
Produtores rurais reforçaram a posição contrária ao acordo e disseram que a moratória “afronta” a soberania nacional; indústrias querem o “aprimoramento” da legislação Agricultores e tradings exportadoras de grãos ainda parecem longe de um consenso sobre o futuro da Moratória da Soja, acordo privado que impede a comercialização da oleaginosa produzida em áreas desmatadas na Amazônia Legal após 2008, mesmo que em conformidade com a lei.
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Em audiência pública na Comissão de Agricultura do Senado Federal nesta quarta-feira (23/4), produtores rurais reforçaram a posição contrária ao acordo e disseram que a moratória “afronta” a soberania nacional e priva agricultores do bioma amazônico de explorar a totalidade da área permitida pelo Código Florestal.
Já a Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove) salientou que há espaço para uma saída intermediária que não seja o fim da Moratória nem a continuidade do acordo da forma como está atualmente. “Devemos oportunizar o aprimoramento da Moratória. A ideia é olhar pra frente (…) A solução não é acabar com a Moratória nem manter como está, algo diferente precisa ser feito”, disse André Nassar, presidente-executivo da entidade, na audiência.
Ele salientou, no entanto, que a Moratória da Soja tem um legado e que o acordo não impediu o avanço da produção agrícola na Amazônia. Dados apresentados na reunião mostram que a área cultivada com a oleaginosa no bioma saltou de pouco mais de 300 mil hectares em 2008 para 7,8 milhões de hectares na safra 2023/24. “A Moratória viabilizou, criou mercado para essa soja”, disse.
Nassar afirmou que um consenso sobre o tema não vai agradar totalmente nenhuma das partes, mas vai proteger a produção de soja na Amazônia. “A nossa sugestão é que sejam feitas mudanças na Moratória, que são viáveis. O mercado internacional não quer comprar soja plantada em área desmatada na Amazônia”, apontou.
O diretor-executivo da Associação Brasileira dos Produtores de Soja (Aprosoja Brasil), Fabrício Rosa, propôs que a Moratória deixe de ser uma imposição e passe a ser uma opção aos agricultores que aceitarem aderir ao acordo e atender às exigências, principalmente do mercado europeu.
“Existem produtores que abriram as propriedades antes de 2008 e que poderiam cumprir a exigência. O mercado europeu não é desprezível. Para quem tem condição de cumprir a exigência do mercado europeu, é possível optar por essas áreas e destinar essa soja a eles, com o custo de segregação, que vai custar entre US$ 40 e US$ 60 a mais para separar e mandar essa soja”, disse Rosa, na audiência.
O dirigente, porém, defendeu que a Moratória é uma “afronta” à soberania nacional, à livre iniciativa dos produtores rurais e à liberdade econômica. “Vemos a indústria exercendo poder de suserania através do mercado europeu em cima do mercado brasileiro”, afirmou.
Dados apresentados pela Aprosoja Brasil mostram que ao menos 4,2 mil agricultores de Mato Grosso são afetados pelas exigências da Moratória da Soja em uma área total de 2,7 milhões de hectares. Desses, a comercialização de soja está impedida em 1,8 milhão de hectares, com impacto financeiro de R$ 20 bilhões com a receita que deixa de ser gerada com a produção de soja e milho no local.
Sem conciliação
André Dobashi, presidente da Comissão Nacional de Cereais, Fibras e Oleaginosas da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), afirmou que a entidade não defende a conciliação em torno da Moratória. “Compreendemos que a Moratória é completamente ilícita”, disse na audiência. Ele disse que o acordo ignora a lei vigente no país, penaliza os produtores que respeitam o Código Florestal e cria uma legislação paralela, acima da Constituição Federal.
“A Moratória não conseguiu impedir desmatamento ilegal. Ela criminaliza o produtor, afasta investimentos, concentra mercados na mão de poucos exportadores, agrava desigualdades regionais. Os municípios são sufocados economicamente por um instrumento sem respaldo no ordenamento jurídico brasileiro”, completou.
Para Lucas Costa Beber, presidente da Associação dos Produtores de Soja e Milho de Mato Grosso (Aprosoja-MT), a única proposta viável é a aplicação da lei brasileira, ou seja, o respeito ao Código Florestal que permite o desmatamento de áreas, até o limite de 20% da propriedade na Amazônia.
“A Moratória é uma medida famigerada e vencida. Ela foi feita em 2008, mas em 2012 tivemos o Código Florestal aprovado. Existem 30 milhões de pessoas que moram na Amazônia. A lei antidesmatamento da União Europeia e a Moratória querem fazer uma cerca na Amazônia e largar esse povo como animal, sem poder produzir”, reclamou o dirigente no evento.
Leis estaduais
Em 2024, Mato Grosso e Rondônia sancionaram leis que retiram benefícios fiscais de empresas participantes de acordos privados que impõem restrições aos produtores. As legislações praticamente inviabilizam a Moratória da Soja nos dois Estados. O tema foi judicializado. Duas ações diretas de inconstitucionalidade foram apresentadas ao Supremo Tribunal Federal (STF).
Em dezembro do ano passado, o ministro Flávio Dino concedeu liminar para suspender a lei mato-grossense. Desde então, busca uma conciliação para o assunto. Ainda não há previsão sobre o julgamento final da ação.