
A transição entre gerações nas empresas familiares do agronegócio brasileiro raramente ocorre sem tensão. Por trás dos papéis formalmente definidos há uma rede complexa de vínculos emocionais, expectativas não declaradas, divergências acumuladas e identidades em disputa.
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Nesse ambiente onde razão e afeto convivem lado a lado, a presença ativa da mulher tem se revelado cada vez mais estratégica. Esse papel ganha ainda mais relevância diante do cenário atual.
O agronegócio, que viveu uma fase de expansão robusta, enfrenta agora um ciclo de correção. A combinação de margens pressionadas, juros elevados, oscilação de mercados externos e eventos climáticos adversos tem colocado à prova a resiliência de muitas operações familiares.
O aumento expressivo no número de pedidos de recuperação judicial por produtores rurais é um sintoma claro de que estruturas frágeis, tanto no plano societário quanto na dinâmica familiar, tornam-se insustentáveis em momentos de estresse.
Nesse contexto, a mulher vem assumindo, com crescente legitimidade, o protagonismo na construção de estruturas institucionais mais sólidas. Seja como herdeira, conselheira ou matriarca, ela tem contribuído para que a governança deixe de ser um conjunto de formalidades e se torne, de fato, um instrumento de continuidade.
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Em muitos grupos, é ela quem promove os diálogos intergeracionais, articula interesses divergentes e sustenta os pactos invisíveis que permitem a convivência entre diferentes visões. Mais do que propor regras, viabiliza a adesão a elas.
Esse papel estruturador tem impacto direto na redução de conflitos e na longevidade dos acordos — algo que, na prática, protege valor econômico, preserva relações e assegura identidade ao negócio.
É nesse ponto que a experiência concreta com empresas familiares se torna reveladora. Em muitas famílias com as quais interagimos, a mudança não veio de grandes rupturas, mas de deslocamentos silenciosos: mulheres que passaram a ocupar seus assentos nos conselhos, a fazer valer sua voz nos momentos de impasse, a insistir na formalização dos acordos antes que os conflitos se impusessem.
Quando isso acontece, o que se transforma não é apenas o processo decisório, mas o próprio ambiente em que as decisões são tomadas.
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A governança deixa de ser uma imposição e passa a ser compreendida como um pacto construído a partir de dentro , com legitimidade, escuta e visão. Em diferentes regiões do país, há exemplos discretos, mas eloquentes, de empresas que atravessaram sucessões mantendo a coesão da família e a integridade do patrimônio.
Em boa parte desses casos, o ponto de equilíbrio foi proporcionado por uma liderança feminina que compreendeu que governança é também memória respeitada e responsabilidade compartilhada. A figura feminina, nesse processo, muitas vezes atua como eixo de continuidade entre o que foi construído e o que ainda será legado. É preciso reconhecer que, embora os papéis estejam mudando, as barreiras ainda existem.
O agro é, em muitos territórios, conservador em suas estruturas de poder. Mas os resultados já alcançados por empresas que incorporaram a liderança feminina aos seus processos estratégicos falam por si. Onde há abertura para essa participação, há mais clareza nas decisões, menos rupturas e maior solidez nas transições.
A sucessão virá, seja pela vontade dos fundadores, seja pela imposição dos fatos. Cabe a cada família empresária decidir se atravessará esse processo com improviso ou com preparo. O que temos visto, cada vez com mais nitidez, é que a presença ativa das mulheres, com legitimidade e visão, tem sido um dos principais fatores de sucesso nos ciclos de continuidade das empresas familiares do agro.
*Diego Billi Falcão e Amanda Salis Guazzelli são fundadores da Governança Agro
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