Lideranças do setor destacaram a urgência de levar ao evento uma imagem realista do setor Na contagem regressiva para a 30ª Conferência das Partes da ONU sobre o Clima (COP30), que será realizada em Belém (PA) em novembro, o agronegócio brasileiro se movimenta para ocupar um espaço mais organizado e influente na cúpula ambiental mais importante do mundo. Durante painel no Fórum Futuro do Agro, promovido pela revista Globo Rural nesta terça-feira (18/6), lideranças do setor destacaram a urgência de levar à COP uma imagem realista do agro — com suas virtudes tecnológicas e sustentáveis, mas também com a disposição de reconhecer e corrigir falhas.
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O painel “A COP e o agro” reuniu Marcello Brito, secretário executivo do Consórcio Amazônia Legal; o economista Ricardo Abramovay, professor da USP; e o ex-ministro da Agricultura Roberto Rodrigues, atual embaixador do agro na COP. A mediação foi de Cassiano Ribeiro, diretor de redação da Globo Rural.
Rumo a um discurso unificado
Roberto Rodrigues revelou que está liderando a articulação de um documento que deve ser finalizado até o fim de agosto, com propostas concretas do agronegócio brasileiro para a COP30. A ideia é mostrar ao mundo o “agro real”, com base em ciência, eficiência produtiva e sustentabilidade, mas sem esconder os problemas existentes.
“O agro do Brasil pode ensinar o mundo a pescar, mas também precisa reconhecer que tem problemas como incêndios e desmatamento ilegal”, disse Rodrigues. “Queremos sugerir ao planeta que faça uma agricultura tropical com consenso, destacando nossa matriz energética complementar e demandando financiamento climático para o país.”
Propostas em construção
Marcello Brito, também nomeado enviado especial do governo para a COP30, ressaltou que a conferência é uma oportunidade única para inserir de vez a agricultura tropical no debate climático global. Ele criticou a falta de articulação inicial do país após a escolha de Belém como sede da COP e reforçou que o agro precisa participar ativamente dos planos de ação que surgirão nos arredores do evento.
“Lamento que não tenhamos estruturado o maior diálogo da história desde que o Brasil foi anunciado como sede. Mesmo sem consenso, deveríamos ter algo a entregar”, afirmou. Segundo Brito, o fórum tropical que está sendo articulado será interdependente de setores como energia, fertilizantes e infraestrutura, e poderá incluir parlamentares e enviados especiais na elaboração das propostas.
Contribuições e dilemas
O professor Ricardo Abramovay destacou que a discussão sobre legalidade do desmatamento é irrelevante do ponto de vista internacional. “O mundo não quer saber se o desmatamento é legal ou ilegal. O que importa é que não se justifica mais apoiar nenhum tipo de desmatamento. A agricultura do século XXI não pode tolerar isso”, afirmou.
Para ele, o Brasil precisa mudar seu paradigma: deixar de focar apenas no que está acima do solo (como produtividade e grãos) e prestar mais atenção ao que está abaixo — como os serviços ecossistêmicos, os microorganismos e a biodiversidade. “Estamos diante de uma economia que precisa ser baseada na regeneração da natureza.”
Rodrigues defendeu o uso racional da ciência para decidir onde expandir a produção. “Se for suficiente com a tecnologia atual, não precisa desmatar mais. Se não for, que se avalie com bom senso onde isso causaria menos impacto.”
O papel da legalidade e da imagem
Todos os participantes concordaram que o Brasil precisa transformar a imensa legalidade ambiental que já possui em uma vantagem competitiva — e eliminar a ilegalidade que compromete sua imagem internacional. Para Rodrigues, comunicar com clareza será essencial. “Temos que reconhecer nossos defeitos e combatê-los. E temos que estar presentes no mundo inteiro com essa narrativa”, disse.
Abramovay, por sua vez, criticou a lógica de pagar produtores apenas para que não desmatem. “Isso é raciocínio de cangaceiro. Outra coisa é remunerar por serviços ambientais prestados, o que é justo.”
Segundo Brito, muitas soluções sustentáveis já estão mapeadas por empresas do setor, como sombreamento de pastagens e recuperação de florestas com aumento da produtividade. “A grande pergunta é: o que vamos fazer com isso diante das mudanças climáticas?”.
Uma vitrine para o agro tropical
Para os painelistas, a COP30 será a vitrine ideal para o Brasil apresentar sua agricultura tropical como modelo de futuro — produtiva, sustentável e regenerativa. Mas isso só será possível se o setor conseguir se organizar e apresentar uma pauta propositiva e confiável.
Como resumiu Brito, “se acabássemos com o desmatamento, nossas emissões cairiam drasticamente, teríamos mais água, mais biodiversidade — e isso, sim, valeria muito dinheiro para o país”.