabonetes em barra da linha Biome. Atualmente, a companhia usa 46 bioingredientes da sociobiodiversidade amazônica. Até 2030, a Natura quer chegar a 55.
A Camta não faz o processamento da oleaginosa, mas trabalha com cupuaçu e andiroba. A produção de óleos vegetais, amêndoa de cacau, pimenta-do-reino e polpas de frutas da cooperativa tem certificações sustentáveis e de produção orgânica, além de identificação geográfica de procedência, elementos que ajudam a agregar valor aos produtos locais. “Queremos que toda a história seja agregada aos produtos”, afirmou Alberto Oppata, presidente da cooperativa.
Os sistemas agroflorestais nasceram inspirados no modo de vida equilibrada dos ribeirinhos da Amazônia e em seus quintais produtivos e diversificados. A implantação desse modelo começou na década de 1970 na região, surgindo como alternativa ao ciclo de monocultura da pimenta-do-reino, que foi quase dizimada por uma doença causada por fungos.
O sistema agroflorestal de Tomé-Açu ganhou uma denominação específica (Safta) e é referência internacional, com mais de 50 combinações de espécies produtivas. O secretário de Agricultura do município, Alírio Tavares, diz que Tomé-Açu foi o primeiro do mundo a instituir os sistemas agroflorestais como política pública incentivada de forma obrigatória.
O modelo sustentável também serve de inspiração para os planos do governo federal de incentivar a conversão de áreas degradadas em todo o Brasil, que somam 40 milhões de hectares. Comitivas do Ministério da Agricultura já visitaram a região para entender a dinâmica, tentar replicar a experiência e buscar formas de dar escala à produção.
O leilão do programa Ecoinvest, que captou R$ 35 bilhões para financiamentos de recuperação de áreas degradadas, vai destinar parte dos recursos para incentivar os sistemas agroflorestais na Amazônia. Segundo Carlos Augustin, presidente do Comitê Interministerial do Programa Nacional de Conversão de Áreas Degradadas e assessor especial do Ministério da Agricultura, 10% dos recursos que os bancos vão alocar no bioma deverão se destinar aos sistemas agroflorestais.
Augustin contou que, durante a COP30, em novembro, haverá uma ponte aérea entre Belém e Tomé-Açu para que delegações do mundo inteiro possam conhecer a experiência local e o sistema sustentável de produção na Amazônia. Ele disse ainda que o modelo bem-sucedido da Camta pode ser replicado em outras partes do país, mas que essa disseminação exige financiamento barato e assistência técnica. A ideia é incentivar parcerias com empresas compradoras dos produtos florestais para incentivar a adoção de agroflorestas.
“Do que conheço de Amazônia e sustentabilidade, não há nada melhor. É um exemplo de produção, com muita mão de obra e produtos de alto valor agregado. São coisas da floresta industrializadas e exportadas com selo”, declarou Augustin. “O que tem que fazer é dar escala, encontrar outros mecanismos de financiamento, que não sejam os tradicionais ”, completou.
A Natura afirmou, em nota, que seu objetivo de longo prazo é obter 100% de composto de óleo de palma a partir de práticas regenerativas, tanto por meio de investimentos próprios quanto a partir de parcerias com outras empresas e instituições. “Estamos focando em fortalecer parcerias, envolver novos agricultores e captar investimento. O maior desafio que temos atualmente é a linha de crédito disponível para modelos produtivos sustentáveis e regenerativos”, disse Angela Pinhati, diretora de sustentabilidade da Natura.
O jornalista viajou a convite da OCB